Exposição em Paris revela a força da diáspora judaica portuguesa no Brasil
Em 1497, a comunidade judaica em Portugal foi batizada à força na fé católica. A perseguição deu início a um longo período de imigração forçada para estes "novos cristãos", que se intensificou com o estabelecimento da Inquisição portuguesa, em 1536. Mas essa diáspora marcou territórios e continentes por onde passou, interagindo como agente criador desse "Novo Mundo", como conta a exposição em Paris "Diáspora judaico-portuguesa: cristãos-novos, cripto-judeus, marranos e gente da Nação".
Do século 16 ao 18, a diáspora judaico-portuguesa esteve no centro das profundas transformações sócio-econômicas, religiosas e intelectuais do mundo europeu e participou do surgimento de uma "certa modernidade" no Ocidente.
Mas que ameaça os judeus representavam para o poder e a sociedade portuguesa no final do século XV, a ponto de serem perseguidos e fugirem numa diáspora global? "Na verdade, os judeus não representavam nenhuma ameaça para a Coroa portuguesa, muito pelo contrário", explica Livia Parnes, historiadora especializada na história judaica e curadora da exposição "Diáspora judaico-portuguesa: cristãos-novos, cripto-judeus, marranos e gente da Nação", em cartaz na subprefeitura do 3° distrito da capital francesa.
"A Coroa portuguesa, desde a fundação de sua monarquia, foi estabelecida a partir da integração de judeus em Portugal; podemos dizer que tudo que era administração da Coroa ou finanças recaía sobre os judeus, dos quais havia dinastias inteiras que coletavam impostos para o Rei", diz Parnes. Segundo ela, o problema "começa em Portugal, alguns anos após a expulsão dos judeus da Espanha".
"Depois de 1492, muitos judeus espanhóis se refugiam em Portugal, especialmente os mais ricos. Os que ficavam se tornavam escravos", relata a historiadora. "Mas o grande problema começa em 1496 quando o Rei português contrai um contrato de casamento com a filha dos reis católicos da Espanha. Uma das cláusulas dessa união era expulsar os judeus. Um decreto de "pureza do sangue" destinado a essa expulsão é então emitido em Portugal. Como cerca de 10% da população portuguesa era judia, e a economia portuguesa dependia de uma certa classe de judeus portugueses, o Rei decide suprimir a existência do judaísmo, sem expulsar os judeus", diz.
A solução foi então a conversão forçada de todos os judeus de Portugal. Eles se tornarão os novos cristãos e poderão ter acesso a diversas profissões que eram proibidas aos judeus. A raiva e o preconceito anteriores contra os judeus, foram então acrescidos de uma inveja, conta a historiadora. "Haverá um massacre de judeus em Lisboa em 1606", lembra Parnes.
"Ao mesmo tempo, o que é extraordinário em Portugal é que o Rei queria que esses novos cristãos fossem assimilados à sociedade portuguesa. Eles proíbem o judaísmo oficialmente, mas permitem que vivenciem sua fé tranquilamente e secretamente em suas vidas privadas, praticando uma forma de judaísmo", detalha a curadora da exposição, idealizada pela editora francesa Chandeigne, especializada em literatura de língua portuguesa na França.
"Em 1636, começa a Inquisição em Portugal, e, neste momento, todos os novos cristãos, mesmo aqueles que já haviam perdido contato com o judaísmo, serão suspeitos de 'judaizar', de serem 'cripto-judeus', ou seja, de praticar o judaísmo em segredo, e então começam os três séculos de Inquisição e perseguições ferozes em Portugal, que serão depois estendidas às colônias portuguesas", relata a historiadora.
Os "novos cristãos" no Brasil
"Desde que os portugueses chegam ao Brasil para colonizar este vasto território, os 'novos cristãos', que já tinham experiência com a cultura da cana de açúcar, farão parte dos primeiros colonos que importarão essa cultura da ilha da Madeira para o Nordeste brasileiro, criando os famosos "engenhos". Eles participarão de toda a produção e a comercialização da cana de açúcar, eles serão os grandes senhores dessa 'indústria', sendo, evidentemente e infelizmente, envolvidos no tráfico negreiro. Uma grande quantidade de escravos era necessária para fazer funcionar os engenhos de cana de açúcar", conta Livia Parnes.
O Brasil parecia, a princípio, o local ideal para se fugir da terrível Inquisição. "O que vai acontecer é que, no começo, no Brasil, eles estam longe da Inquisição, mas a Inquisição vai conseguir chegar até eles...", lembra a historiadora. "Haverá visitas da Igreja Católica no país que vai deixá-los inquietos e que vai levá-los a Lisboa para serem julgados. No século 17, em 1630, serão os holandeses com a Companhia das Índias Ocidentais que vão conquistar o Nordeste brasileiro, criando um momento de descanso e alívio para esses novos cristãos, que poderão retornar ao Judaismo. É dessa época que data a fundação da primeira sinagoga no continente americano, em Recife, na 'rua dos Judeus', que antes era a rua do Bom Jesus", relata.
No Brasil, a calmaria durou pouco, cerca de 25 anos. "Com o retorno dos portugueses ao Brasil, haverá um novo êxodo, um novo período de perseguições que vai durar até o século 18. Mas entre esses novos cristãos, que voltaram a ser judeus e que serão obrigados a partir do Brasil, alguns irão à chamada 'Nova Amsterdã', que se tornará posteriormente a cidade de Nova York. A primeira comunidade judaica do continente americano, é, portanto, uma comunidade de judeus vindos do Brasil", conclui a curadora.
A exposição "Diáspora judaico-portuguesa: cristãos-novos, cripto-judeus, marranos e gente da Nação (séculos XV-XXI)" fica em cartaz em Paris dentro da programação do Festival de Culturas Judaicas até o dia 4 de julho de 2022.
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