A Baía Formosa de Italo

Como é conhecer os lugares favoritos do campeão de surfe na pacata vila de pescadores onde nasceu

Daniel Nunes Gonçalves Colaboração para Nossa, de Baía Formosa (RN) Marcelo Maragni/Red Bull Content Pool

Seis meses depois da conquista da medalha de ouro do surfista Italo Ferreira durante os Jogos Olímpicos de Tóquio, a pequena Baía Formosa continua a mesma.

Apesar de toda a divulgação que o filho da terra alçado a herói nacional faz espontaneamente, sua amada cidade natal segue charmosamente pacata. Barcos de pesca coloridos repousam pontilhando a Baía dos Golfinhos, adolescentes surfam no mar azul à beira das pedras do Porto e um vendedor ambulante anuncia mungunzá e tapioca enquanto move-se pelas ruas de paralelepípedo.

Mas alguns dos 9 mil moradores têm notado uma diferença em BF, como é chamado pelos nativos esse município localizado a cerca de 100 quilômetros tanto de Natal (RN) quanto de João Pessoa (PB): existem cada vez mais visitantes chegando para explorar o cenário praiano tropical dessa autêntica vila de pescadores onde Italo faz questão de morar e "voltar para recarregar energia".

São jovens, muitos surfistas, vários deles estrangeiros, querendo seguir os passos do campeão olímpico de 2021 e mundial de 2019.

Quem passa pelo portal de boas-vindas de Baía Formosa e dá aquela parada para observar a vista do mirante natural na entrada da cidade percebe, logo de cara, que Italo Ferreira está por todo lado. Seu nome está pintado em um muro ao lado do bar e restaurante Pôr do Sol, que não por acaso tem faixas em homenagem ao surfista. "A galera local sempre veio assistir às transmissões dos campeonatos do Italo, mas agora recebemos cada vez mais surfistas e turistas de fora", explica seu primo Wagner Nobre Jr, o Nino, um dos responsáveis pelo espaço.

Além da tela de 39 polegadas, as paredes acomodam também uma prancha doada pelo campeão, que volta e meia passa para tomar um açaí ou comer a famosa carne de sol com macaxeira do cardápio.

Junto com o pai, Wagner, e os irmãos Robson e Fagner, Nino costuma ficar sentado numa cadeira plástica do outro lado da rua vendo o vai e vem dos passantes. "O Italo já trouxe mais turistas pra Baía Formosa do que qualquer prefeito da cidade", comenta o Wagner pai, ex-marido da tia Dom, irmã de Katiana, mãe de Italo. Quando um cliente pergunta no bar "Onde está Italo?", a resposta é quase sempre "no mar ou em casa".

O próprio Italo costuma repetir:

O mar é o meu lugar. Quando não vou surfar, gosto de ficar em casa, com minha família, com meus amigos."

Italo nasceu em 1994 e começou a aprender a surfar aos 8 anos, na praia em frente ao Porto, primeiro trecho dos cerca de 26 quilômetros de litoral de Baía Formosa que terminam na divisa com a Paraíba.

Fica ali a colônia de pescadores onde trabalhava seu pai, Luiz Ferreira, pescador e revendedor de peixes. "Quando era pequeno, o Italo costumava surfar na tampa da caixa de isopor que eu usava para carregar os peixes", conta Seu Luiz no documentário "A curiosa história de Italo Ferreira", lançado em 2021 (veja um clipe com imagens abaixo).

Afastado dos mares para ajudar na administração da carreira do filho, Seu Luiz até hoje costuma ser visto cedo pela manhã selecionando os melhores peixes frescos entre siobas, pargos, albacoras e peroás trazidos pelos barcos que chegam ao Porto.

Coração de Baía Formosa, o porto mistura o mercado de peixe a céu aberto com o berço do surfe para a garotada local. Italo Ferreira cresceu nesse ambiente, no sobrado onde vivia a sua avó Mariquinha — morta em 2019 e homenageada pelo campeão quando ganhou seu título mundial no Havaí no mesmo ano.

