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Vômito, superstições e soneca: como eram os banquetes na Roma Antiga

O imperador Nero participando de um bacanal, festejo em homenagem ao deus Dionísio, em pintura de 1881 - Universal History Archive/Universal Images Group via Getty O imperador Nero participando de um bacanal, festejo em homenagem ao deus Dionísio, em pintura de 1881 - Universal History Archive/Universal Images Group via Getty
O imperador Nero participando de um bacanal, festejo em homenagem ao deus Dionísio, em pintura de 1881 Imagem: Universal History Archive/Universal Images Group via Getty

Colaboração para Nossa

27/03/2025 05h30

Comer, para os antigos e mais ricos romanos, era uma festa. Os cidadãos das classes mais poderosas de Roma passavam horas em banquetes, que não eram apenas um prazer, mas uma exibição de riqueza e status.

"Era o ato supremo de civilização e uma celebração da vida", comentou à rede americana CNN o professor de filosofia antiga da Universidade de Ferrara, na Itália, Alberto Jori. Vamos à mesa com eles:

O que os romanos comiam

Os patrícios eram entusiastas de pratos doces e salgados. Entre eles estão o Lagane, uma massa curta e rústica servida com grão de bico que é apreciada ainda hoje na Calábria. Ela era usada também para preparar um bolo de mel com ricota fresca. Eles ainda usavam o garum, um molho salgado e fermentado de peixe para temperar tudo - até as sobremesas. E, por falar nelas, os romanos criaram uma que adoramos: o cheesecake.

Já o sabor do garum era muito similar ao vietnamita Nuoc Mam ou o tailandês Nam Pla. Eles preparavam o molho deixando o peixe, com seu sangue e miúdos para fermentar em potes sob o sol do Mediterrâneo.

Carnes de veado, javali, coelho e faisão faziam companhia a frutos do mar como ostras cruas, mariscos e lagosta nos cardápios dos mais ricos. Eles ainda competiam para ver quem servia os pratos mais exóticos aos seus convidados. Entre as iguarias raras estavam ensopados de língua de papagaio e arganaz (um tipo de roedor) recheado.

Escravo servindo patrícios em um banquete na Roma Antiga, em gravura de 1887 Imagem: UniversalImagesGroup/Universal Images Group via Getty

"O arganaz era um quitute que fazendeiros engordavam por meses dentro de potes e vendiam nos mercados", comentou Jori à CNN. Segundo ele, papagaios também eram mortos aos montes para conseguir fazer apenas um ensopado.

Outra receita exótica apreciada pelos romanos era o Salsum Sine Salso, inventado pelo famoso glutão Marcus Gavius Apicius. O preparo foi recuperado pelo historiador gastronômico Giorgio Franchetti e pela arqueóloga e chef Cristina Conte no livro "Dining with the Ancient Romans" e envolve rechear um peixe inteiro com fígado bovino, o que servia como uma espécie de pegadinha com os convidados.

Banquete era, também, uma experiência escatológica

A etiqueta à mesa era bastante diferente da moderna. "Como banquetes eram um símbolo de status que durava por horas noite afora, vomitar era uma prática comum necessária para criar espaço no estômago para mais comida. Os romanos antigos eram hedonistas que perseguiam os prazeres da vida", contou ainda Jori.

Por isso, salas de jantar tinham frequentemente um "vomitório" logo ao lado. Usando uma pena, os convidados coçavam a garganta e estimulavam a ânsia de regurgitar. Depois de terminar, eles voltavam ao salão, enquanto escravos limpavam a sujeira.

Pé de galinha e outros restos de comida em detalhe do mosaico "Chão Não Varrido", do século 2 d.C., que mostra o disfarce da sujeira dos romanos Imagem: dmitriymoroz/Getty Images

Em uma cena da sua obra "O Satíricon", Petrônio retrata a sociedade da metade do primeiro século depois de Cristo, em que o rico Trimalquião ordena que um escravo o traga um penico para que ele urine à beira da mesa. Também eram normais as flatulências liberadas em público, já que os romanos acreditavam que prender gases poderia causar a morte.

O imperador Cláudio, que reinou entre 41 d.C. a 54 d.C., teria chegado a emitir um decreto encorajando a prática à mesa, segundo registros do historiador Suetônio.

Comer deitado era essencial

Os romanos tinham o hábito de comerem deitados em poltronas compridas para reduzir o inchaço e, supostamente, facilitar a digestão, além de tirarem uma soneca entre pratos. No entanto, a posição também era um símbolo de poder e status. O privilégio, por isso, era restrito aos homens. Mulheres comiam em outra mesa; se estivessem na mesma, ficavam ajoelhadas ou sentadas ao lado dos maridos.

Banquete na casa do político Lúcio Licínio Lúculo em 80 a.C., retratado em pintura de G. Boulanger Imagem: ullstein bild Dtl./ullstein bild via Getty Images

A cena pode ser vista pintada nas paredes da Casa dei Casti Amanti, em Pompeia. "A posição horizontal dos homens ao comer era um símbolo de dominância sobre as mulheres. As romanas estabeleceram o direito de comer com os seus maridos em um período posterior da História da Roma Antiga, foi sua primeira conquista social e vitória contra a discriminação sexual", explicou Jori.

A comida, por isso, tinha que chegar à mesa já cortada pelos escravos, já que os homens comiam com as mãos. Restos e ossos eram jogados no chão; os patrícios gostavam de decorar seus salões com mosaicos que já retratavam pedaços de comida par disfarçar a sujeira no chão.

Superstições tinham lugar à mesa

Tudo o que caía no chão durante a refeição não podia ser pego durante o banquete. O motivo? O que estava ali pertencia ao outro mundo e eles temiam que os mortos voltassem para se vingar caso algo fosse retirado. Esbarrar e derramar o sal já era mau agouro naquela época, contou Franchetti. O pão só podia ser tocado por mãos e cascas de ovos e moluscos tinham que ser quebradas antes de se servir.

Um banquete romano em Pompeia, em retrato que hoje está no Museu Arqueológico Nacional de Nápoles Imagem: Print Collector/Print Collector/Getty Images

Se um galo cantasse fora de hora, servos eram enviados para matá-lo e servi-lo imediatamente. O banquete também era uma forma de manter a morte à distância e, para encerrá-lo, romanos encaravam uma maratona de bebedeira - com vinho diluído em água do mar ou outros ingredientes, para durar mais - em que discutiam a passagem e lembravam, uns aos outros, de viver plenamente e aproveitar a vida.

Por isso, utensílios da mesa, como saleiros e pimenteiros, tinham formato de crânios. Além disso, era comum "convidar" um ente querido falecido para a mesa e servir para ele um prato cheio. Eles eram representados à mesa por esculturas.