Esses biquínis têm história

Asa delta, cortininha e outros trajes de banho que deixaram marcas nas areias brasileiras

Carolina Vaisman Colaboração para Nossa, do Rio de Janeiro Arte UOL

O biquíni pode até não ter sido inventado nas linhas de baixo dos trópicos, mas foi nas areias das praias brasileiras que ele se popularizou, ganhou fama, se reinventou mil vezes e conquistou adeptas mundo afora. Hoje, o biquíni já é um senhor de mais de 70 anos.

Em 1946, o engenheiro automotivo francês Louis Réard, que na época administrava a loja de lingerie da mãe, apresentou duas pequenas peças e as chamou de "o menor maiô do mundo". Ele achou sua invenção explosiva e, por isso, a batizou de "biquíni", uma alusão ao Atol de Bikini, ilha localizada no Oceano Pacífico, onde eram realizados testes nucleares.

Se nos anos 1950 o biquíni entrou na história no cinema, eternizado por Brigitte Bardot com um modelo xadrez vichy no filme "E Deus Criou a Mulher", foi na década de 1960, no Brasil, que a peça se democratizou de vez e ganhou, digamos, traços mais tropicais.

Com as conquistas femininas e a revolução sexual dos anos 1970, a moda praia também evoluiu e foi, aos poucos, ganhando a cara que conhecemos hoje. Nossa ouviu personalidades brasileiras que ajudaram a construir essa história.

Magda Cotrofe

Quem personificou os modelos ultracavados de trajes de banho foi a modelo carioca Magda Cotrofe, hoje com 59 anos, e uma das curadoras do Bikini Art Museum, em Bad Rappenau, na Alemanha.

A moda acompanha o que está acontecendo e faz história. Depois de uma ditadura militar, é uma sensação de liberdade poder fazer o que quiser. Éramos mais liberais e o biquíni é uma forma de expressão."

A modelo foi precursora da popularização do fio dental e estampou diversas revistas antigas vestindo o modelo asa delta, um design ousado para a parte de baixo do biquíni, cujas laterais vão ao alto dos ossinhos do quadril. O modelito foi parar nos corpos das irmãs Kardashians recentemente.

"Eu me diverti vendo as fotos delas e até fiz uma montagem com cliques meus de décadas atrás. Nos anos 80, a gente já usava essas peças", conta.

Foi nessa época que Cidinho Pereira, o famoso fundador da Bumbum Ipanema, procurou a modelo e lhe pediu para experimentar peças. "Quando vesti o fio dental, não queria mais nada depois: modelava o bumbum perfeitamente", lembra Magda.

"Foi um divisor de águas. No verão de 86, fizemos um lançamento mundial do fio dental e da asa delta, em Ibiza, e eu fui a modelo que personificou as peças lá na Europa. No Rio, depois que começamos a usá-las, os modelos viraram sonho de consumo para todas as banhistas."

Monique Evans

A atriz e modelo era frequentadora do Píer, na praia de Ipanema, na zona sul do Rio. Fera na costura que era, ela criava suas próprias peças de cortininha, o biquíni com os fios fininhos de amarrar, que facilitou a vida de quem buscava marquinhas mais discretas de sol.

Certa vez, enquanto ia de carro para o litoral paulista, costurou na estrada uma peça com barbantes e cordas. "Quando cheguei, a praia parou para olhar! Eu lancei a tendência", conta.

Eu mesma criava e costurava as cortininhas, com pedaços de jeans, couro e chita. E eu também sempre levantava e enrolava a lateral da calcinha do biquíni, pois alonga a perna e silhueta. Naquela época, não havia tanto pudor, então usávamos de tudo."

Tudo ou nada, aliás: Monique gostava de tirar a parte de cima do biquíni para se bronzear — o que, durante um período, foi moda nas areias de Ipanema. "Tenho horror à marquinha de biquíni. Então eu adorava fazer topless e meu point era na praia de Ipanema. Quando estava grávida, li que o bico do seio precisava pegar sol para ajudar a amamentação", relata.

