Coronavírus: Brasileiro dono de 3 restaurantes em Paris doa estoque
A semana começou em ritmo de pandemia de coronavírus na França, após um primeiro turno das eleições municipais no domingo (15) marcado pelo abstencionismo, uma vez que grande parte dos eleitores preferiu ficar em casa. Alguns restaurantes, como a franquia brasileira "Boteco", que possui três bistrôs em Paris, especializados em comida e drinks brasileiros, optaram por doar todo o estoque de alimentos perecíveis.
"Distribuímos 20 kg de peixe apenas no fim de semana", conta o carioca Ricardo Lopes, 36, proprietário da franquia na capital francesa. Rumores nas redes sociais francesas apostam que o esperado discurso do presidente francês, Emmanuel Macron, previsto para esta segunda-feira (16), deverá anunciar medidas mais drásticas como confinamento total da população e toque de recolher.
Segundo Ricardo Lopes, todos os três restaurantes de sua franquia "Boteco", respectivamente "Boteco Lapa", "Boteco Vila Madalena" e "Boteco Comptoir", estão fechados a partir desta segunda-feira (16). "Hoje de manhã pedimos aos funcionários apenas para organizar as doações, mas estamos fechados, na verdade, desde sábado (14)", conta Lopes. "Encaminhamos todos os perecíveis para doação, o peixe foi o pior... Na verdade, sábado é o dia em que encomendamos peixe, então foi preciso doar 20 quilos rapidamente. Parte do peixe teve que ser jogada fora, não houve tempo hábil para a distribuição", lamenta o empresário brasileiro.
"O anúncio [do fechamento de bares e restaurantes] foi feito muito em cima da hora pelo governo francês. A logística de doação dos alimentos ficou muito complicada, do sábado para domingo, porque a maior parte das associações, como o [tradicional banco alimentar] 'Resto do Coeur', estavam com as linhas saturadas, teve gente que nem me respondeu, infelizmente tinha menos pessoas para virem buscar as doações do que comida para doar", lembra Ricardo.
O empresário brasileiro utilizou dois canais principais via internet para agilizar a doação de seu estoque de perecíveis no fim de semana: o aplicativo "Entourage", que serve para socializar a população de sem-tetos, mendigos e outros vulneráveis com os moradores dos bairros parisienses e franceses, e a associação "Banquealimentaire.org", através do portal "Clickdon". "Não sobrou nada, o que os sem-teto não puderam buscar, enviamos para a outra associação. O que sobrou, distribuímos entre os funcionários", conta Lopes.
"Prejuízo não é doar, é ter que jogar fora"
Além dos 20 kg de peixe, Lopes conta que também foram doados cerca de 150 kg de frutas e legumes, "cerca de 500 ovos, 10kg de queijo e 60 litros de leite". "Prejuízo não é doar, é ter que jogar fora", calcula o dono da franquia de restaurantes brasileiros. "Não tem como entrar em pânico, minha preocupação é que meus funcionários não percam o emprego", diz Ricardo.
"Eles estão tecnicamente desempregados, nisso que chamamos aqui de 'chômage technique'. Sem essa medida, e a suspensão do teto mínimo ['plafond'] do salário mínimo [o SMIC, na França], seria impossível manter meus funcionários, eu teria que demitir uma boa parte deles", afirma Lopes, citando algumas das medidas que o governo francês estabeleceu para ajudar os empresários. "O desemprego técnico funciona assim: eu não pago o salário integral, mas uma parte dele, e depois o governo da França me reembolsa", explica Lopes.
"Fico feliz de não estar começando meu negócio hoje. Graças aos dois restaurantes Boteco que já são bem conhecidos do público parisiense, tenho capital de giro o suficiente para segurar a onda do terceiro, o "Boteco Comptoir", que foi inaugurado em 14 de fevereiro", conta o empresário brasileiro, que não perde a esperança: "acho que nós, brasileiros, conseguimos ter mais humor do que os franceses nesse momento, esse é um diferencial nosso", aposta Lopes.
Mas nem todos os restaurantes parisienses vêm se comportando da mesma forma. Stéphane B., 56, proprietário de um restaurante localizado no conhecido "Marché de Sécretan", no 19° distrito da capital francesa, conta que preferiu distribuir seu estoque "com os vizinhos do prédio". "A logística [de doações] seria muito complicada. Não quero criar mais um problema para meu restaurante", diz o francês, que serve uma média de 200 mesas por serviço em seu estabelecimento. Surpreendido com vários carrinhos de feira cheios de alimentos do estoque de seu restaurante, Stéphane conta que, "junto com os vizinhos", "elaboramos um plano para dividir os perecíveis".
Nesta segunda-feira (16), os franceses da capital acorreram aos mercados e supermercados, após um final de semana de sol, onde muitos se atreveram a sair em grupos em parques e locais públicos, apesar das recomendações das autoridades. Tendo em vista os crescentes rumores de um confinamento total, que poderá ser anunciado pelo presidente francês na noite de hoje, as filas estiveram grandes nos supermercados, com várias prateleiras de não-perecíveis vazias, como aquelas reservadas às massas e conservas. Nas filas e nos caixas, o figurino parisiense já incorporou com tranquilidade as máscaras e luvas plásticas, seja na equipe de funcionários ou no público, conforme constatou a reportagem nesta segunda-feira.
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