'Queijólatras', atenção: é um crime NÃO comer a casca de um queijo 'fedido'

Queijos aromáticos — ou "fedidos", dependendo do nariz do freguês — não são unanimidades. Há quem não goste ou não tenha coragem de encarar a experiência de incluir um exemplar de odor mais potente nas receitas, ou no dia a dia, como o Gruyère (muito usado em fondues), o Taleggio ou o Beaufort.

Mas é justamente a razão por que alguns deles têm um cheiro tão forte que os torna mais interessantes para o paladar e para quem se interessa por curiosidades gastronômicas.

Por que alguns queijos são "fedidos"?

Existem diversos tipos (e motivos) pelos quais queijos têm um odor mais forte, mas alguns dos mais populares são os queijos de casca lavada. Eles são preparados com uma lavagem, como o nome sugere, em salmoura. Em casos mais raros, vinhos ou cervejas também podem ser utilizadas.

Taleggio: o ideal é não tirar a casca, segundo os experts
Taleggio: o ideal é não tirar a casca, segundo os experts Imagem: ilbusca/Getty Images

Mark Todd, especialista em queijos que é consultor do Conselho de Exportação de Laticínios dos EUA, explicou recentemente no podcast Pizza Quest que o processo é complexo.

"A ciência gastronômica empregada nos queijos de casca lavada fica em segundo lugar apenas atrás da reação de Maillard [a caramelização da superfície de pães e de carnes ao ser exposta a altas temperaturas] em termos de complexidade da química do que acontece na superfície do queijo", acredita.

A salmoura previne o crescimento de mofo — desejável na casca de alguns queijos, como o Camembert — mas estimula o desenvolvimento de uma bactéria conhecida como Brevibacterium linens. Ela é responsável pela coloração alaranjada das cascas, além do característico odor.

Tradição da Idade Média

Os queijos fedidos teriam surgido na Europa ainda na Idade Média, apontam diversos estudiosos. No entanto, há diferentes versões — ou até lendas — de como a descoberta da técnica aconteceu. Há quem diga que foram monges trapistas, outros citam beneditinos. Italianos defendem para si a honraria, embora os mais antigos queijos de casca lavada conhecidos hoje tenham origem na França.

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Queijo Époisses, com sua característica casca lavada laranja e interior bastante macio
Queijo Époisses, com sua característica casca lavada laranja e interior bastante macio Imagem: Image Professionals GmbH/Getty Images/Foodcollection

Para Todd, a criação se deu no século 7, o que é consistente com o registro do "The Oxford Companion to Cheese", um livro de referência da área.

Há um debate se foi por acidente ou intencionalmente, mas basicamente um monge Beneditino na região da Alsácia-Lorena, cumprindo suas obrigações de tentar manter os queijos sem mofo, usava esta pequena solução — que era de álcool, com vinho ou cerveja diluída, ou de salmoura, ou ambos — para esfregar nos queijos. Ele notou que o mofo voltava em um deles, então ele esfregava e esfregava e esfregava. Três ou quatro dias depois, o mofo estava de volta. Então ele esfregava de novo. E neste, não tinha descanso, ele mofava de novo e de novo. Por volta da quinta vez em que mofou o queijo, ele já o tinha mantido tão úmido com suas lavagens que acabou encorajando diferentes bactérias a crescer do lado de fora do queijo por causa do ambiente úmido. Isso não havia acontecido antes. E esse jovem monge foi ao seu superior e disse: 'Pode vir aqui?'. Mas o superior respondeu: 'Você fez, você prova'. E virou História. Conta Mark Todd.

Caso as cascas destes queijos não tivessem sido lavadas, é possível que eles tivessem amadurecido e se tornado próximos ao francês Brie, coberto em mofo branco — um tipo de Penicillium. Os sabores e odores destes tipos de queijos costumam ser bem mais suaves, menos pungentes, do que os cultivados pela Brevibacterium linens.

Beaufort tem a casca mais firme, mas há outros "primos" com interior mais macio
Beaufort tem a casca mais firme, mas há outros "primos" com interior mais macio Imagem: Image Professionals GmbH/Getty Images/Foodcollection

Por isso, há de se apreciar este "milagre científico" que proporcionou ao mundo, há mais de um milênio, queijos de sabores tão ricos.

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Há grande variedade de queijos de casca lavada hoje, alguns de interior mais macio como o Époisses e outros mais firmes como o Gruyère. Em ambos os casos, você pode comer a casca sem medo se ela não estiver coberta por cera ou tecido, garante a Academia do Queijo, instituição britânica de educação de mestres queijeiros.

Aliás, não só pode como deve: é lá que o sabor mais intenso está concentrado, ensinam os experts.

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