Televisão de cachorro

Por que os frangos assados feitos nas padarias são tão irresistíveis? Descubra os segredos

Flávia G Pinho Colaboração para Nossa

Aos domingos, as ruas de São Paulo têm um cheirinho especial. Ainda pela manhã, assim que as máquinas de assar frangos saem dos depósitos e tomam conta das calçadas das padarias, as aves temperadas começam a girar nos espetos e enchem a atmosfera de um perfume, cá entre nós, impossível de resistir.

Embora não haja registros históricos confiáveis, é bem provável que essa tradição tenha sido trazida pelos imigrantes que chegaram de Portugal, onde eram comuns as máquinas giratórias manuais para assar aves. E não foi por acaso que elas pararam justamente nas padarias, segmento do comércio escolhido por boa parte da mão de obra portuguesa que escolheu viver no Brasil.

Mas o que faz o frango de padaria ser tão especial? Nossa conversou com especialistas no assunto e descobriu alguns segredos.

Fernando Moraes/UOL Frangos assados do Le Coq, que assa até 600 deles por semana

Frangos assados do Le Coq, que assa até 600 deles por semana

Das festas à "frangaria" gourmet

Por que o frango assado de padaria virou exclusividade dos domingos? Pelo preço, que nem sempre foi popular, como explica Paul Freedman em "A História do Sabor" (Senac):

O frango virou um jantar festivo das massas nos anos 1950, uma refeição dominical nos anos 1960 e um alimento cotidiano nos anos 1980".

Como as padarias com salões de refeição também são novidade recente, o franguinho assado nasceu e cresceu como alternativa para levar para casa — isso em uma época em que expressões como delivery e take away nem sequer faziam parte da rotina paulistana.

O frango de padaria ocupa um lugar tão especial na nossa memória afetiva que até a grande indústria resolveu se apropriar da receita — em julho de 2021, a Seara lançou o Frango de Padaria, cuja campanha promete "cheirinho típico de domingo todo dia".

São Paulo já tem até estabelecimento especializado na ave da "televisão de cachorro". Inaugurada em 2018, a Le Coq, na Vila Mascote, assa até 600 frangos por semana. O diferencial é o cardápio variado de acompanhamentos e temperos.

Nos inspiramos em uma boutique de frangos assados na França e pensamos: por que não abrir uma frangaria gourmet em São Paulo?", conta o sócio Rodolfo Zanfolin.

Fernando Moraes/UOL Inspirados em estabelecimentos franceses, donos do Le Coq levaram para São Paulo a frangaria gourmet

Inspirados em estabelecimentos franceses, donos do Le Coq levaram para São Paulo a frangaria gourmet

O frango ideal

Tem que ser inteiro, com peito, coxas, sobrecoxas e asas, e não muito grande, para que o tempero penetre bem — no forno, aves que pesam em torno de 2 quilos desidratam bastante e atingem menos de 1,5 quilo no fim do processo.

A pele, por favor, tem que ser mantida coladinha à carne. É ela que mantém o frango suculento depois de assado e garante a casquinha dourada e crocante. Para chegar a esse resultado, é importante saber manejar a fonte de calor.

Nas primeiras duas horas, os frangos assam lentamente em fogo baixo. Só no final são expostos ao fogo alto, que doura e forma a casquinha", explica Rodolfo, da Le Coq.

Fernando Moraes/UOL Padaria Cepam entrega o tempero usado no clássico frango assado

Padaria Cepam entrega o tempero usado no clássico frango assado

A alquimia do tempero

Fazer com que uma ave inteira fique bem temperada por igual é um desafio e tanto. A técnica mais eficiente é a salmoura, caldo de sal e temperos no qual o frango deve ser mergulhado por longas horas.

Na padaria Cepam, na Vila Prudente, as 500 aves assadas entre sábado e domingo começam a ser temperadas na quarta-feira.

Usamos vinho branco, vinagre, alho, salsinha, azeite e sal", entrega Rafael Macarrão, responsável pela produção.

Na Le Coq, o mix de temperos é mantido em segredo, mas Zanfolin confessa que entram até páprica e curry na marinada. "O tempero é 100% feito por nós. Boa parte das padarias usa produtos artificiais para temperar, por isso os frangos acabam ficando parecidos, tudo com o mesmo gosto", alfineta.

Fernando Moraes/UOL "Televisão de cachorro"

"Televisão de cachorro"

A magia da máquina

Na França, o equipamento tem nome chique: rotissoire. Aqui, porém, ficou mais conhecida pelo carinhoso apelido "televisão de cachorro". As máquinas mais antigas eram alimentadas a carvão, mas davam tanto trabalho que foram sendo substituídas, aos poucos, pelas versões modernas a gás.

O calor é distribuído por vários queimadores, espalhados na parede do fundo, e a rotação dos espetos permite que os frangos tostem por igual.

"Temos duas máquinas a carvão e uma a gás e posso garantir que o sabor é o mesmo. Ninguém nota a diferença", jura João Diogo, proprietário da Cepam.

Fernando Moraes/UOL Saladinha, farofa ou batata bolinha? Frango de padoca tem várias opções de acompanhamento

Saladinha, farofa ou batata bolinha? Frango de padoca tem várias opções de acompanhamento

Para acompanhar

Farofa é de lei — na maioria das padarias, ela vai de brinde, embalada em saquinho plástico. Na Le Coq, porém, o assunto é levado mais a sério. Além da farofa pronta, essa que vai de brinde, o cliente pode escolher entre farofas de farinha de mandioca ou de milho, ambas temperadas com bacon.

