A estrada 'flutuante'

Conheça a história da Overseas Highway, na Flórida (EUA), uma das rodovias mais impressionantes do mundo

Um fio de concreto que rasga o mar, unindo 44 ilhas, através de 42 pontes, à península mais ensolarada dos Estados Unidos. A Overseas Highway, um dos projetos de engenharia mais ousados do século 20, transformou a vida e a paisagem da Flórida para sempre.

Ao longo de quase cem anos, ela se tornou uma das estradas mais conhecidas dos EUA, graças também às vezes em que foi cenário de filmes, séries e desenhos animados. Nestas imagens: "007 - Permissão para Matar" (1989), "Corrida Maluca" (1968), "True Lies" (1994) e o game Grand Theft Auto VI (previsto para 2025).

São 202 km, ligando Miami a Key West, o ponto mais ao sul do território continental dos EUA. Key West é o Chuí deles, uma cidade que, não fosse a rodovia (e suas pontes que ganharam fama de indestrutíveis), seria muito mais isolada do resto do país.

A ideia de conectar o arquipélago de Florida Keys ao continente começou a ganhar corpo graças ao trabalho de Henry Flagler, um dos grandes industriais americanos do fim do século 19. Não só a rodovia: a Flórida como um todo é um legado de Flagler.

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Cofundador da Standard Oil, que já foi a maior empresa petrolífera do mundo, Flagler investiu em hotéis de luxo naquele que era um dos estados mais pobres do país. Em 1885, ele decidiu ligar, por ferrovias, Jacksonville, no norte da Flórida, à então acanhada Miami, no sul.

Mas Flagler achava que valia a pena esticar a ferrovia até Key West. Com indústrias em expansão e uma localização estratégica (era o porto americano mais próximo do Canal do Panamá, em construção), Key West era a maior cidade da Flórida.

A decisão de estender a linha ferroviária ao extremo sul do estado foi considerada uma empreitada impossível, que chegou a ser apelidada de "a loucura de Flagler".

Cerca de 4.000 pessoas trabalharam nas obras, a maioria negros americanos e da Bahamas, que lidaram com jacarés, cobras e escorpiões. Para piorar, entre 1905 e 1912 três furacões atingiram a região, matando mais de cem operários.

Flagler investiu US$ 1,5 bilhão (em valores corrigidos) para concluir a ferrovia e calar os críticos que o achavam louco. Em 1912, chegou triunfante, a bordo de sua cabine de luxo, no trem inaugural de Key West. Morreu no ano seguinte.

Nos anos 1920, os EUA caíam de amores pelo novo símbolo do desenvolvimento, o automóvel. Então a primeira versão da rodovia Overseas foi aberta em 1928. Parte do traçado era paralelo à ferrovia, e um trecho de 66 km e quatro horas de duração era feito de balsa.

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Na década de 1930, já estava claro que o serviço de balsa não dava conta do fluxo de carros. O presidente Franklin Roosevelt decidiu expandir a rodovia. As obras empregaram centenas de veteranos da Primeira Guerra e faziam parte do New Deal, o programa de investimentos para enfrentar a Grande Depressão.

Em setembro de 1935, um dos mais intensos furacões já registrados na história atingiu a Flórida. A ferrovia foi destruída, mandando pelos ares o sonho de Flagler. Dos mais de 400 mortos, cerca de metade eram veteranos trabalhando na expansão da rodovia.

Como boa parte das pontes resistiu aos ventos de até 295 km/h, elas serviriam para completar a rodovia, que herdaria, assim, parte do traçado dos trilhos de trem. Enquanto isso, a viagem a Key West era feita de avião ou de navio.

Em 1938, a nova Overseas Highway foi inaugurada. No ano seguinte, o presidente Franklin Roosevelt viajou por toda sua extensão para embarcar em um navio em Key West e assistir a jogos de guerra no Caribe.

Com a entrada dos EUA na Segunda Guerra, a rodovia ganhou melhorias. Mas o objetivo era militar, não econômico. Key West abriga uma importante estação naval, então pontes e outros trechos precisaram de reforços de segurança.

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Em 1982, a maior e mais conhecida das pontes, a Seven Mile, foi reinaugurada com um novo trajeto. Um trecho da antiga ponte, que passa por Pigeon Key, foi revitalizado em 2022. É exclusivo para pedestres, ciclistas, pescadores e turistas.

É uma forma mais tranquila para admirar o mar cristalino. Mas mesmo dirigindo em plena rodovia, na velocidade máxima de 80 km/h, é possível ver o balé de golfinhos. Uma paisagem única.

Reportagem: Felipe van Deursen

Edição: Eduardo Burckhardt

Design: Bruna Sanches