Luzes das arábias

Gigantesco e incrível, o Noor Riyadh ilumina a Arábia Saudita com maior festival de luzes e artes do mundo

Bruna Monteiro de Barros De Nossa, em Riad, Arábia Saudita Ashraf Jamali

Outono na Arábia Saudita. Fim de tarde em Riad. Cai o dia que chegou a 34°C, e o vento fresco convida milhares de pessoas para um chá ao ar livre no gramado do Salam Park.

Sobre pesados e decorados tapetes estendidos em volta do lago, mães espalham garrafas térmicas e quitutes e, relaxadas, liberam suas crianças para gastarem energia. Um 'chai' comum numa quinta-feira comum, se não fosse por um tempero especial: luzes.

Um balé iluminado sobre a água, árvores coloridas, infláveis gigantes, lanternas suspensas, nuvens de laser e uma ponte interativa transformaram o popular parque em um dos principais pontos do Festival de Luzes de Riad, que levou 190 obras a mais de 40 espaços da capital saudita.

O gigantesco Noor Riyadh Festival, autointitulado "maior festival de luzes e artes do mundo", usou a iluminação para atrair em outubro a atenção da imprensa e do universo das artes para o país, que aposta no projeto Visão 2030 para reduzir a dependência do petróleo diversificando a economia, incluindo aí investimento em cultura e a promoção de uma imagem mais leve.

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FOCO NAS MULHERES

Faz só três anos que essa monarquia teocrática abriu o turismo para além dos negócios e das viagens religiosas (o país é a terra de Meca) e que liberou as mulheres turistas da obrigação de vestir o véu e a túnica tradicionais da religião muçulmana.

Também faz super pouco tempo que decidiu afrouxar as restrições da leitura radical da lei islâmica às mulheres sauditas, permitindo, por exemplo, que elas dirijam ou viajem sem autorização de um homem. Ou ainda que percebeu que estimular a presença da mulher no mercado de trabalho agrega bilhões de dólares à economia do país.

É por isso que chama a atenção que mulheres sejam quase metade dos artistas sauditas do festival.

O país está sempre em mudança, tem tantas coisas acontecendo em volta da gente, há muito o que expressar"

Quem me diz isso é Ahaad Alamoudi. Nascida em Jidá (segunda maior cidade saudita) e criada entre o reino e a Inglaterra, ela apresentou no festival a peça 'Fantasmas de Hoje e Amanhã' (na imagem acima).

Torres de pombo são o elemento tradicional da obra. Com intervenção de iluminação e música pop árabe, os personagens "luz" e "escuridão" cantam, expondo suas tensões e pressões. "No fim da conversa, eles entendem que um não pode viver sem o outro", explica a artista de 31 anos

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BABEL ARTÍSTICA

A obra de Ahaad no Wadi Hanifa Park — um extenso vale que circunda a parte antiga de Riad, com belas paisagens e uma represa — era a que mais chamava a atenção do público naquela agradável noite de sexta lotada de gente fazendo churrasco no chão.

Mulheres vestidas com túnica e véu pretos, a roupa modesta da cultura islâmica, apreciavam e registravam nos seus celulares a cantoria entre a luz e a escuridão.

O contraste também era tema da impressionante projeção de Sarah Brahim na parte debaixo de uma ponte na área úmida do Wadi Hanifa (fotos acima e abaixo).

Obra De Anima, de Sarah Brahim, no Noor Riyadh - Mia Krystyna - Mia Krystyna
Obra De Anima, de Sarah Brahim, no Noor Riyadh
Imagem: Mia Krystyna

Mundo externo e interno, realidade e imaginação, coletivo e individual são algumas das reflexões que a artista de Riad nascida em 1993 propõe apresentando seu 'ser de luz' e os limites do corpo.

"Eu estou achando especial esse festival", diz Raed, um engenheiro de telecomunicação saudita.

Quando vi alguns trabalhos, artistas sauditas mostrando tradições do país em diferentes leituras, em suas próprias leituras, vi que era diferente, não o usual, 'o rei apresenta'"

ARTISTAS INTERNACIONAIS

"Não sou muito ligada ao mundo das artes, mas esse evento me permite observar e avaliar o que é bom ou não e quanto esforço cada peça exigiu do artista", avalia a farmacêutica Nouf, em frente a uma escultura vermelha e enorme da artista peruana-americana Grimanesa Amoro, no Bairro Diplomático (foto acima).

