A saga de Pandora

De pistas falsas a sequestro-relâmpago: nada impediu o tutor de reencontrar sua companheira

Juliana Finardi (texto) e Fernando Moraes (fotos) Colaboração para Nossa Fernando Moraes/UOL

Chuva, depressão, pistas falsas e até uma espécie de sequestro-relâmpago foram alguns dos perrengues dignos de uma verdadeira Caixa de Pandora que o garçom Reinaldo Júnior, 39 anos, viveu durante os 45 dias em que sua cachorrinha com nome do mito grego ficou perdida entre o aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, e sabe-se lá onde mais.

Na lenda, Pandora mantém a esperança presa na caixa presente de Zeus, após libertar as tragédias humanas. E foi justamente este sentimento que nunca deixou de acompanhar o tutor Reinaldo, ou "pai da Pandora", como ele prefere ser chamado.

No dia 15 de dezembro, ele saiu do Recife, sua terra natal, e ficaria um mês em Navegantes, Santa Catarina, antes de partir para a Suíça, onde tinha uma proposta para trabalhar como chapeiro. Pandora foi transportada no bagageiro do avião e perdida no voo de conexão em Guarulhos.

Se, antes da viagem ao país europeu, deixar a filha no Brasil estava fora de cogitação, ao perdê-la por um mês e meio, Reinaldo também não pensava na possibilidade de nunca mais ter a companheira de volta.

Fernando Moraes/UOL Reinaldo reencontrou sua cadela Pandora após 45 dias de buscas

Reinaldo reencontrou sua cadela Pandora após 45 dias de buscas

Fernando Moraes/UOL

Pistas falsas e sequestro

Era enquanto o cansaço chegava e a tristeza aumentava que apareciam novas informações sobre o paradeiro da caramelinha sem raça definida. Foi atrás de uma dessas supostas pistas que Reinaldo chegou a ir até o Rio de Janeiro guiado pela dica de um caminhoneiro que afirmou ter visto Pandora na estrada. Mais uma decepção pelo caminho.

Em outro péssimo momento, a grande repercussão do caso provocou uma espécie de sequestro em uma comunidade de Guarulhos, onde Reinaldo panfletava enquanto procurava pela doguinha.

Os criminosos sabiam quem era Reinaldo e acreditavam que ele tinha condições de pagar o próprio resgate, já que estava de malas prontas para a Europa.

Sem dinheiro e contando com a ajuda de moradores da comunidade, não só foi libertado como ganhou a confiança dos sequestradores, além de passe livre para circular e continuar as buscas.

"Alguém falou lá para eles que se me deixassem preso, logo viria a polícia porque eu estava na televisão todos os dias e não poderia sumir assim de uma hora para outra", conta.

Sem vontade de comer e já começando a perder os primeiros dos 16 quilos totais de peso que emagreceu durante os dias de buscas, Reinaldo renovou as esperanças quando conseguiu identificar Pandora em um vídeo através do qual conseguia ver que ela transitava por alguns locais do aeroporto, no dia 3 de janeiro.

Nunca pensei em desistir. Tinha dias que dava depressão em mim, mas foi depois daquelas imagens que eu consegui tomar uma sopa, um suco, e ter mais forças para fazer as buscas"

Reinaldo Júnior, tutor de Pandora

Fernando Moraes/UOL Para encontrar Pandora, Reinaldo recorreu às redes sociais, amigos e à fé

Para encontrar Pandora, Reinaldo recorreu às redes sociais, amigos e à fé

Fernando Moraes/UOL

Rede de ajuda até dos céus

Reinaldo contou com a ajuda da mãe Terezinha Branco que, aos 64 anos, não mediu esforços para viajar a São Paulo após perceber o desespero do filho naquele que seria apenas o intervalo de uma conexão entre voos.

E assim passaram-se os dias, muita chuva que impedia buscas a pé e um sem número de desconhecidos começaram a entrar na empreitada em solidariedade ao moço que procurava por sua cachorra incessantemente.

Ele fazia questão de não aceitar dinheiro de quem oferecia ajuda em espécie. Aos que insistiam, recomendava que a pessoa investisse em mais panfletos que contribuiriam com as buscas.

A causa comoveu tanta gente que seu perfil @reinaldojuniorpandora (nome, aliás, usado antes do desaparecimento da pet) no Instagram passou de 368 para 91,3 mil seguidores nos dias de busca. Muitos com quem conversou frequentemente, e alguns que recorreram à fé.

Eu já tinha pedido para um amigo de Portugal rezar em Fátima para nos ajudar aqui com as buscas pela Pandora. Mas foi quando uma pessoa que eu nem conheço disse que rezou por nós na capela de São Franciso de Assis, na Itália, que finalmente encontramos minha filha"

Reinaldo Júnior, pai de Pandora

Reprodução/Instagram
Reinaldo e Pandora em foto de março de 2019

Fim de busca cercado de dúvidas

Ao citar o santo católico protetor dos animais, Reinaldo refere-se ao domingo, dia 30 de janeiro, quando Pandora foi finalmente encontrada em uma área do aeroporto de Guarulhos, do lado de fora do Terminal 3, pelo eletricista Victor Leonardo Marques, que acionou a mãe do garçom para ir ao local reconhecer o animal.

O mistério que só a própria cachorrinha poderia decifrar sobre os dias de sumiço deixa dúvidas até em quem entende muito do assunto.