Hoje, ela diz não frequentar mais as praias, por conta dos cuidados com a pele — e dos fotógrafos que ficam de plantão na orla. Os dias de topless ficaram para trás.

Frequentador das praias, jogador de frescobol e observador da moda, o empresário Cidinho Pereira fundou a Bumbum Ipanema, primeira loja dedicada exclusivamente ao biquíni no Brasil, no fim da década de 70.

Foi ele quem criou, nos anos 80, os modelos fio dental e asa delta que, até hoje, desfilam nos corpos bronzeados de sol, nos mais variados tecidos e estampas. "As lojas não tinham esse produto e o verão e a praia estavam lá esperando", conta.

Simplesmente remodelei o biquíni. Queria expor o que era mais bonito no corpo da mulher. A mulher é que veste o biquíni e não o oposto. A asa delta e o fio dental valorizam as curvas, é uma questão de atitude."

Para Cidinho, os biquínis brasileiros viraram produto exportação por destacar a beleza de cada corpo. Também foi ele, hoje um senhor de 77 anos e praticante de kitesurfe, quem inventou as sungas cavadas — ele próprio um fã do modelo, principalmente nas suas idas a Búzios.

Helô Pinheiro

Ela já circulava pelas areias cariocas vestindo modelos diferentes de biquínis antes de se tornar a "Garota de Ipanema", canção de 1962 de Tom Jobim e Vinicius de Moraes que deu fama internacional à bossa nova.

"Desde pequena, usava biquínis que minha avó costurava. Usava a calçola de tecido com babadinhos, bolinhas ou listras. Depois comecei a querer ter biquínis mais diferentes, comprados em lojas", conta.

Um de seus biquínis antigos, um azul estilo calçola, está exposto hoje no Bikini Art Museum, no sul da Alemanha. Foi o único que ela guardou, uma lembrança de um amor de verão que vingou. "A gente vai se desfazendo das peças, não é? Ainda bem que guardei. Fui fotografada vestindo ele, enquanto estava na praia com o homem que viria a ser meu namorado e meu marido", revela ela, há 55 anos casada com o empresário Fernando Mendes Pinheiro.

"Eu me considerava careta e engessada. As meninas da minha idade eram mais soltas, mas minha família era muito conservadora e me sufocava um pouco. Eu tinha 16 anos e não bebia, não fumava e não saía de casa depois das 22 horas. E, ao mesmo tempo, eu via que essa geração era moderna e estava abrindo o caminho para a sociedade, em termos de novos comportamentos", lembra ela, que hoje tem 76 anos. O biquíni foi um dos símbolos dessa abertura.

A modelo Valéria Valenssa fez história na TV da década de 1990 até 2005 como estrela das vinhetas de Carnaval da Globo. Através de efeitos de computação gráfica, a modelo tinha o corpo envolvido por faixas coloridas, compondo um tipo de biquíni imaginário, enquanto lantejoulas explodiam ao redor de seu corpo e na tela.

Conforme os anos foram passando, a tecnologia foi evoluindo e os efeitos ficaram cada vez mais incrementados, sempre sob a batuta do austríaco Hans Donner, ex-marido da modelo e responsável por toda a direção visual das vinhetas globais da "Globeleza".

As sucessoras de Valéria também "vestiram" pinturas e purpurinas, mas isso mudou a partir de 2017, quando a modelo Érika Moura surgiu sambando vestida e representando carnavais de diferentes regiões.

"Sou de outra época, de quando o carnaval valorizava muito a beleza da mulher brasileira. A época do topless, do nu, de Luma de Oliveira, Monique Evans... E, aos pouquinhos, isso foi mudando"
Valéria Valenssa

"O carnaval, em si, foi mudando, para mostrar, de fato, o que é a cultura do nosso carnaval. Se eles perceberam isso nessa vinheta, e se houve essa mudança tão radical, é que eles também estão buscando acompanhar essas mudanças", disse Valéria à época ao jornal Extra.

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