Topo

Com volta de turistas e Olimpíadas, ratos de Paris preocupam governo

Especialistas calculam que a população de ratos em Paris é de cerca de seis milhões - AFP - PHILIPPE LOPEZ
Especialistas calculam que a população de ratos em Paris é de cerca de seis milhões Imagem: AFP - PHILIPPE LOPEZ

16/07/2022 09h29

Não é novidade que a proliferação de ratos é um problema grave em Paris. Mas, com as sucessivas ondas de calor e todas as reformas que a cidade vêm realizando para receber os Jogos Olímpicos de 2024, além da volta em massa dos turistas, a prefeitura da capital francesa parece ter esgotado a estratégia contra os roedores, a ponto de uma vereadora ter sugerido a conhecer melhor esses animais para aprender a conviver com eles.

A proliferação de ratos não é um problema recente em Paris e se tornou um dos grande desafios das autoridades locais. O assunto voltou à tona após declarações polêmicas de uma vereadora da capital francesa, Douchka Markovic, que viraram motivo de chacota nas redes sociais.

Em uma reunião da câmara de vereadores de Paris no último 8 de julho, Markovic saiu em defesa dos ratos, sugerindo métodos não-letais e éticos contra os roedores. Para ela, é preciso conhecer melhor o modo de vida desses animais para aprender a conviver com eles, já que "eles estarão sempre presentes em Paris, pouco importa o que fizermos".

Integrante do Partido Animalista, legenda criada em 2016, a vereadora também sugere uma outra nomenclatura para os "ratos", que considera uma palavra pejorativa. Por isso, em sua alocução na Câmara Municipal de Paris, Markovic preferiu utilizar um sinônimo para se referir aos roedores, "surmulot" (sem tradução em português).

"Sim, a presença de ratos pode ser uma dificuldade quando eles estão em nossas casas e porões. Ninguém pode negar esse fato: há ratos em Paris, que eu prefiro chamar de 'surmulots', com uma conotação menos negativa", afirmou.

Proliferação de ratos aumenta

Embora não haja um balanço oficial sobre o aumento de ratos nos espaços públicos de Paris, as reclamações de moradores se multiplicam. Na imprensa francesa, notícias sobre a infestação de alojamentos sociais e invasão de roedores em locais turísticos são frequentes. Vídeos feitos por visitantes estrangeiros, muitos deles brasileiros, viralizam nas redes sociais.

Várias são as explicações para o fenômeno, a principal delas são as ondas de calor, cada vez mais precoces, mais longas e intensas na Europa. Apenas neste mês, a França registrou dois episódios de temperaturas extremas, o que, segundo especialistas, tem uma incidência importante na proliferação dos roedores.

Com invernos cada vez mais curtos e menos intensos, os ratos começam a se reproduzir mais cedo. A própria prefeita de Paris, Anne Hidalgo, que é frequentemente abordada sobre esse problema, comentou sobre o fenômeno, em uma entrevista à revista Le Point durante a última campanha para as eleições municipais, em 2020.

"Vários especialistas me disseram — e confesso que eu caí da cadeira quando soube disso — que, com as mudanças climáticas, os ratos tem uma ninhada a mais por ano. Uma ninhada de ratos são oito ratinhos", afirmou.

Hidalgo tem noção da dimensão do desafio que é o controle da multiplicação desses bichos: calcula-se que a população de roedores em Paris é de cerca de 6 milhões. Muitos especialistas destacam que há mais ratos do que pessoas na capital francesa, que abriga cerca de 2 milhões e 200 mil habitantes.

Volta dos turistas e obras para os Jogos Olímpicos

As autoridades locais também apontam que a volta em massa de turistas à Paris contribui para a proliferação de roedores. De fato, depois de dois anos de pandemia de Covid-19, a frequentação de viajantes estrangeiros neste verão chega quase ao mesmo nível de 2019, antes do início da crise sanitária.

A França é o primeiro destino turístico mundial e Paris ocupa as primeiras posições dos rankings das cidades mais visitadas do planeta. O setor comemora a retomada das atividades, mas a expectativa de acolhimento de 33 milhões de viajantes implica também uma produção maior de lixo, especialmente durante o verão, quando os visitantes aproveitam os dias ensolarados para fazer suas refeições e lanches ao ar livre. Os restos de comida nem sempre são recolhidos, atraindo os roedores, e criando um ambiente propício para eles permanecerem na superfície e não voltando para seus habitats comuns, em espaços subterrâneos.

Outra explicação, segundo especialistas, são as obras realizadas na capital francesa antes dos Jogos Olímpicos de 2024. No total, são cerca de 5.000 trabalhos de renovação e aumento de ciclovias e percursos de bondes elétricos, criação de espaços exclusivos para pedestres, vegetalização de locais emblemáticos de Paris, como a avenida Champs-Elysées e o Champs de Mars, parque que abriga a torre Eiffel.

Todas essas mudanças têm consequências para a biodiversidade local e com os roedores não é diferente. O habitat natural dos ratos das cidades é geralmente subterrâneo, mas, com as obras dos Jogos Olímpicos, eles acabam tendo um acesso mais fácil à superfície.

Orçamento da prefeitura de Paris contra os ratos

A capital francesa ocupa o quarto lugar de um ranking mundial das cidades com a maior população de roedores, ficando atrás apenas de Deshnoke, na India, Londres e Nova York. A cidade realiza uma média de 7.000 intervenções por ano para limitar a presença de roedores nos espaços públicos e tem um orçamento para o plano de luta contra os roedores de 1,5 milhão euros (R$ 8,1 milhões) por ano.

As autoridades locais afirmam que congregam soluções que respeitam o meio ambiente e a saúde da população: medidas químicas e mecânicas — ou seja, a utilização de veneno e ratoeiras em locais públicos.

As principais medidas são a adaptação das lixeiras em jardins e parques para que elas permaneçam fechadas e inacessíveis aos roedores, ações de limpeza e recolhimento do lixo mais frequentes em locais de alta frequentação, instalação de grelhas em esgotos e locais de escoamento de água para impedir que o ratos que vivem no subsolo tenham acesso à superfície e multas para quem joga lixo na rua.

Até o momento, a prefeitura não se pronunciou sobre a proposta da vereadora Douchka Markovic de coabitar com os ratos. A integrante do partido animalista também defende que medidas radicais de extermínio dos roedores seriam prejudiciais devido à importância da presença dos ratos nos esgotos e nas canalizações. A vereadora alega que os roedores se alimentam da sujeira nesses locais e contribuem para a limpeza da cidade.

Mas, se as propostas de Douchka Markovic são alvo de chacota nas redes sociais, alguns internautas saíram em defesa da vereadora, dizendo que ao menos, no lugar do imobilismo das autoridades sobre esse problema, a integrante do Partido Animalista pelo menos está tentando trazer soluções para a proliferação dos ratos.

Durante sua intervenção na Câmara Municipal de Paris, ela salientou que a presença dos ratos nas ruas ocorre principalmente durante a noite. Por isso, ela sugere que a limpeza das ruas seja feita no final da tarde e não no início da manhã, como ocorre hoje. Assim, haveria menos alimento disponível para os roedores nas ruas. Ela também propõe o bloqueio de buracos e orifícios por onde os ratos sobem dos espaços subterrâneos para a superfície.

Um projeto-piloto com a sugestões de Markovic será colocado em prática de forma experimental no 11° e 12° distrito da capital francesa, acompanhado por uma equipe de cientistas especialistas em roedores. No final deste experimento, um relatório será elaborado para avaliar se essa pode ser uma alternativa a mais contra os ratos em Paris.