Oásis em Israel

Com atrações do céu à água, deserto de Neguev é passeio nada árido

Juliana Simon De Nossa, em Israel* iStock

Não há dúvidas que deserto está na moda. Se antes esses trechos de terra eram vistos como territórios misteriosos, inóspitos e apenas para aqueles com espírito de aventura, hoje é para eles que turistas atravessam o globo atrás de paisagens únicas, natureza, e um isolamento — imaginário, já que em muitos deles até internet pega.

Em Israel, país de pouco mais de 22 mil km² e mais da metade pleno deserto, não é diferente. Além da cosmopolita Tel Aviv, da religiosa Jerusalém e de trilhas de fé espalhadas pelo diminuto território, há muito o que ver e fazer nas regiões onde, em tese, quase não se vê água.

Além de atrativo turístico hoje bem explorado entre locais e cada vez mais famoso entre turistas estrangeiros, o deserto é parte da identidade do povo israelense. Seja para judeus e os 40 anos de caminhada pelo deserto até a Terra Prometida, ou para beduínos, os povos nômades (muito antes dos "digitais").

É no Neguev, que compõe 62% de todo o território de Israel, que Nossa conheceu o que os clichês literários e cinematográficos sobre o deserto não revelam: uma série de atrações, belezas feitas de terra e, sim, de água.

O que o imaginário desértico não mente é mesmo a presença dos tais oásis — esses são verdadeiras e necessárias em setembro de 2022, em que a temperatura batia fácil os 50°C e além.

Na natureza... nem tão selvagem assim

Como bom "filho de Israel", é no Neguev que um dos maiores líderes sionistas se sentia em casa. Foi em Sde Boker, um kibutz dos anos 50, que hoje se encontra um museu em homenagem a Ben Gurion, o primeiro-ministro fundador do Estado de Israel, em 1948. Para o líder nascido na Polônia que hoje batiza o principal aeroporto de Israel, o futuro do povo judeu estava em seu passado: cravado no deserto.

Essa crença era tamanha que, em 1954, ele se mudou para lá para incentivar a crescente corrente migratória judaica a tomar o deserto e fazê-lo terra fértil — o que acabou se tornando verdade, uma vez que Israel hoje domina uma expertise em irrigação de áreas desérticas e produz nelas até vinhos.

Da tumba do histórico premiê se vê o deserto de Zin: uma infinidade de montanhas de terra de tons entre marrom e vermelho. Por ali, a paisagem árida divide espaço com gramados, árvores e os charmosos íbex (uma espécie de cabra com enormes chifres citada até mesmo na Bíblia) e numerosos soldados.

Indo para o sul, o parque de En Avdat revela ser o tal oásis do deserto que tanto se fala na literatura. No cânion criado há mais de 45 mil anos há possibilidades de trilhas que passam entre as enormes formações geológicas de cores claras que, na primavera, ficam cercadas de vegetação e surgem até piscinas naturais.

Mais atrações naturais surpreendem pela antiguidade, preservação e pela facilidade de acesso em um passeio que soa como puro perrengue.

Caminho das pedras

No coração do Neguev, encontra-se a maior cratera do mundo, com 40 quilômetros de largura e entre 2 e 10 quilômetros de largura e em forma de coração alongado, como enxergam os mais românticos.

Entre dunas e paredões de argila em camadas coloridas (o que revela a antiguidade do solo), são várias as possibilidades de passeio pela Cratera Ramon. Entre rapel, bike e caminhadas sob o sol a pino, a reportagem conheceu este "panelão" jurássico a bordo de um jipão militar.

Guiados pelo empolgadíssimo guia Alen Gafny, um israelense com pose de Indiana Jones, a geologia é algo surpreendentemente interessante até aos ouvidos mais leigos. E isso para um passeio que dura de 2 a 4 horas.

Mais ao sul no mesmo Neguev, um vale de 15 mil acres em forma de ferradura abriga falésias de deixar o menos impressionado dos turistas de boca aberta. Este é o Parque Timna. Prova disso são pilares de 40 metros de altura — um prédio de 12 andares — em terra vermelha batizados de Colunas de Salomão (rei que teria estado por lá, ainda que não haja qualquer evidência disso).

Escavações revelaram, porém, que havia lá uma presença massiva de trabalhadores de cobre do Antigo Egito (calcula-se entre 12 e 14° século antes de Cristo) e há evidências abertas ao público, como o templo em homenagem à deusa Hathor.

Aos empolgadões do Instagram, o point das fotos mais populares — e símbolo do parque — "O Cogumelo" (uma pedra que, trabalhada pela erosão, ganhou forma do fungo.

Diante dos olhos, a história

Assim como a vida em outros planetas, parece inconcebível que povos tenham vivido e se desenvolvido em pleno deserto, longe de tudo. Em Israel, a história de milhares de anos e de diversos povos é constantemente revelada em escavações, que começaram no século 19 e nunca cessaram.

