Aos pés do gigante de fogo

Na Itália, a cidade de Catânia tem relação de amor e respeito com o Etna, um dos vulcões mais ativos do mundo

Marcel Vincenti Colaboração para Nossa Alberto Masnovo/Getty Images/iStockphoto

Em fevereiro deste ano, quando o vulcão Etna entrou em erupção a poucos quilômetros de sua casa na cidade siciliana de Catânia, o italiano Dario Musumeci não fugiu em pânico. Pelo contrário.

Rapidamente, ele foi para sua varanda e, feliz, começou a filmar a enorme língua de lava incandescente saindo da cratera — uma imagem que chamou de "espetáculo".

O episódio explica bem a relação que os moradores de Catânia têm com o Etna, um dos vulcões mais ativos do mundo e que fica ao lado da cidade, em uma região metropolitana onde vivem mais de um milhão de pessoas.

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Roberto Viglianisi/ENIT

Quase nunca considerado uma fonte de medo, este monumento natural que cospe fogo, fumaça e lava é parte extremamente querida deste centro urbano siciliano, aparecendo pelas manhãs através das janelas das casas locais e ajudando a compor uma paisagem singular.

Catânia é banhada pelo mar Mediterrâneo, está cercada por praias paradisíacas e, em seu território, abriga um conjunto arquitetônico riquíssimo, que inclui, entre outras obras, edificações de estilo barroco, ruínas romanas e a encantadora Cattedrale di Sant'Agata.

Roberto Viglianisi/ENIT Roberto Viglianisi/ENIT

Em épocas sem restrições causadas pela pandemia, suas acolhedoras ruas e praças são palco para uma vida animada, com coloridas feiras livres, uma jovem população universitária e cafés, bares e restaurantes onde a amistosa população nativa se delicia com receitas típicas como os arancini (bolinhos fritos de arroz com recheio de queijo, carne e tomate) e a granita (parecida com a raspadinha brasileira e que é deliciosa no sabor limão).

E toda esta paisagem, logicamente, é coroada pelos mais de 3.300 metros de altura do Etna.

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Arquivo pessoal

Para estrangeiros, pode ser assustador o fato de morarmos perto de um vulcão tão ativo, que entra em erupção frequentemente. Mas nós, que nascemos aqui, encaramos isso com naturalidade. A gente, inclusive, chama o Etna de 'mãe', o que mostra a forte relação que temos com esta obra da natureza. Convivemos com a imagem dele desde os primeiros dias de nossas vidas. E, como todas as mães, o vulcão fica um pouco bravo às vezes. Sabemos que devemos respeitá-lo"

Dario Musumeci
Morador de Catânia e fundador do Pesquisa Italiana

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Reprodução

Nossa relação com o vulcão é ancestral e nossa identidade é moldada por ele. Somos conhecidos como um povo dinâmico e expansivo, exatamente como o Etna. E esta montanha, como a chamamos aqui na Sicília, nos presenteia com paisagens lindas. Aqui é um dos poucos lugares do mundo em que, com uma hora de estrada, você pode sair das pistas de esqui que existem no Etna e descer até a praia. E, lá em cima, é também possível fazer caminhadas em cenários únicos"

Salvo Pogliese
Prefeito de Catânia

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Visitas ao vulcão

O Etna não é apenas observado de longe por quem está em Catânia.

Como ressalta o prefeito Salvo Pogliese, as pessoas se divertem interagindo com este monumento natural.

Quando a situação em relação às erupções é considerada segura (algo frequente), moradores locais e turistas sobem o Etna para esquiar (nas épocas mais frias do ano), passear em um bondinho que opera em suas encostas e fazer caminhadas em sinuosas trilhas que chegam a partes altas do vulcão, a cerca de 3 mil metros de altitude.

Uma das pessoas que gostam de realizar este tipo de atividade é Elena Albano, nascida em Catânia, hoje com 28 anos e que, nos momentos de folga, tem no Etna uma espécie de playground.

Arquivo pessoal

Da minha casa, consigo chegar em 20 minutos ao Etna. Já fiz longas caminhadas pela montanha, certa vez indo até 3.300 metros de altitude. E cada estação oferece uma possibilidade de passeio diferente na área. No outono, por exemplo, começa a aparecer neve sobre o Etna. E os bosques no entorno ficam avermelhados, como nesta fotografia, feita no entorno no Etna. É um cenário único, que sempre tento visitar"

Elena Albano

Não é preciso subir o vulcão para ter um contato direto com o Etna. Lá embaixo, no centro histórico de Catânia e em seus arredores, é possível ver de perto um pouco deste monumento da natureza.

Nas épocas mais quentes do ano, por exemplo, banhistas tomam sol na exótica praia de Aci Castello, que, no lugar de areia, tem seu solo formado por rochas vulcânicas, de onde o público mergulha em um mar verde-esmeralda.

Já um dos principais símbolos da cidade é uma escultura de um pequeno elefante feita com material vulcânico e que fica sobre uma fonte de mármore na Piazza del Duomo, a principal praça deste centro urbano da Sicília.

Diz uma das lendas contadas na região que a escultura tem poderes para proteger Catânia das erupções do vulcão.

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Uma mãe temperamental

O Etna, entretanto, já "atacou" Catânia. Em 1669, uma erupção que durou mais de quatro meses atingiu a cidade e matou milhares de pessoas na região.

Já em 1992, outra erupção chegou a ameaçar a comuna de Zafferana Etnea, na região metropolitana de Catânia. E, de tempos em tempos, a atividade do vulcão gera terremotos nesta parte da Sicília.

Ocorrências graves envolvendo o Etna, entretanto, são raras.

Arquivo pessoal

O vulcanologista Claudio Finocchiaro, que nasceu e vive em Catânia, informa que a lava expelida em suas constantes erupções costuma ficar concentrada em vales que existem ao redor do vulcão.

É baixo o risco de acontecer uma erupção como a de 1669, com potencial para atingir e destruir parte de Catânia. Além disso, o Etna é um dos vulcões mais monitorados do mundo, 24 horas por dia, 365 dias por ano"

Mesmo potencialmente furiosa, a "mãe" dos cataneses não assusta os nativos.

"Ao circular pela cidade, quase sempre me vejo de frente para o Etna. Seja fazendo compras, passeando pelo centro ou andando na cidade a trabalho", diz Elena Albano. "Isso, na verdade, me dá uma sensação de segurança, pois faz com que eu me sinta em casa".

Um passeio por Catânia

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