Muito além do peixe cru

Do clássico ao contemporâneo, variedade é a principal característica da culinária japonesa

Roberto Maxwell Colaboração para Nossa, de Tóquio (Japão)

Basta um Google com as palavras "culinária japonesa" para encontrar uma série de fotografias de finas fatias de peixes delicadamente dispostas em barcas de madeira ou louças requintadas. Até hoje, uma grande preocupação que passa pela cabeça dos brasileiros que pensam em viajar para o Japão é a comida. Isso porque, aí no Brasil, ainda se vende a culinária japonesa como sinônimo de sushi.

Entretanto, quem chega por aqui e tem a oportunidade de se aventurar no "kaiseki" (uma espécie de banquete, com origem na corte imperial e influências da cerimônia do chá) logo descobre que essa ideia pré-concebida passa longe da verdade.

Variedade é palavra-chave quando se fala da gastronomia japonesa. Cores, ingredientes, preparos e até a louça: um menu é pensado para oferecer diversas experiências e estimular os cinco sentidos — além, é claro, de oferecer os nutrientes necessários em uma refeição.

Essa variedade tem muito a ver com a geografia do país. O Japão é um arquipélago formado por 6.582 ilhas, a grande maioria delas, desabitadas. Apesar do território de pouco mais de 330 mil km², o equivalente à área de Mato Grosso do Sul, as ilhas do país se estendem da costa da Rússia até as proximidades de Taiwan, por cerca de 2.800 quilômetros. Além disso, o país é montanhoso, tem um litoral bem recortado e sofre a ação de diversas correntes marinhas.

Outro fator que faz bastante diferença são as estações, muito bem definidas — no centro do país, por exemplo, predomina o clima temperado oceânico, com verões quentes (às vezes escaldantes) e invernos frios com direito a dias de neve. Por isso, os ingredientes de cada época são sempre considerados na montagem de um menu, mesmo que a tecnologia disponível nos permita ter acesso a praticamente tudo, o ano todo.

Assim, uma refeição japonesa costuma ser uma ode à geografia do país e à estação do ano. Os diversos ingredientes são muito bem aproveitados na cozinha pelos japoneses, com diversas técnicas de cozimento e o mínimo de desperdício.

O PF japonês

Como todos os povos, os japoneses gostam de fartura. No entanto, na gastronomia do país, esta ideia está muito mais relacionada à variedade do que à quantidade. Uma mesa farta para os japoneses é aquela rica em ingredientes e em modos de preparo. Um exemplo disso é o "teishoku".

Formada por dois caracteres japoneses que poderiam ser facilmente entendidos como "prato feito" na língua portuguesa, a palavra se refere a uma forma de servir refeições, uma espécie de menu fechado, servido em quantidades aparentemente pequenas e em diferentes louças. Em geral, a refeição é servida em cinco "partes".

O teishoku é basicamente o sonho de qualquer nutricionista. Alimentos de todos os grupos alimentares estão representados na bandeja, em pequenas quantidades e preparados de diferentes maneiras"

Carnes (de boi, porco, frango e outros animais) são o prato principal, chamado de shu-sai em japonês. Ele pode ser servido em um prato maior que fica colocado no centro da bandeja, com os elementos gravitando em torno dele. Verduras cruas, saladas ou legumes cozidos são opções de fuku-sai, ou seja, acompanhamentos. Uma pequena porção de conserva, chamada de tsukemono, arroz e sopa de pasta de soja missô completam o menu.

Isto é, a refeição reúne alimentos fritos, cozidos no vapor, grelhados, refogados e crus. A sopa, os molhos e as saladas garantem a hidratação, mesmo sem o consumo de água durante a refeição, embora os japoneses não dispensem os chás, em especial depois da comida.

Comer com os olhos

Na cultura japonesa, não basta que a comida seja saborosa e nutritiva: mesmo o mais simples teishoku tem de ser capaz de encher os olhos.

Delicada e minimalista, a apresentação de cada prato que compõe a refeição é pensada para valorizar as cores e as formas dos ingredientes. Além disso, como não se usa garfo e faca na culinária japonesa, os itens devem chegar à mesa em porções pequenas, fáceis de pegar com dois palitos. É possível dizer que isso vale tanto para os restaurantes mais sofisticados e caros quanto para os mais modestos.

A apresentação dos pratos na gastronomia japonesa é tão singular que chamou a atenção até dos comensais mais exigentes do mundo ocidental: os franceses.

Toda a Nouvelle Cuisine, de nomes como Paul Bocuse a Pierre Troisgros, bebeu na fonte da alta gastronomia japonesa, absorvendo as técnicas e a estética, que acabaram sendo difundidas mundo afora. Hoje, com as rédeas de sua gastronomia nas mãos — além de simplicidade, variedade e sazonalidade — os japoneses vão mostrando ao mundo, pouco a pouco, que a culinária de seu país vai muito além do sushi.

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