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Escolha de Pharrell Williams pela Louis Vuitton ilustra transformação da indústria do luxo

Pharrell Williams - Getty Images
Pharrell Williams
Imagem: Getty Images

Silvano Mendes

da RFI, em Paris

16/02/2023 10h26

O anúncio da nomeação do norte-americano Pharrell Williams como novo diretor da linha masculina da marca francesa Louis Vuitton foi recebido com surpresa na noite desta terça-feira (14). A escolha do músico para o cargo é apenas mais um sinal da evolução de uma indústria do luxo em plena mutação.

Pharrell Williams sucede Virgil Abloh, que morreu precocemente em novembro de 2021, vítima de um câncer. Desde então, vários nomes vinham sendo cogitados para o cargo. Estilistas como Martine Rose, Grace Wales Booner e Samuel Ross foram alguns dos talentos mencionados nos últimos meses, assim como Jonathan Anderson, atualmente à frente da Loewe, marca espanhola que, como Vuitton, pertence ao grupo LVMH, líder mundial da indústria do luxo. Desde a morte repentina de Abloh, as coleções masculinas da marca eram assinadas coletivamente pelo estúdio de criação.

Aos 49 anos, Pharell Williams ficou mundialmente famoso pelos hits "Happy" e "Get Lucky", conquistou 13 Grammy Awards e teve duas nominações para o Oscar por sua contribuição em músicas de filme. No entanto, mesmo se o fato de ser mais conhecido como músico e produtor do que como estilista chamou a atenção, o americano já tinha várias experiências no mundo da moda.

Ele fundou em 2003, junto com o japonês Nigo — que atualmente assina as coleções da Kenzo, também da LVMH —, a marca de streetwear Billionaire Boys Club. Além disso, o cantor colaborou com várias grifes, de Moncler a Adidas, passando por Chanel, com a qual tinha uma relação de longa data, participando de desfiles e campanhas publicitárias. Prova dessa "parceria", Chanel foi uma das primeiras a parabenizar Williams por sua nomeação, lembrando que o cantor foi embaixador da grife por nove anos e "continua sendo um amigo da marca", para a qual ele assinou uma coleção em 2019.

Williams também ficou célebre por seus looks memoráveis. Seja em seus clipes, com um chapelão criado por Vivienne Westwood e que acabou ganhando seu nome, ou nos tapetes vermelhos dos eventos mais em voga, com um smoking com bermudas no Oscar de 2014, as roupas e acessórios usados pelo músico fizeram dele um personagem presente nas páginas das revistas de moda.

Pharrell Williams no Grammy 2023 - Lester Cohen/Getty Images for The Recording Academy - Lester Cohen/Getty Images for The Recording Academy
Pharrell Williams no Grammy 2023
Imagem: Lester Cohen/Getty Images for The Recording Academy

Em busca da clientela mais jovem

O cantor também tinha uma ligação forte com o próprio Abloh. Ambos se admiravam e compartilhavam uma paixão pelo mundo do skate, da arte e da música. Como Williams, o ex-diretor artístico da Vuitton era conhecido por sua pluridisciplinaridade — atuando inclusive como DJ quando tinha tempo — e sua capacidade de atrair os jovens para seus projetos profissionais.

Pharrell Williams no Oscar 2017 - Getty Images - Getty Images
Pharrell Williams no Oscar 2017: Os looks do rapper já se destacavam no tapete vermelho
Imagem: Getty Images

E é o talento de Williams para transitar entre disciplinas artísticas — sempre com um bom tino comercial — que parece ter atraído a direção do grupo LVMH. "Sua capacidade de romper as fronteiras entre os diferentes mundos que explora encaixa de forma natural com a dimensão cultural da Louis Vuitton, reforçando seus valores de inovação e espírito pioneiro e empreendedor", declarou a direção da marca em seu comunicado, ao anunciar a nomeação de Williams. Ou seja, ele foi escolhido como diretor artístico, e não como estilista, com a missão de reforçar as passarelas entre a marca e o público mais jovem, clientela prioritária de toda a indústria do luxo atualmente.

Líder das redes sociais

Mas os critérios que levaram o grupo a escolher Williams para assinar as coleções masculinas da Vuitton vão bem além de sua polivalência e seus looks. Um dos elementos de peso é que ele chega na Vuitton levando na mala mais de 14 milhões de seguidores no Instagram, um volume de consumidores potenciais — de roupas, bolsas e acessórios, mas também de imagens de marca — que impressiona até os mais conectados da indústria da moda. Basta comparar com os 9 milhões de seguidores de Olivier Rousteing, da Balmain, ou os pouco mais de 5 milhões, de Jacquemus, dois exemplos de estilistas "digital natives" (nativos digitais).

Além disso, Williams se beneficia de uma imagem de personalidade engajada. Ativo em ações contra a discriminação, como a ONG Yellow, que ele lançou para lutar pela igualdade de oportunidades aos jovens via educação, ou o projeto Black Ambition, que visa ajudar empresários sem recursos a lançar start-ups, o cantor-estilista responde a uma exigência de responsabilidade social cada vez mais esperada pelos novos consumidores.

Representatividade

Sem contar que o fato de ser negro mostra o esforço de representatividade de uma indústria que nem sempre prestou atenção a esta questão. Só para se ter uma ideia, quanto Abloh foi nomeado, em 2019, ele era um dos únicos diretores artísticos negros à frente de uma maison de luxo europeia. Antes dele, apenas Ozwald Boateng havia assinado as coleções de Givenchy no início dos anos 2000 e Olivier Rousteing dirigia e ainda pilota a Balmain.

Com mais de US$ 20 bilhões de vendas anuais registradas em 2020 — confirmando que essa indústria não para de crescer, independentemente da pandemia ou da inflação — Vuitton é a locomotiva do grupo LVMH e isso pesa na escolha de um novo diretor artístico, aumentando as expectativas sobre seu desempenho.

Kanye West e Pharrell Williams - Reprodução - Reprodução
Kanye West e Pharrell Williams
Imagem: Reprodução

Até porque, ele não é a primeira celebridade vinda de outras disciplinas artísticas a assumir a direção de uma grande marca de luxo, e essas migrações nem sempre tiveram êxito. Basta lembrar da passagem relâmpago de Lindsay Lohan pela Ungaro em 2009. Ou ainda das aventuras de Kanye West — outro amigo de Abloh —, que resultaram em um dos mais emblemáticos casos de "cancel culture" da história recente da moda, já que sua marca, Yeezy, está moribunda desde suas declarações desastrosas nos últimos meses, que fizeram que todos os seus parceiros do mundo da moda, de Balenciaga a Adidas, virassem a cara ou rompessem contratos. Até a marca de Rihanna, lançada com estardalhaço em 2009, não foi muito longe e a cantora teve que se contentar com sua bem-sucedida linha de maquiagem. Exemplos de que a arte das passarelas não é para qualquer um.

O primeiro desfile da Louis Vuitton assinado por Pharell Williams está previsto para junho, durante a Fashion Week parisiense de moda masculina.