Em busca do ramen perfeito

Viagem de Norte a Sul do Japão revela segredos deste ícone culinário

Gabrielli Menezes De Nossa

Há dez anos, Simone Xirata trabalhava com consultoria financeira e foi pela primeira vez ao Japão. Acompanhada dos pais e dos tios, ela tinha o objetivo de refazer os passos de seus antecessores — tanto os avós maternos quanto os paternos são do país insular.

A cidade onde a mãe do pai nasceu, Fukuoka, ficou marcada na memória. Mas não por conta da família. Lá, um amigo quis apresentar a ela o restaurante que ele considerava uma espécie de xodó, o Ippudo. "Era um lugar bem simples, antigo, meio acabadinho", confessa Simone.

Depois de dar garfadas em pratos não tão animadores, chegou a vez do tonkotsu ramen. Com os hashis, ela apanhou o macarrão mais uma fatia da barriga de porco que estava no topo da cumbuca e levou à boca. Para provar o caldo turvo feito de ossos de porco, usou a colher de sopa típica.

"Me apaixonei. Nunca havia provado nada que me deixasse tão encantada e emocionada. Depois disso, fui comendo os ramens que ia encontrando no caminho".

Simone Xirata

Noventa casas no currículo

De volta ao Brasil, ela provou as versões paulistanas do prato. "Em 2011, tinham três ou quatro casas dedicadas ao ramen em São Paulo. Eram bons, mas senti que faltava algo em relação aos do Japão".

Foi aí que iniciou, então, a busca pelo ramen perfeito. Viajou para o Havaí, Nova York, Los Angeles e São Francisco até chegar à conclusão, junto com seus amigos e sócios, de que para concretizar o plano de abrir uma casa de alma oriental o ideal seria trazer um chef do Japão.

"Fiz uma pesquisa e, na cara e na coragem, disparei mais de cem e-mails em inglês demonstrando interesse". Em 2014, Simone voltou ao Japão para conversar com os chefs. De quebra, comeu ramens em nove cidades.

Takeshi Koitani, de Fukushima, foi o escolhido. Vendeu os três restaurantes que comandava e trocou os cursos que dava em Tóquio sobre o prato por prestar consultoria pelo mundo.

O plano de um novo negócio em São Paulo veio a se concretizar em 2016. Com o nome de JoJo Ramen, o restaurante abriu as portas oferecendo quatro tipos de ramens: shoyu (molho de soja), shio (sal), misso (pasta de soja) e o tsukemen, à moda de Tóquio.

A missão, porém, não havia acabado. Em 2017, Simone embarcou num novo roteiro para conhecer, de Norte a Sul, os gotochi ramen (ramens regionais). Nessa e em outras passagens, foram visitados 90 endereços típicos ao todo. Parte do que foi catalogado e fotografado, ela compartilha com Nossa nesta matéria.

Lámen ou ramen?

Com massa, vegetais e carne, o ramen é uma comida completa e acessível. Segundo o portal Town Page, a sopa é servida no balcão de pelo menos 26.500 casas especializadas espalhadas por todo o Japão.

A versão industrial e instantânea salvou vidas após a Segunda Guerra Mundial e popularizou ainda mais a comida. Até hoje, os pacotinhos são encontrados em peso em mercados, lojinhas de metrô e máquinas pelas ruas — dá para comprar a qualquer hora do dia ou da noite.

A Nissin, responsável por abreviar um trabalho de 24 horas num saquinho de "miojo" que fica pronto em 3 minutos, também introduziu a sua "mágica" no Brasil e fez a palavra "lámen", grafada na embalagem, sobressair-se ao termo japonês, "ramen".

Jo Takahashi, autor do livro "Ramen/Lámen", a ser lançado pela Editora JBC em junho de 2022, diz que o prato é uma boa pedida para conhecer uma cidade pela primeira vez.

"Dizem que pelo ramen, você pode decifrar as características culturais do local".

