Exposições de moda invadem agenda cultural parisiense e tentam virar a página da pandemia
A agenda cultural parisiense volta aos poucos ao seu ritmo normal após o impacto causado pela pandemia de Covid-19, que provocou o adiamento e até o cancelamento de vários eventos nos últimos 18 meses. As exposições ligadas à moda estão entre os destaques da programação nos próximos meses. Várias mostras dão destaque para o trabalho de estilistas que marcaram as décadas de 1980 e 90.
Fashion is back! Além da temporada de desfiles, que foi retomada a todo vapor com a apresentação das coleções para a primavera-verão 2022 no hemisfério norte e que termina nesta terça-feira (5), a moda invadiu novamente a agenda cultural de Paris.
O principal evento da temporada é "Thierry Mugler: couturissime", exposição que abriu suas portas em 30 de setembro no MAD, o Museu das Artes Decorativas da capital francesa. A mostra, que já passou com sucesso por Montreal, Roterdã e Munique, deveria ter desembarcado em Paris em outubro de 2020, mas os organizadores tiveram que esperar, por causa da crise sanitária, antes de poder apresentar a retrospectiva no país de Mugler.
O estilista francês foi um dos símbolos da década de 1980, com seus desfiles-espetáculos que reuniam milhares de pessoas. Mas a reputação de Mugler foi construída principalmente graças a uma silhueta que explorava a sensualidade da mulher, como decotes vertiginosos e uma imagem que oscilava entre futurismo e uma allure quase animal. Esse estilo, aliás, contribuiu para que o costureiro fosse elogiado por alguns, que viam nas suas roupas uma forma de empoderamento feminino, enquanto outros o criticavam por valorizar a caricatura de uma feminidade exacerbada.
"A mulher Mugler era tão extrema que não era uma 'mulher-objeto' e sim uma 'mulher-sujeito'", explica o curador da exposição Thierry-Maxime Loriot em entrevista à RFI Brasil. Esse termo foi usado pela primeira vez para descrever o trabalho Mugler pela historiadora e feminista Linda Nochlin, que fazia parte dos que defendiam a visão do estilista.
"Também é preciso entender que tudo isso corresponde a uma outra época, quando havia uma certa liberdade criativa, quando podíamos nos permitir realizar uma roupa apenas pela criação pura. Além disso, não havia os grandes grupos de moda por trás das marcas, nem essa vontade de vender perfumes ou acessórios, como acontece com as marcas hoje", avalia Loriot.
O curador omite, no entanto, que Mugler se tornou também um sucesso comercial graças a seus perfumes, que bateram todos os recordes. Durante anos, "Angel", uma de suas fragrâncias, chegou a ser a líder mundial, com um frasco vendido a cada dez segundos.
De Diana Ross à Lady Gaga
Nos corredores do MAD é possível ver a potência criativa e a audácia de Mugler, que seduziu estrelas do mundo todo. De Diana Ross a Lady Gaga, passando por Céline Dion, Madonna ou ainda David Bowie, todos foram "esculpidos" em algum momento de sua carreira pelo francês. Sem contar as principais modelos desde os anos 1980 até o início dos anos 2000, como atestam as imagens da top brasileira Gisele Bündchen.
A exposição que vai até 24 de abril de 2022 traz ainda a nova vida de Mugler, que virou a página da moda em 2002 e decidiu se dedicar à fotografia artística e ao mundo do espetáculo. O estilista, que passou a assinar com seu nome de batismo, Manfred, colaborou com Beyoncé na turnê mundial "I Am..." e também produziu seus próprios shows, como a "Mugler Follies", uma espécie de teatro de revista em Paris, ou ainda "The Wyld", superprodução futurista apresentada durante anos no Friedrichstadt-Palast, a gigantesca sala de shows de Berlim.
Gaultier e o cinema
Outro evento aguardado é Cinémode par Jean Paul Gaultier, exposição que abre suas portas em 6 de outubro na Cinemateca Francesa e traz a história do cinema vista pelos olhos de estilista. O costureiro, que assinou o figurino de filmes como "O Quinto Elemento", de Luc Besson (1997), ou "Kika", de Pedro Almodóvar (1997), tem uma longa relação com a 7ª Arte. "Sem o desfile de 'Falbalas', eu nunca teria seguido essa profissão", conta Gaultier, que ainda chora cada vez que revê o melodrama francês de Jacques Becker (1945).
Cinéfilo, ele homenageia até janeiro de 2022 os vestidos de Marilyn Monroe ou de Brigitte Bardot, os smokings de James Bond ou ainda o figurino do Superman. Mas Gaultier também aborda a questão dos estereótipos de gênero em Hollywood, assim como a noção de bom gosto, incluindo no programa imagens do "Rocky Horror Picture Show" (1975) ou ainda de Divine, personagem icônico de "Pink Flamingos" (1972), o filme cult de John Waters.
História da moda e centenário de "Vogue"
Mais tradicional, o Galliera, o museu da moda de Paris, inaugura não uma, mas duas exposições ao mesmo tempo. A primeira delas é Vogue Paris 1920-2020, mostra que celebra o centenário da famosa revista criada nos Estados Unidos em 1892, mas que teve sua versão francesa lançada em 1920.
O percurso apresentado até o final de janeiro de 2022 é composto por cerca de 400 objetos vindos principalmente dos arquivos da publicação, que disponibilizou filmes e documentos sonoros, além de centenas de imagens. O muro de capas que abre o percurso dá uma ideia do impacto da revista na história da moda.
Já no subsolo do palacete que acolhe o museu uma exposição permanente foi criada. O projeto é algo que os curadores nem sempre ousam quando o assunto é moda, já que o têxtil é um material frágil que não pode ficar exposto durante muito tempo e exige cuidados especiais em termos de iluminação e temperatura.
Mas a equipe do Galliera, que tem uma das reservas mais importantes das França, aceitou o desafio e decidiu manter uma exposição permanente, cujas peças serão apresentadas durante alguns meses antes de voltarem para o acervo e serem substituídas por outras. A vantagem é que, a partir de agora, os turistas de passagem pela cidade, mas também os estudantes das inúmeras escolas de design de Paris, poderão visitar uma exposição cronológica sobre a história da moda em qualquer momento do ano no Galliera.
Margiela, Alaïa e Saint Laurent
Além disso, duas outras exposições também dedicadas à moda chegam na sua reta final. A primeira é "En miroir", na Fundação Azzedine Alaïa, que apresenta até 14 de novembro um diálogo entre o costureiro tunisiano morto em 2017 e o fotógrafo alemão Peter Lindbergh, morto em 2019.
Já a antena parisiense da Fundação Yves Saint Laurent propõe até 5 de dezembro um percurso sobre a colaboração do mestre das tesouras com os fabricantes de tecidos de Lyon, cidade francesa famosa por sua tradição na indústria têxtil de luxo.
Mas para quem busca algo mais conceitual, a fundação Lafayette Anticipations expõe, a partir de 20 de outubro, o trabalho de Martin Margiela, um dos estilistas mais emblemáticos, mas também mais misteriosos dos anos 1980-90. No entanto, a mostra se interessa por um outro aspecto de belga, já que o evento apresentará esculturas, pinturas, colagens e filmes assinados por um Margiela que veste a camisa de artista plástico. Uma nova carreira totalmente coerente para um estilista "invisível" que soube cultivar a aura de artista ao evitar ser fotografado durante toda sua carreira e que marcou a história da moda com alguns dos desfiles mais alternativos da sua geração.
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