Reabertura de bares e restaurantes suscitam temor da quarta onda de covid-19 na França
Os franceses lotaram os espaços ao ar livre de restaurantes e bares no primeiro dia da reabertura parcial destes estabelecimentos. As regras sanitárias - como o uso de máscara e o distanciamento físico - foram pouco respeitadas, bem como o toque de recolher às 21h. Em muitas cidades, a polícia teve que intervir e confrontos foram registrados. Diante deste cenário, especialistas não escondem o temor da chegada da quarta onda da covid-19.
A festa começou cedo e terminou tarde e mal em algumas cidades francesas na quarta-feira (19). Muita gente ocupava desde a manhã as áreas exteriores de bares e restaurantes. O próprio presidente Emmanuel Macron e o primeiro-ministro Jean Castex tomaram um cafezinho na calçada de um restaurante para celebrar o que o chefe de Estado classificou como "um pequeno momento de liberdade restabelecido graças aos nossos esforços coletivos".
Horas depois, Macron revisou a mensagem. "Não é pra ser uma festança de um dia para o outro", declarou o presidente francês, no final da tarde de quarta-feira. Mas, neste momento, a população já lotava em massa calçadas e áreas ao ar livre de restaurantes e bares em todo o país.
De acordo com a segunda fase do plano de flexibilização das medidas contra a covid-19, esses estabelecimentos têm o direito de abrir, no máximo, 50% de seus espaços exteriores, com um limite de seis pessoas por mesa. O distanciamento físico entre os frequentadores, bem como o uso de máscara, deveria ser respeitado. Mas não foi o que ocorreu em algumas cidades francesas.
Em Paris, o clima em alguns bairros era de um Carnaval fora de época. Em Marselha, no sul, frequentadores continuavam nas mesas após às 21h30. Em Rennes, no noroeste, grupos se recusavam a deixar os bares e, por volta das 23h, um grupo protagonizou atos de vandalismo. Foram registrados confrontos com a polícia.
Na manhã desta quinta-feira (20), o primeiro-ministro francês, Jean Castex, fez um apelo em prol da responsabilidade dos cidadãos. "Era a reabertura, entendemos que haja uma euforia, mas eu peço a todos, e é de interesse comum, o respeito das regras", declarou.
Ao ser questionado se há a possibilidade de um novo fechamento dos bares e restaurantes, o premiê foi reticente. "Ninguém quer fechar os bares novamente, esse não é o objetivo. O objetivo é de vencer [a epidemia], e vamos conseguir, mas isso pede uma disciplina coletiva. Depende de nós", completou.
Reabertura divide comunidade médica
A comunidade científica e médica francesa manifestou sua decepção com o mau comportamento dos frequentadores de bares e restaurantes nesta quinta-feira. Muitos reforçam o pedido para que a população não deixe de continuar aplicando as medidas básicas de proteção.
"Estou feliz que reabrimos os espaços ao ar livre, mas em desacordo com o comportamento das pessoas que relaxaram as medidas. O desrespeito não vem da maioria, mas de uma boa parte. Isso pode ter consequências negativas, mesmo que se saiba que, nos espaços abertos, o risco de contaminação é bem menor do que nos lugares fechados", afirma à RFIo clínico-geral Jérôme Marty, presidente do sindicato União Francesa por uma Medicina Livre (UFML).
O presidente da comissão médica dos Hospitais de Paris, Rémi Salomon, expressou uma opinião similar. "Não sei bem o que sentir quando vejo pessoas felizes se reencontrando nas calçadas, mas grudados uns nos outros. Será que vamos vencer a epidemia desse jeito?", questionou. "Será que não seria melhor sermos mais prudentes e manter a distância para evitar uma marcha à ré que seria dramática?", reiterou o especialista.
Muitos epidemiologistas criticam o calendário de reabertura apresentado pelo governo, que julgam precoce, apesar da melhora da situação sanitária e do avanço da vacinação. O principal temor é da repetição do cenário do ano passado, durante o verão no Hemisfério Norte, quando as restrições sanitárias foram deixadas de lado e as contaminações voltaram a disparar no início do outono.
"A curto prazo, há razões para sermos otimistas. Mas em 30 de junho teremos uma grande flexibilização das medidas e ainda é cedo para prever o impacto delas", afirma Mircea Sofonea, professor de epidemiologia da Universidade de Montpellier, no sul da França.
Vírus continua circulando
A propagação do coronavírus teve uma forte diminuição nas últimas semanas, mas, com a média de 14 mil novos casos por dia, a epidemia está longe de ter sido controlada na França. O número de hospitalizações por covid-19 também baixou: atualmente há 21.347 pessoas internadas, das quais 3.862 nas UTIs (contra 31 mil hospitalizados e 6.000 em estado grave há um mês).
A vacinação também teve uma forte aceleração desde que o governo francês permitiu que pessoas não prioritárias pudessem ser imunizadas com as doses que estavam sobrando nos centros no final do dia. Até o momento, 21,56 milhões de pessoas receberam a primeira injeção (32,2% da população), dos quais 9,26 milhões estão completamente vacinados.
O cenário otimista levou o ministro da Saúde, Olivier Verán, a fazer declarações consideradas exageradas. Na segunda-feira (17), ele declarou que os franceses poderiam deixar de usar máscaras ao ar livre durante o verão, que inicia em 21 de junho no Hemisfério Norte. Na quarta-feira, Verán previu que em novembro e dezembro "quando tivermos vacinado suficientemente e se não virmos emergir uma nova onda epidêmica, poderemos considerar que a pandemia ficou para trás".
Para Jérôme Marty, é impossível prever a evolução do vírus. "Eu sempre digo que essa pandemia deve ser olhada através do retrovisor. Sabemos hoje que estamos numa situação melhor do que ontem. Mas precisamos continuar aplicando as medidas básicas, vacinando, arejando os locais fechados - que é, inclusive, uma nova arma contra o vírus. Mas dizer onde estaremos livres daqui a três, quatro meses, quando novas variantes podem surgir e quando falta vacinar 60% da população, é presunçoso. E se tem algo que essa doença nos mostrou que é melhor ser humilde do que arrogante", salienta.
Temendo um relaxamento precipitado de restrições essenciais de controle da pandemia, o presidente francês deixou claro que resta um longo caminho a ser percorrido. Em viagem à Loir-et-Cher, no centro do país, ao ser questionado por um homem até quando seria necessário usar máscara ao ar livre, Macron foi taxativo.
"Quando tivermos chegado a um certo nível de vacinação, poderemos falar sobre isso. Eu espero, como você, porque estou cansado de usar máscara. Vamos avançar etapa por etapa. Até ao menos o final de junho, será necessário usá-la", sublinhou o presidente.
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