Especialista em cães de biotedetecção, Jorge Pereira, que coordenou um dos grupos responsáveis pelas buscas com cães farejadores, diz que desde o início só havia o cheiro de Pandora até um determinado ponto.

"Tem bastante coisa que ainda não se encaixa nessa situação. A área ali onde ela foi encontrada foi vistoriada por nós várias vezes e ela não estava lá. Além disso, após os dias de chuva consecutivos, ela deveria ter sido encontrada molhada e muito suja, mas o importante foi que ela apareceu", comenta Pereira.

Fernando Moraes/UOL Reinaldo e Pandora não se desgrudam desde 2017

Reinaldo e Pandora não se desgrudam desde 2017

Fernando Moraes/UOL

Passado, presente e futuro de esperanças

Aos cinco anos, Pandora sabe muito bem o que é ter esperança. Desde filhote que ela segue os passos do tutor. Integrante de uma ninhada que vivia do lado de fora do restaurante onde o pai trabalhava, no Recife, a bichinha vivia esperando a comida que ele levava para a família de doguinhos durante seus intervalos.

"Quando ela ouvia a minha voz, já vinha e ficava no meu pé. E eu conversava sempre com ela. Dizia que quando saísse meu apartamento, levaria ela comigo".

Dito e feito. Desde então, e até o incidente no aeroporto, os dois nunca tinham se separado.

Bem mais magrinha (ela perdeu quase 8 quilos), com sinais de desnutrição e desidratação, após ter sido encontrada, Pandora seguiu para o Hospital Veterinário Dr. Hato, em Santo André, no ABC Paulista.

Escolhido por Reinaldo e pelo grupo de advogados, o hospital mantém a cachorrinha internada em um quarto, onde o garçom pode passar o tempo todo, inclusive dormir, com a filha canina.

De acordo com ele e com a GOL, a companhia área chegou a oferecer assistência veterinária e que "fica à inteira disposição para levá-los de volta para casa, assim que estiverem prontos para viajar em segurança". A oferta de ajuda foi recusada por Reinaldo, que afirma não confiar na empresa.

Fernando Moraes/UOL Pandora foi diagnosticada com doença do carrapato

Pandora foi diagnosticada com doença do carrapato

Em recuperação

Ainda sem previsão de alta, Pandora recebe o tratamento intravenoso e é liberada para alguns passeios pela área do hospital.

Durante os momentos de descontração com a cachorrinha, pai e filha chegam a receber a solidariedade de frequentadores do local e até de pessoas que vão ao hospital exclusivamente para ver a cachorrinha famosa, apesar do pedido do hospital e dos advogados de Reinaldo para que os "fãs" informem-se pelos boletins médicos enquanto a Pandora estiver internada.

A última atualização do quadro de saúde da pet, na noite de quarta (2), revelou o diagnóstico de doença do carrapato, uma infecção grave causada por parasitas que atacam o sangue do cachorro. Com isso, Pandora segue em observação clínica, acompanhamento intensivo e precisa de tratamento contínuo.

Apesar de não querer viajar tão cedo com Pandora, Reinaldo afirma não ter ainda planos para o futuro. O emprego na Suíça não existe mais, mas o garçom já recebeu propostas de trabalho em terras brasileiras.

"Só vou pensar nisso quando a minha filha estiver bem. Primeiro, a saúde dela".

Fernando Moraes/UOL
Fernando Moraes/UOL Caso Pandora pode representar marco na legislação de transporte de animais

Caso Pandora pode representar marco na legislação de transporte de animais

O legado de Pandora

É a Pandora que o grupo de advogados atribui uma possível aceleração nos processos que visam a regulamentação do transporte aéreo de animais em cabines (junto com os passageiros) nas companhias brasileiras.

Na opinião de Leandro Furno Petraglia, um dos autores de uma ação civil pública contra a Anac (Agência Nacional de Aviação) que tramita na Justiça Federal do Paraná e um dos advogados que atuam no caso, a comoção nacional com o episódio pode refletir nas decisões judiciais sobre o assunto.

Como não existe regulamentação a respeito, cada companhia aérea dita as próprias regras a respeito de como os animais devem ser transportados

Evelyne Paludo, advogada que também atua no caso Pandora, afirma que o ocorrido só reforça a necessidade de urgência na regulamentação do transporte. "O tribunal do Paraná pontuou que todas essas tragédias só acontecem porque a Anac é omissa".

Na opinião de Evelyne, o fato de a sociedade tratar os animais como uma "coisa de alguém" foi o que fez o transporte tratá-los da mesma forma. "Eles não são cargas porque não são coisas", diz a advogada, que reforça o que ela chama de "conceito da família multiespécies", em que os animais são membros, devem ser respeitados como consumidores e, portanto, viajar na cabine.

Por meio de nota, a Anac afirma que não é responsável por regular o transporte de animais, exceto o de cães-guia — que podem ir na cabine junto ao passageiro humano — e que a decisão de ofertar tal serviço é de cada companhia aérea.

Na última sexta (4) foi protocolada ação indenizatória de R$ 336 mil por parte de Reinaldo contra as empresas GRU Airport e GOL Linhas Aéreas por danos morais e materiais. Procurada pela reportagem, a GRU respondeu que se pronunciará nos autos. Já a GOL não quis se manifestar.

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