RUMO AO SOL DA MEIA-NOITE

Embarquei em veleiro para navegar pela Noruega e conhecer o dia sem fim: 'Às duas da manhã parecia meio-dia'

Marina Guedes Colaboração para Nossa, de Lofoten, Noruega

Viajar em veleiro é a forma perfeita para conhecer destinos em que a natureza é a atração principal. Incontáveis fiordes, cachoeiras que surgem do degelo nas montanhas, mar por vezes semelhante aos cenários tropicais, e deliciosas iguarias a base de peixe fazem da Noruega — nação do explorador Roald Amundsen (primeiro homem a atingir o Polo Sul) — um destino inesquecível.

Morei a bordo durante quatro anos, entre Atlântico e Pacífico Sul. Não é difícil imaginar, então, minha alegria ao estar de volta embarcada, após um intervalo de dois anos. Talvez, um dos maiores desafios desta recente experiência na Noruega tenha sido convencer meu corpo a dormir, já que no verão quase não escurece em altas latitudes.

Trilhas, sol da meia-noite e passeios de bicicleta também fizeram parte da visita à nação escandinava. A aventura teve duas fases: três semanas no barco — de Alesund até as ilhas Lofoten — seguidas por dez dias entre aquele arquipélago e a capital do país, Oslo.

Brasileira em barco francês, na Noruega?

Francês aposentado, Yves Baulac é o comandante do monocasco de alumínio naval, de doze metros de comprimento, em que seguimos rumo norte. Batizada de "Orionde" — em alusão à montanha que costuma frequentar perto de sua casa, nos Alpes — a confortável embarcação tinha três pessoas a bordo.

Nos conhecemos na Polinésia Francesa, em 2017. Philippe Cottereau, o terceiro tripulante, é amigo de longa data do capitão. Além da nacionalidade, eles têm em comum outro barco a vela, e várias travessias pelo mundo.

Junto da esposa, Christine — que desta vez ficou em casa — Yves navegou por locais particulares: Antártica, Geórgia do Sul, costa da África, Groelândia, além de vários destinos no Pacífico Sul.

Quando soube que ele planejava velejar no extremo norte europeu, manifestei meu desejo de participar. Felizmente, deu certo.

Na segunda metade de junho, partimos de Alesund, rumo às ilhas de Lofoten, percorrendo pouco mais de quinhentas milhas náuticas — que correspondem a cerca de mil quilômetros de distância.

Rotina a bordo

Muito diferente das expedições dos navegadores vikings — que fizeram história por ali entre os séculos 8 a 11 — nosso objetivo por águas nórdicas não tinha motivação exploratória. A meta era percorrer trilhas e destinos selvagens, de preferência longe das cidades, por simples diversão.

Trabalhoso foi escolher entre tantas opções, tendo em vista que o litoral do país estende-se por mais de 25 mil quilômetros. Na tentativa de desfrutar ao máximo, acordávamos cedo, parando em um local a cada dia.

O clima era de passeio. Além de ajudar na navegação, minha tarefa era verificar se o porão estava seco; checar o nível de água potável a bordo — quando necessário, avisar ao capitão para que o dessalinizador fosse acionado — e desfrutar das refeições, normalmente preparadas pelo próprio. Quando desembarcávamos, "eternizar" os cenários em fotografias — a maioria das que ilustram esta reportagem.

Também cuidava do diário de bordo, que escrevia na companhia de um copo de vinho tinto. Taças ficaram em casa, para evitar acidentes. Oportunidade dos sonhos? Exatamente!

Pé nas trilhas

A travessia iniciou com frio (beirando 12°C) e chuva. Aos poucos, fomos presenteados com dias ensolarados — ideal para trajetos montanha acima.

Sempre me surpreendo com a energia infinita de Yves. Não parece que tem quase sete décadas de vida. Na primeira trilha, situada na ilha de Lovund, andamos por mais de três horas em terreno íngreme, escorregadio, em uma ascensão de pouco mais de 600 metros. No topo, o cenário panorâmico e o vento foram memoráveis recompensas.

Outras duas caminhadas também marcaram o período, nas ilhas de Rodoya e Torghatten. Esta última, através de uma enorme rocha com um buraco ao centro, que permite a passagem dos visitantes. Na entrada, o aviso do risco de acidentes por causa de pedras soltas não causou impedimento; tudo correu bem.

As escadas feitas de enormes pedras ao longo de alguns percursos impressionam. Não parava de imaginar o complexo trabalho dos sherpas do Nepal — contratados pelo Governo norueguês — em posicioná-las naqueles locais. Sem dúvida, ajudou-me a perceber que a missão de subi-las era fácil, comparada ao que eles devem ter enfrentado, em meados de 2019.