Alguns japoneses de Kitakata, por exemplo, acordam com uma tigela de ramen na mesa de café. "É um ritual, chamado de 'asa-ra', uma contração de 'asa', de manhã, com 'ra', de ramen". Já em Tóquio, a partir das 6 horas da matina se pode provar o caldo com macarrão. Vai bem para "dissipar" o álcool ingerido nos izakayas, botecos típicos de lá.

A escrita e o macarrão

Apesar do ramen ser assim, tão deles, o macarrão é uma invenção chinesa que data do ano 2.000 a.C.. Chegou no Japão perto de 1.500 trazido por monges budistas que iam estudar filosofia e cultura na China.

"De lá, eles trouxeram a escrita, e o macarrão. No início, o alimento era restrito aos templos e à nobreza. A popularização do macarrão, no Japão, ocorreu com a abertura dos portos e a entrada da farinha de trigo, a partir de 1859", diz Jo.

Na mesma época, imigrantes chineses chegaram à cidade portuária de Yokohama e começaram a servir o ramen ao estilo da China: macarrão dentro de um caldo espesso.

Coube aos japoneses darem mais complexidade ao prato, adicionando na sopa base o dashi, saboroso caldo cheio de umami preparado com alga kombu, cogumelo shiitake e katsuobushi (peixe bonito seco)

"Assim como muitos elementos da cultura japonesa são derivados dos conhecimentos chineses, o ramen não é exceção. Mas ele foi completamente adotado como a comida mais popular no Japão."

"O ramen é uma fusão da sabedoria chinesa e japonesa."

Viagem ao espírito japonês

"Kodawari" é o nome que se dá à vontade constante de aperfeiçoamento. Essa busca pela excelência foi uma das percepções de Simone ao cruzar o país de Norte a Sul experimentando pratos que exigem ao menos 24 horas de trabalho.

Tamanha dedicação, na opinião dela, é o jeito japonês de expressar afeto. "Também envolve uma questão de humildade. Eles nunca acham que estão fazendo algo bom o suficiente".

O trajeto a fez se conectar com os antepassados. "Entendi melhor por que para a minha batian (avó) sempre era importante preparar e servir comida para nós. Esse cuidado chega inclusive aos ingredientes, com o uso de produtos que sejam o mais natural possível".

O próprio JoJo, que completou cinco anos em maio, tenta transmitir tal essência oriental.

"Significa 'topo do topo', no sentido da evolução e da busca por melhorar."

Nossa/UOL

Para fazer em casa

O ramen é formado por uma série de elementos e, portanto, por muitos processos. Para fazer essa receita de shoyu ramen, cedida pelo JoJo, é necessário se preparar.

A mistura para a massa fresca é feita no dia anterior. Além do macarrão, é necessário elaborar do zero o caldo, o óleo aromatizado e a carne que vai no topo, no caso, a copa-lombo.

Para a montagem, o uso de cebolinha, broto de bambu e ovo cozido como toppings é opcional. Confira o passo a passo completo aqui

Vai ao Japão? Veja onde comer

As indicações de Simone para seu roteiro

Josui Ramen, em Nagoya

"Casa tradicional que serve um ramen de sal [shio ramen] bem limpo, feito com insumos excelentes, como o sal de Okinawa, e com extração natural de umami. Por ser muito sutil, o shio ramen é muito difícil de ser feito. Esse é o melhor que já comi".

Ganja Ramen, em Saitama

"Foi o primeiro restaurante de ramen a introduzir o pó de peixe no tsukemen, criando um estilo novo e complexo de ramen. É uma casa simples e sempre tem fila porque só servem sete pessoas por vez. A próxima leva só entra quando todos acabam de comer".

Mensho, em Tóquio

"O chef da casa, Tomoharo Shono, é um dos que mais inova. Ele apresenta possibilidades de ramen sem abrir mão da qualidade. Tem ramen de wagyu [desejado gado japonês], de cordeiro, vegetariano, de matchá, com macarrão de cacau, entre outros".

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