A casa, que por um tempo funcionou como pousada, foi escolhida para ser transformada na futura sede do recém-criado Instituto Italo Ferreira. Enquanto não inaugura a sede física, o antigo lar de Italo já virou ponto turístico local.

A geografia de Baía Formosa, cercada por falésias e dunas que protegem as praias de certos ventos e proporcionam boas ondas para o surfe, ajuda a explicar o alto nível dos surfistas locais. Enquanto as ondas em frente ao porto dos pescadores, no trecho apelidado de Picão, são excelentes para iniciantes, as do vizinho Pontal, em frente à Praia da Cacimba, desafiam os experientes com seus perigosos fundos de pedra.

A atração mais radical do Pontal é o paredão, trecho de calçada onde as ondas batem nas marés de lua cheia e de onde Italo e seus conterrâneos costumam saltar para encarar ondas de até 6 pés.

Não por acaso antigas moradoras ali de frente se acostumaram a cuidar da molecada surfista que se machuca nas pedras. Dona Raimunda, de 82 anos, virou íntima de Italo ("Ela faz o melhor café da cidade", diz ele) e Dona Regina, 89, perdeu as contas de quantas vezes providenciou primeiros socorros aos meninos. "No final eu sempre servia uma comidinha pra eles", conta ela.

Parada frequente da galera para rebater a fome ao fim do surfe no Pontal é o Bar do Cocota, apelidado de Antônio do Nascimento, pai do surfista Allan Jones e avô de Matheus Jones, outros respeitados talentos locais. "O que mais faz sucesso é nosso caldinho de marisco", diz Cocota, também ex-surfista das ondas do Pontal — consideradas as favoritas de Italo e também de Fábio Gouveia, surfista paraibano que inspirou várias gerações.

Baía dos Golfinhos, Praias da Cacimba e do Bacupari. Do alto da mansão onde passou a viver depois de entrar para a elite do esporte mundial (e cujo muro grafitado da entrada também já virou ponto turístico), Italo Ferreira avista as praias urbanas mais acessíveis da BF.

Quando quer pegar onda em refúgios mais isolados, em mar aberto, o campeão ruma para o sul em busca do chamado Point Secret. "Esse é o ponto onde os nativos surfam: costumávamos levar mais de uma hora para chegar quando não tínhamos um veículo 4x4 para dirigir no areal", conta Fernando Mocotó, surfista que fotografa a carreira de Italo há 12 anos e autor de várias fotos dessa reportagem. Além de ondas perfeitas sobre fundo de areia, o Point Secret se destaca nas fotos pela presença do belo farol de Bacupari.

Mesmo não sendo mais o ponto secreto de outrora, este refúgio entre dunas virou destino não apenas de surfistas. Os turistas que descobrem Baía Formosa costumam fazer passeios de bugue para conhecer pontos turísticos clássicos da região, como a Lagoa de Araraquara. Ela também é chamada de Lagoa da Coca-Cola em função de suas águas escuras, e se destaca em meio a uma rara reserva de mata atlântica sobre dunas.

Passear por ali é um alívio em meio ao calor do Nordeste e um oásis de floresta em uma região dominada pela produção de cana-de-açúcar — aliás, uma das fontes de receita da cidade, assim como a pesca e o turismo.

Como virou uma espécie de embaixador informal de Baía Formosa, Italo Ferreira atua como guia para seus visitantes -- muitos deles hóspedes em sua casa.

A cidade é pequena, acabo mostrando o centro rapidamente e depois levo as pessoas pra conhecer as praias, pra surfar, pra dar umas voltas nas dunas -- e aí gosto de encher todo mundo de areia. Tem muito lugar lindo aqui, paraíso mesmo"

Depois do Point Secret, a praia do Sagi costuma ser o ponto final das aventuras de 4x4 de Italo. É também a última parada dos passeios turísticos de bugue, tenham eles começado no centro de Baía Formosa, na badalada vizinha Pipa (a 67 quilômetros de BF) ou em Natal. Com lindas praias e casas coloridas, Sagi demarca o extremo sul do litoral potiguar e a divisa com a Paraíba no ponto onde o Rio Guaju encontra o mar, num pitoresco cenário de areias brancas ladeadas por 80 torres de energia eólica.