Ela elege preferida uma obra 'que conta a história, de um artista francês', mas também se emocionou com um artista palestino.

Instalação Aparatus 1010, do brasileiro Vigas - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

O Noor levou para Riad artistas de 40 países, o Brasil inclusive. O artista multimídia VJ Vigas montou o Apparatus 1010 (foto acima) em um túnel hexagonal, a tecnologia capturava e multiplicava a imagem do espectador inúmeras vezes, convidando-o a questionar sobre os limites do nosso universo.

Sauditas com suas túnicas e véus formavam fila para entrar no túnel do Distrito Financeiro para se divertir e fotografar suas versões do multiverso.

Ashraf Jamali Ashraf Jamali

LUZES NO DESERTO

Vizinha do brasileiro, estava a obra do Joël Andrianomearisoa, de Madagascar, um letreiro luminoso que dizia em inglês "Num horizonte sem fim, uma nostalgia futura para manter vivo o presente".

Ele contou que uma das condições propostas pela curadoria do festival era que a obra fosse produzida em Riad.

E assim foi feito, um poema, com três canais, luz, metal e audiência a pensar, tudo feito aqui"

Instalação de Joel Andrianomearisoa, no Noor Riyadh Festival - Ammar Abd Rabbo - Ammar Abd Rabbo
Imagem: Ammar Abd Rabbo

Entre as obras, houve aquelas que duraram uma noite, umas horas, um instante. O artista alemão Christopher Bauder levou para o deserto uma pirâmide monumental com show de luzes criado especialmente para ambientes empoeirados, que virou uma grande balada.

Christopher Bauder, Axion, 2022, Noor Riyadh 2022, a Riyadh Art program. - Ashraf Jamali - Ashraf Jamali
Imagem: Ashraf Jamali

E Marc Brickman, apenas o designer responsável pelos visuais do Pink Floyd, criou coreografias com um enxame de 2 mil drones.

"Acho que o governo exagera, eles podiam começar engatinhando, depois andando e, por fim, correndo, mas eles acham que não têm tempo e precisam começar correndo. A gente podia ter cinco eventos desse no ano, não precisava ser o maior", avalia um jovem saudita que trabalha com o mercado financeiro e já morou em Nova York e circulava no fumódromo de um show no JAX.

POLO CRIATIVO

O JAX é uma antiga área industrial de Riad que virou um polo criativo, com estúdios e galerias . Ali está montado o hub do Noor mais voltado para o mercado das artes. No complexo, há estúdios onde artistas produzem e trocam experiências.

No local, há muita obra que estimula a interação, como uma imersão em imagens do telescópio Hubble ou um movimento influenciando a composição de partículas. E o contraste volta a aparecer na peça da dupla TOFI (Teorias da Imaginação), formada pelos jovens Noor Alwan e Abdulla Buhijji, ela do Bahrein e ele de Dubai.

Quando Abdulla conheceu a obra de Noor, ele deu um jeito de contatá-la para contar que fazia algo parecido e jurar que não era plágio. A partir daí, começaram a trabalhar juntos.

Theories of Imagination (TOFI), Extrospection, 2022, Image courtesy the artist, Photo  Noor Riyadh 2022, a Riyadh Art program - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

Para o festival, desenvolveram Extrospecção (esta acima), peças coloridas feitas com espelhos que se movem conforme a interação social entre as pessoas, explorando a dualidade entre a experiência individual e comunitária.

Quando Noor me contou essa história, na mesa de um jantar, ao nosso lado estava uma jovem tímida e quieta, que mal falou a noite inteira. Na abertura da mostra, a saudita Maryam Tarik, nascida em 1996, posava orgulhosa ao lado da sua criação, 'Hivemind': uma colmeia iluminada, geométrica, interativa, disseminando a ideia de que abelhas são testemunhas de que sociedades podem crescer quando seres com ideias semelhantes se unem.

Um passeio por Noor Riyadh

Monumentos, deserto, avenidas, pontos turísticos: o evento toma todos os espaços da cidade. Clique na galeria e confira mais imagens

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