Expansão de 'dark stores' e 'dark kitchens' preocupa comércio tradicional de Paris
Em vez do mercadinho colorido e movimentado, um ponto de entrega sem o menor charme. No lugar do restaurante simpático da esquina, um local onde entrega-se comida, mas não há mesas para sentar. As chamadas "dark stores" e "dark kitchens", que não atendem diretamente os clientes e servem apenas de ponto de distribuição de produtos, alimentos ou refeições, se espalham por cidades europeias como Paris e causam preocupação quanto ao impacto no comércio local e tradicional.
A pandemia deu o impulso definitivo a este tipo de serviço, praticamente inexistente até 2020 na França. Em fevereiro, o Atelier Parisiense de Urbanismo (Apur) divulgou um relatório no qual apontou que 70 "dark stores" ou "dark kitchens" estavam instaladas na capital francesa, em meio a 7 mil comércios alimentares implantados na cidade.
"Está aumentando muito rapidamente, já que há um ano não havia 'dark stores'. Elas se posicionaram nos mesmos horários de funcionamento dos supermercados e mercadinhos de bairro, que são bastante tradicionais em Paris. Tem mais de mil, além de 700 mercados, que oferecem os mesmos produtos que as 'dark stores'", explica o diretor do estudo, François Mohrt.
"Americanização" dos hábitos
Em meio a tantas restrições ligadas à pandemia, a promessa de receber em casa e em menos de 15 minutos a sua pizza preferida ou as compras, feitas por um aplicativo, seduziu rapidamente os franceses. Para Nathalie Damery, cofundadora do think tank Observatório Sociedade e Consumo (Obsoco), este fenômeno demonstra a "americanização" do consumo de alimentos na Europa, graças às facilidades da tecnologia.
"A demanda explodiu fortemente. A Amazon já tinha nos acostumando a receber entregas de um dia para o outro", nota a especialista em comportamento do consumidor. "Entramos no que podemos chamar de uma 'economia da pressa' e os franceses viraram apressados. Eles querem cada vez menos ter que esperar nos supermercados, se deslocar, carregar peso."
Entretanto, os efeitos colaterais dessas facilidades começam a aparecer.
Do ponto de vista urbanístico, não é muito agradável ter esse tipo de depósito, com fachadas cegas, sem contato com o exterior, afinal não se pode nem entrar nessas lojas. Isso afeta a animação de uma rua e nós gostamos que elas sejam animadas. Os turistas, aliás, buscam por isso quando vêm a Paris. Muitos vêm para isso: para frequentar as feiras, fazer compras." frisa François Mohrt.
O levantamento da Apur mostrou que a metade desses estabelecimentos está instalada em locais movimentados de Paris — o risco para o comércio local existe, portanto. Eles ocupam lugares onde, outrora, funcionava uma agência bancária, um consultório médico, um café ou um comércio que fechou as portas.
"Nós entramos na digitalização dos serviços, e é claro que se os comércios locais não reagirem, há riscos de concorrência. Mas a covid mostrou que é preciso dar um passo à frente. Já temos muitos comerciantes, mesmo pequenos, oferecendo entrega, o que antes não existia", afirma Damery. "Acho que também haverá vantagens para eles do ponto de vista social: quando você compra de uma loja tradicional, é um empregado que vai lhe entregar as compras. Quando vem de uma 'dark store', você corre o risco de apoiar o emprego ilegal de pessoas em condições duvidosas, que recebem salários muito baixos e são exploradas."
Irregularidades
O próprio funcionamento dos serviços de entregas rápidas incomoda cada vez os moradores: começam cedo, terminam tarde, geram uma circulação incessante de entregadores de moto ou bicicleta. O barulho do vai e vem atrapalha, e não é raro eles perturbarem a porta de prédios habitacionais do entorno, enquanto aguardam até a encomenda ficar pronta.
Pior ainda: esses serviços dark têm conseguido se instalar no térreo de imóveis onde, em teoria, sequer têm autorização para operarem. A prefeitura de Paris registra diariamente reclamações de moradores.
"Em algumas ruas, um comércio não pode virar um depósito e um depósito também não pode se instalar no térreo de um prédio de habitações. Isso está previsto no Código de Urbanismo. A cidade de Paris se baseia nessas regras para poder proibir alguns e ordenar que os já instalados fechem, afinal eles não têm o direito de estarem em certos lugares", constata Mohrt.
Os serviços exclusivamente de entregas não preocupam só na capital francesa — Madri e Amsterdã também se mobilizam para limitar a expansão do setor. Nathalie Damery ressalta que a tendência é o aumento da regulamentação, a exemplo do que ocorreu com plataformas como Airbnb e Uber, nos países europeus.
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