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Turquia tem cidades para os mortos incrustadas em montanhas

Fethiye, na Turquia Imagem: Ron Watts/Getty Images

Colaboração para Nossa

16/12/2024 05h30

O sudoeste da Turquia guarda, até hoje, mini cidades dedicadas aos mortos incrustadas em suas montanhas.

Por trás delas estão os antigos lícios, povo que reinou sobre a região há cerca de dois mil anos e teria não só realizado as impressionantes construções, como criado uma democracia sólida que inspirou a americana.

Como era a Lícia?

Em junho de 1787, 22 anos antes de se tornar presidente dos EUA, James Madison discursou na Convenção Constitucional da Filadélfia e defendeu o modelo de representação popular proporcional da Lícia como saída para um sistema de governo eficaz. Formada no século 2 a.C., a Liga Lícia era composta por 23 cidades-Estado, de acordo com relato do filósofo grego Estrabão, a primeira federação do mundo.

Túmulos Lícios em Dalyan Imagem: Peter Adams/Getty Images

Há relatos da formação da Lícia desde o século 15 a.C., no fim da Idade do Bronze, em torno de povos falantes de línguas anatólias como o luvita que foram conquistados pelo Império Arquemênida, os primeiros persas. Posteriormente, a região foi parte do Império Ateniense (ou Liga de Delos), caiu sob domínio macedônio, foi parar nas mãos dos gregos de Rodes e se tornou um protetorado romano.

Os idiomas se perderam e todas essas culturas acabaram influenciando os lícios, que se tornaram independentes e formaram sua própria liga em 168 a.C., um experimento que durou quase 200 anos. Ela dissolvida em 43 d.C. por Claudio, que a incorporou ao Império Romano. A região passou séculos nas mãos dos otomanos até que foi incorporada à República da Turquia no início do século 20.

Cidades para os mortos

Fethiye, na Turquia Imagem: Nick Brundle Photography/Getty Images

Os lícios começaram a construir elaborados túmulos nas montanhas e penhascos ainda nos tempos do domínio persa, por volta do século 5 a.C., mas algumas das mais famosas têm estilo grego e/ou macedônio. É o caso da Tumba de Amintas, em Fethiye, com colunas iônicas que teriam sido erguidas por volta de 350 a.C., segundo o guia Lonely Planet.

Ela foi dedicada a Amintas, filho de Hermapias, mas pouco se conhece a respeito da intenção e do ritual por trás do monumento. Na época, a cidade na Costa Turquesa era conhecida como Telmessos e o túmulo, acompanhado de outros ao seu redor, tem vista impressionante para o Mar Egeu. É incerto por que uma civilização inteira parecia tão obcecada com a morte — e em celebrá-la ou lamentá-la nas alturas.

Tumba de Amintas em Fethiye Imagem: efired/Getty Images

Uma lenda local narrada à rede americana CNN pelo guia Önder U?uz afirma que os lícios colocavam seus mortos em fendas rochosas ou túmulos nas praias para que uma criatura semelhante a uma sereia com asas pudesse carregá-los para a vida eterna. Não existe nenhuma evidência arqueológica que confirme a teoria, entretanto.

"Podemos adivinhar que haja algum tipo de diferença de status econômico entre as pessoas que fizeram estes túmulos, mas não se sabe qual. Visibilidade é claramente importante, não apenas estar na estrada, mas ser capaz de ser visto à distância é obviamente importante. Sabemos o por quê? Não", comentou ao veículo a professora de arqueologia Catherine Draycott, da Universidade de Durham, no Reino Unido.

Cidade antiga de Pinara, na Turquia Imagem: Anastasiia Shavshyna/Getty Images

Ela conta que já viu os túmulos lícios de perto não só nas montanhas, como também no topo de pilares. E o domínio das necrópoles rochosas vai bem além da antiga Telmessos, se espalhando pela paisagem de Dalyan e por outras das cidades-Estado dos lícios, como Mira, hoje próxima à cidade turca de Demre.

Do outro lado de Mira, é possível admirar os vestígios de outros povos que conquistaram os lícios, como os romanos responsáveis pelo anfiteatro ainda existente no local. O mesmo vale para a maioria dos túmulos em outras cidades, repletos de contrastes de uma região de passado tão rico. Esculturas elaboradas são comuns nos túmulos mais altos, assim como os pilares.

Sítio arqueológico de Mira Imagem: pawopa3336/Getty Images/iStockphoto

"Não podemos dizer se há uma ligação entre as crenças lícias e os deuses dos céus", lembra, contudo, a arqueóloga britânica. É que a maioria das tradições funerárias do Mediterrâneo na época associava os mortos com espíritos que viviam sob o solo e não nas alturas.

"As tumbas certamente sugerem que havia um desejo de não ser enterrado sob o solo e um desejo de estar nas alturas, mas não está claro se as pessoas enterradas nas alturas tinham uma vantagem sobre outros, embora você possa dizer que o status seria maior em termos de competição entre os túmulos porque eles puderam de alguma maneira ter seus pedreiros aqui".

Rostos semelhantes a máscaras teatrais ainda podem ser vistas perto do sítio arqueológico de Mira, na Turquia Imagem: Jean-Philippe Tournut/Getty Images

A pesquisadora ainda lembrou à CNN que o peso das enormes tampas rochosas que cobriam os túmulos era imenso — o que pode ser outro sinal de grande status para o falecido. "Teria sigo uma verdadeira performance [enterrar o morto], as tampas pesam toneladas", especula.

No entanto, devido à popularidade deste tipo de construção, Catherine acredita ser possível que os túmulos pudessem ter servido também como formas de unir as comunidades através da adoração de ancestrais, criando mitos e lealdade a gerações para tornar a sociedade mais coesa diante dos múltiplos ataques sofridos pelo seu povo.

Cidade antiga de Kaunos, Patrimônio da Humanidade segundo a Unesco, em Dalyan Imagem: OmerSukruGoksu/Getty Images

Seja qual for o motivo, vale a visita às cidades nas pedras. Segundo a CNN americana, o Túmulo de Amintas está aberto à visitação de quem está disposto a escalar seus montes ao preço de 3 euros (R$ 19) por pessoa, o mesmo preço para explorar Xanto, a antiga capital da Lícia. Já conhecer Mira custa 13 euros (R$ 81,65).

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