Quando Italo e seus amigos chegam no Sagi, uma parada é obrigatória: o Uçá Bar e Restaurante, de Ricardo da Silva Cardoso, seu amigo desde os 10 anos de idade. "Lembro que o Italo era mirrado e mal conseguia furar as ondas de tão pequeno que era", lembra Ricardo. Ali, Italo não dispensa o caldinho de polvo e o suculento pastel de camarão feito pelo amigo.

É por ter um divulgador de renome internacional como Italo Ferreira que Baía Formosa voltou a ser incluída nos roteiros de turismo do litoral potiguar. Anos atrás, a cidade chegou a fazer parte de excursões do turismo de massa, mas acabou sendo substituída por outros destinos com mais estrutura e glamour.

Os holofotes recentes que Italo trouxe à cidade têm feito o lugar ser procurado justamente por sua simplicidade. O porto cheira a peixe, as ruas abrigam oficinas de confecção de pranchas.

Por isso, o roteiro informal para seguir os passos de Italo passam por locais despretensiosos como a Igreja Universal da qual sua mãe Katiana é devota (e onde ele vai rezar para agradecer a cada conquista de título) ou a Universidade do Guri, escola onde estudou.

"BF é uma vila de pescadores com um raio de 3 quilômetros cercada por um canavial, e não tem para onde crescer", resume o assessor pessoal e amigo Matheus Pimenta, um entre tantos amigos de Italo com quem o campeão costumava dividir um bauru de R$ 2,50 no Sanduíche do Baiano.

Apesar do astral de surf village durante o dia, a vida noturna praticamente inexiste. Isso porque Baía Formosa é terra de gente devota do mar, que acorda cedo. Como os pescadores. E como os surfistas.

Vai lá!

Fernando Mocotó

Como chegar

Cidade mais ao sul do Rio Grande do Norte, Baía Formosa está a meio caminho entre a capital Natal e, já no estado da Paraíba, a capital João Pessoa. De carro, leva-se 1h30 pela BR-101 a partir de qualquer um dos dois aeroportos. Para quem não quiser dirigir, a Luck Turismo (luckreceptivo.com.br) organiza traslados de carro ou passeios de bugue personalizados.

Daniel Nunes/UOL

Onde ficar

Até na hora de se hospedar as histórias de Italo Ferreira vêm à tona. Simples, mas bem localizada próximo ao mirante, a Pousada da Onça (@pousadadaonca) é de propriedade de Andrezza da Costa, prima do surfista. Na distante Praia do Sagi, tem a refinada pousada Sagi Iti (sagiiti.com.br). O dono, Jares Ponciano, compra do pai de Italo os peixes para o restaurante.

Daniel Nunes/UOL

De bugue pela praia

Passeio clássico potiguar, as viagens de bugue pela areia da praia costumam acontecer a partir de Natal ou de Pipa. Optamos por um roteiro por praias desertas a partir da praia de Sibaúma, ao sul de Pipa, organizado pela Kilombo Villas (www.kilombovillas.com). A rota inclui a travessia de balsa do rio Cunhaú e termina na bela Sagi, ao sul de Baía Formosa.

Alexandre Gondim/Divulgação

A novidade

O mar de BF tem agora um pouco mais de Italo. Dia 14 de dezembro foi inaugurada, na Praia do Pontal, uma estátua em reverência à medalha de ouro conquistada nas Olimpíadas de Tóquio. "Agora tem algo um pouco mais especial: na hora que eu passar na praia, vou ter que dar bom dia para a estátua. Eu vou me ver toda vez que eu entrar no mar", disse o surfista.

Fotos iradas de surf

Com fotos de viagens de Italo Ferreira em destinos como Havaí, Ilhas Maldivas e Fernando de Noronha, a exposição fotográfica Islands on the Focus, do fotógrafo Fernando Mocotó (@mocoto) que ilustra parte das fotos dessa reportagem, está em cartaz no Lar Mar (Rua João Moura, 613), em São Paulo, até 22 de fevereiro, e segue depois para Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Florianópolis e Recife.

Fernando Mocotó/UOL

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