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Não confunda mais

  • Ártico é a região onde a temperatura média do mês mais quente não ultrapassa 10°C. Há várias definições para esta parte do globo.
  • A região conhecida como Ártico não coincide com o Círculo Ártico (a nomenclatura atualmente mais adotada pelos especialistas, ao invés de Círculo Polar Ártico); ela é mais extensa.
  • A área do Círculo Ártico (que faz parte da região ártica) ocupa aproximadamente 21 milhões de quilômetros quadrados.
  • O Polo Norte Geográfico é o ponto onde passa o eixo imaginário de rotação da Terra, que fica a 90° Norte.
  • O Círculo Ártico define uma linha imaginária no planeta, ao norte da qual há pelo menos um dia de noite absoluta (24 horas de escuridão) no inverno e pelo menos um dia de luz absoluta (24 horas de sol) no verão boreal (o sol da meia-noite) por ano.
  • As terras sobre o Círculo Ártico estão divididas entre os oito países: Noruega, Suécia, Finlândia, Rússia, Estados Unidos, Canadá, Dinamarca (Groenlândia) e Islândia.

Ilhas de Lofoten

Lofoten (leia-se Lufuten), está na região setentrional norueguesa. Era nosso destino mais aguardado. Mesmo que acima do Círculo Ártico, as ilhas têm clima mais ameno do que outros locais situados nas mesmas latitudes (67° e 68 ° Norte) — a exemplo, o norte da Rússia, Canadá e Alasca. Isso ocorre devido a um sistema de circulação oceânica que conecta todo o globo e leva calor em direção ao Atlântico Norte.

A partir de Bodo, ainda na costa, a travessia até Lofoten foi perfeita: pouco mais de nove horas com vento favorável e céu limpo. O desejo era chegar para o espetáculo do sol da meia-noite. A brisa quase inexistente deixou o mar uma piscina.

Para nosso deleite, a aproximação foi exatamente quando a estrela maior brincava de se esconder atrás das montanhas. Aos poucos, voltava ao horizonte, e permitia que o fotografássemos. Emocionante!

Atracamos no vilarejo de Reine. Complicado foi conter a adrenalina e dormir. Eram quase duas horas da manhã, e parecia meio-dia. Apenas me lembrava do comentário do brasileiro que vive no Ártico há onze anos, Francisco Mattos: "Chegar de veleiro deve ser um sonho". Foi mesmo!

Sol da meia-noite, entenda o que é

É um processo natural que ocorre nas proximidades das duas regiões mais frias do planeta, os Polos. Na prática, o sol fica visível no céu durante 24 horas. Isso ocorre em razão da inclinação do eixo de rotação da Terra, fazendo com que — em torno do solstício de verão — o Polo Norte receba radiação solar durante todo o dia, inclusive à meia-noite.

Enquanto isso, na Antática, localizada no Polo Sul, o sol não dará as caras a qualquer momento do dia, no fenômeno conhecido como "noite polar".

No Hemisfério Norte, o sol da meia-noite pode ser observado acima do Círculo Ártico até o Polo Norte Geográfico (entre as latitudes 66°33'N e 90°N).

A partir do Círculo Polar, o número de dias com sol da meia-noite aumenta, chegando a seis meses do ano, exatamente no Polo. Mas, o que ocorre no Polo não se aplica à toda região polar. Quanto mais próximo do Polo, maior o número de dias com o sol da meia-noite.

Na parte Meridional do globo, a Antártica, acontece seis meses depois. Neste caso, entre a linha imaginária chamada Círculo Antártico e o Polo Sul, 66°33' S até 90°S, respectivamente. É o que está acontecendo desde outubro até março do ano que vem, com luz solar nas 24 horas do dia.

Pedal entre as montanhas

Ao desembarcar em Svolvaer — principal cidade em Lofoten — permaneci uma semana para deslocamentos em bicicleta. Sabia da característica plana da região, mesmo que rodeada por montanhas e fiordes.

Há uma estrada principal (E10), sentido Norte-Sul, além de vias secundárias menos movimentadas, excelentes alternativas. Pontes e túneis garantem a conexão entre as cinco ilhas principais. As condições meteorológicas mudam rápido. Por isso, vale aproveitar quando a chuva cessar, e partir.

Fiz dois roteiros, de pouco mais de oitenta quilômetros cada. O primeiro, de Svolvaer até Grunnfor — onde há um abrigo de ciclistas. Posteriormente, da vila de Å, no extremo sul, até Flakstad, linda praia de areia branca. As magrelas, aluguei em cada lugar onde me hospedei.

Nos cenográficos percursos, vi diversas casas sobre palafitas de madeira. Quando o vento aumentou, espalhava também o "perfume" das cabeças de bacalhau, que secavam para serem exportados à Nigéria. A parte mais nobre, tratada no inverno, já tinha ido para a Itália.

Destemidas, e nada discretas gaivotas — que se aproximam ao menor sinal de alimento — foram companhia nos meus trajetos em duas rodas pelas paisagens de filmes, inspiradoras.

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