Esse é o caso do Parque Nacional de Avdat, uma das estações da Rota do Incenso, que ia da Península Arábica até o porto de Gaza e de lá chegava ao Império Romano.

Na época (terceiro século a.C), o povo dominante eram os nabateus, que, depois de 106 d.C foram dominados pelos romanos até o século 7, quando um terremoto destruiu a cidade - felizmente, não o suficiente para que ela fosse apagada do mapa.

Em três opções de rota e um rumo íngreme, é possível ver e tocar resquícios de todas as épocas de Avdat.

A inesquecível Masada

Apesar de ficar em outro deserto (o da Judeia), é impossível não mencionar aqui a joia a leste, colada ao Mar Morto e de frente para Jordânia. Uma das riquezas históricas mais especiais do Oriente Médio, Masada é, na falta de melhor adjetivo, enlouquecedora.

Acessada por um teleférico ou por uma trabalhosa trilha em escada, a fortaleza-palácio construída pelo rei Herodes em 30 a.C remonta um dos episódios mais sangrentos da história judaica.

Abrigo para judeus rebelados contra o domínio romano desde 68 a.C, Masada foi sitiada pelo império em 72 a.C e invadida através de uma gigantesca rampa que pode ser vista até hoje. Acredita-se que 960 zelotes judeus que viviam no topo de Masada optaram pelo suicídio para não se entregarem aos invasores.

Olhe para cima (sério)

Não dá a mínima para a disposição dos planetas e estrelas e galáxias? Ainda assim, é impossível resistir aos encantos do céu estrelado no deserto, acredite. Deitados em finos colchonetes no chão da Cratera Ramon, turistas podem ter uma aula expressa de astronomia (com momentos de astrologia. Você conhece a constelação do seu signo, por exemplo?).

Munido com uma caneta laser, um Telescópio Galileano e autodidatismo no mundo das estrelas, o jovem astrônomo Mashav Eidelsztein torna o cálculo de anos-luz algo interessante, finalmente. "Sabe aquela estrela? Está há 26 anos-luz de nós".

Escolha uma constelação — não vale Cruzeiro do Sul, nem Três Marias. Afinal, deste lado da linha do Equador, nenhuma delas é visível —, abstraia e enxergue a cabeça de um centurião no pontilhismo estrelar, aperte dos olhos em busca de uma estrela-cadente.

A diversão com um quê de encanto infantil alcança o ápice ao conseguirmos observar Júpiter e suas Luas, Saturno e seus anéis.

Ao final, o grande hit: fotos estreladas dos turistas, feitas a partir de um smartphone bem simples do guia. A vontade de largar tudo e viver de céu estrelado é real.

Impossível não meditar sobre sua pequenez, e sobre a beleza de estar deitado e olhando para o céu em pleno Neguev — que numa noite de setembro só alcança temperatura suportável na hora de um céu estrelado.

A "Miami" do deserto

Em alguns lugares do Neguev, dá para esquecer que se trata de um deserto, seja pelas surpreendentes vinícolas ou nos kibutzin, que podem ir de megaestruturas a comunidades simples. Também há o famoso "boiar" pelas águas do Mar Morto, atração imperdível.

Mas é no extremo-sul de Israel, em uma ponta espremida entre o Egito e a Jordânia e de frente para um infinito Mar Vermelho, que tudo fica mais surprendente.

Lá está Eilat, um balneário gigantesco em pleno deserto.

Chegando ao destino onde há sol, garantem, 360 dias por ano, é possível entender por que é um lugar que inspira ódio e amor entre os israelenses, tão orgulhosos da combinação entre modernidade e tradição que o país inspira.

Eilat lembra bastante Miami — e nem a que surge como um novo polo cool dos EUA, mas aquela quase cafona de outras épocas.

Zona franca da região (ou seja, nada de impostos para um país caríssimo, diga-se), a cidade atrai quem busca boas oportunidades de compras e as atrações mais alardeadas são os shoppings e lojas da orla.

A localidade também é um dos principais destinos de verão entre as numerosas famílias locais e não faltam belos pontos às margens do Mar Vermelho para aproveitar o sol e (tentar) entrar na água com uma faixa que não tem areia, mas verdadeiros pedregulhos.

Para não esquecer que o deserto mora ao lado, em minutos é possível entrar pelos ranchos beduínos e andar de camelo.

Mas é na água avistada em mais de 20 praias, no entanto, que Eilat se torna realmente interessante ao olhar estrangeiro.

Seja pelo completo parque marinho da cidade, que abriga um divertidíssimo observatório subaquático, ou pela possibilidade de mergulhar ao lado de golfinhos — que, segundo a administração local, estão livres no mar e surgem por uma gratidão pelo resgate. Aos menos corajosos, não faltam spas à beira-mar.

Quem poderia imaginar que o deserto poderia ser tão relaxante.

*A jornalista viajou a convite do Ministério do Turismo de Israel no Brasil

Topo