Sabia que também é possível assar frangos, na máquina giratória, já recheados com farofa? Ela fica molhadinha, porque absorve os temperos da ave, com sabor dos assados especiais de Natal.

Segunda na lista dos acompanhamentos preferidos, a batata bolinha promete casamento perfeito com o frango assado — melhor ainda quando ela fica armazenada no fundo da máquina, no reservatório onde pinga a gordura que desprende das aves enquanto estão assando.

Três guarnições de peso

  • Farofa com bacon

    Para ouvir o "crac, crac" ao mastigar, a farinha de mandioca é dourada em óleo, manteiga e na gordura da linguiça e do bacon. Isso também ajuda no sabor, que é enriquecido pelo alho e cebola triturados no liquidificador.

    Leia mais
  • Maionese de batata

    Nada de comprar o pote de maionese pronto. Aqui, o creme é preparado do zero a partir do leite e, só depois, misturado aos demais ingredientes. Batata, cenoura e picles ficam mais gostosos quando geladinhos.

    Leia mais
  • Arroz biro-biro

    Possível de fazer até com arroz da geladeira, esse mexidão reúne bacon, cebola e cenoura refogados mais presunto, ovo mexido e metade da porção de batata palha -- a outra parte finaliza o prato no melhor estilo.

    Leia mais
Divulgação/Dalva e Dito Deu aquela vontade irresistível de provar o frango assado de padoca? Reproduza em casa

Deu aquela vontade irresistível de provar o frango assado de padoca? Reproduza em casa

Dá para fazer em casa?

Com alguns cuidados, é possível assar um franguinho e chegar a um resultado bem parecido com o da padaria. É o que garante o chef José Guerra, do restaurante Dalva e Dito. Ele próprio foi obrigado a adaptar a receita da casa, que originalmente era preparada em uma bela rotissoire importada. "Como não conseguíamos manutenção aqui no Brasil, passamos a assar os frangos no forno."

Depois de mergulhar as aves em salmoura por 24 horas, o que ajuda na suculência da carne, Guerra conduz a primeira etapa do cozimento de maneira lenta, em forno bem baixo. O equipamento do restaurante, com função vapor, chega a 63ºC, temperatura impossível de atingir no forno doméstico. No fogão de casa, ensina o chef, o truque é preaquecer o forno a 180°C e assar o frango devagarzinho, ao longo de 1 hora, para que cozinhe bem por dentro.

Quando a pele começar a dourar, é hora de ir mudando a posição da assadeira e, com uma colher, banhar o frango com a gordura que vai derretendo."

Para quem é louco pela casquinha tostada, Guerra revela mais um segredinho: "Depois de marinar a ave, remova os temperos da pele e deixe o frango na geladeira, sem qualquer proteção, por cerca de 8 horas. A pele resseca e, ao ser assada, fica ainda mais dourada e crocante."

Divulgação/Brazeiro Na brasa, o frango assado também ganhou os corações e as mesas de São Paulo

Na brasa, o frango assado também ganhou os corações e as mesas de São Paulo

Frango na brasa, outra instituição paulistana

Reza a lenda que os primeiros a transformar o frango assado dos fins de semana em bom negócio foram José e Rosa Mamprin. O casal mantinha uma barraca de lanches em Louveira, o Rancho São Cristóvão, às margens da rodovia Anhanguera. Aos domingos, no entanto, quem parava ali se encantava com o perfume do assado que dona Rosa preparava em casa, fazendo com que ele desse origem a um novo estabelecimento: o restaurante Frango Assado, inaugurado em 1956, o mesmo que virou rede e, desde 2008, não está mais nas mãos da família.

Pouco mais de uma década depois, em 1969, o restaurante O Brazeiro nasceu inspirado nos frangos de padaria. Quem conta é Carlos Mangini, 37, neto do fundador: "Meu avô, Salvador, notou que a padaria Amarante, na Vila Mariana, vendia muitos frangos e resolveu abrir uma portinha ali perto, onde vendia as aves assadas em churrasqueira a carvão".

A casa cresceu e chegou a duas unidades, que somam 400 lugares. Os frangos continuam sendo preparados do mesmo jeito, só mudou a escala — as 20 mil aves consumidas por mês são assadas em duas churrasqueiras gigantes a carvão. Juntas, elas têm mais de 20 metros de comprimento.

A marinada leva vinho branco, alho, cebola, salsinha e pimenta-do-reino. Mas, como as aves vão abertas para os espetos, absorvem os temperos com mais rapidez e não precisam dormir dentro da salmoura. "Elas marinam por 5 minutos, depois usamos o líquido para regar os frangos durante todo o tempo em que estão assando", revela Mangini.

Padocaria SP

Keiny Andrade/UOL

Tem uma padoca do coração? Vote para premiar as melhores de 2022 em São Paulo

Ler mais
Keiny Andrade/UOL

Pão francês? Que nada. Ele nasceu no Brasil e virou instituição nacional

Ler mais
UOL/Nossa

Por que amamos padaria? Como os paulistanos moldaram sua paixão pela padoca

Ler mais
Topo