Festa junina, tchê!

Quentão diferente e bombacha: irmãs relembram tradições gaúchas para o São João e ensinam a fazer queijadinha

Flávia G. Pinho Colaboração para Nossa Getty Images/iStockphoto

Vestido rodado de prenda no lugar do caipira, bombacha e bota em vez de calça remendada, música nativista na gaita e no violão embalando os casais. No mês de junho, é assim que o Rio Grande do Sul comemora os dias de Santo Antônio, São João, São Pedro e São Paulo.

Bairrista que só, o gaúcho faz questão de diferenciar sua festa junina dos arraiais que acontecem em outros estados do país - e as irmãs Estima não ficam atrás.

Nossa festa junina não é country nem caipira. Os homens usam a pilcha, roupa tradicional com bombacha, camisa e lenço, e as mulheres vão de prenda. E lá não tem essa de festa julina, os festejos só acontecem mesmo em junho" Laura Estima, doceira

"Os vestidos são rodados, sofisticados, cheios de rendas, fitas e passamanarias. A gente dança arrumada", emenda Luiza.

A dupla mora em São Paulo faz tempo. Luiza é escritora e promove eventos de escrita criativa ao redor da comida e do café, seus temas favoritos. Laura é doceira de mão cheia, dona da confeitaria Doce de Laura, na Vila Madalena.

As receitas das festas juninas gaúchas, claro, estão entre as lembranças mais vivas das irmãs, que cultuam a tradição até hoje. Laura contou para Nossa qual é o quitute mais vendido em sua doceria e, no final desta reportagem, ensina o preparo tintim por tintim.

Tempero gaúcho

Elas contam que a bebida que a gente conhece como quentão, aqui no Sudeste, para o gaúcho é outra coisa — é feito com vinho tinto de garrafão, um tantinho de açúcar e especiarias, como cravo e canela. Tem que ser quente de verdade, quase sapecando a boca, para o gaúcho enfrentar as noites geladas, com termômetros chegando perto de 0ºC.

As comidas gaúchas até que guardam certas semelhanças com os quitutes juninos Brasil afora, porque também tem muito milho e amendoim. Só que o jeito de comê-los, conta Laura, é bem particular.

"Não lembro de paçoca macia nas festas da minha infância, só de pé de moleque, daqueles duros de quebrar os dentes, que a Nana, nossa babá, costumava preparar em casa. Ela assava os amendoins no forno. Depois a gente sentava com ela, em frente à TV, para ajudar a tirar a pele. Eu comia um monte antes que ela terminasse a receita", Laura confessa.

Na panela, Nana fazia uma calda clara de açúcar e água. Quando borbulhava, era hora de jogar os amendoins. "O melhor de tudo é comer o pé de moleque ainda quentinho", diz Laura.

Também tinha amendoim doce com casquinha crocante, feita com açúcar e Nescau, e muita rapadura embrulhada em palha de milho, produzida em Mostardas, cidade espremida entre a Lagoa dos Patos e o mar, onde o avô das meninas tinha uma fazenda.

Lembro que a gente também adorava uns palitos chamados puxa-puxa, que vinham enrolados em papel de seda, com gosto de açúcar queimado. Deviam render um bom mercado para os dentistas"

Cadê o bolo que estava aqui?

No quesito bolos, sempre assados em tabuleiros, o de milho era garantido, assim como a cuca, receita tradicional da região sul, de origem alemã — ela fica entre o bolo e o pão, porque leva fermento biológico, e recebe uma farofinha doce deliciosa no topo.

Só que nenhum deles, na opinião das duas irmãs, ganhava do bolo inventado pela mãe delas, dona Beatriz, para as festas juninas da escola das filhas. Batizado com o sugestivo nome "quem come pede mais", tinha massa de chocolate e glacê bem branquinho de açúcar com limão. Cortado em pequenos losangos, o bolo sumia rápido. Laura não esquece:

Certa vez, as famílias entregaram os doces antes da festa. Quando começou, nosso bolo já tinha desaparecido, as professoras haviam comido tudo"



Bah! Sem moleza

Terra que tem muitas araucárias sempre tem pinhão de sobra nas festas juninas. Mas gaúcho que se preza, diz Luiza, desdenha de pinhão descascado, coisa de paulista comodista. Cozidos na água com sal, os pinhões eram servidos quentes — e cada um que lutasse para tirar a casca com os próprios dentes.

Gaúcho não quer moleza e gosta de tudo o que é difícil. Tem que quebrar o dente no pinhão e no pé de moleque."

Carne bovina, é claro, não podia faltar, e as festas juninas são a única ocasião em que o gaúcho admite servir churrasco no formato de espetinhos. No resto do ano, nem pensar.

Tempero paulista

Como já têm mais tempo de São Paulo do que de Rio Grande do Sul, as irmãs Estima acabaram mesclando as tradições aprendidas na infância com os costumes do sudestinos. O cardápio foi sendo adaptado ano a ano, nas festinhas juninas das escolas dos filhos, e incorporou outros quitutes.

Um deles, a queijadinha, faz tanto sucesso onde aparece que entrou permanentemente no cardápio temático da Doce de Laura. A doceira não tem certeza de onde tirou a receita, mas desconfia que foi copiada de um antigo livro do açúcar União.

O preparo envolve duas etapas, dá um pouquinho de trabalho, mas compensa, porque rende bolinhos macios, úmidos, uma explosão com gosto de coco e queijo misturados.

Elas também modificaram um tantinho a produção. Os longos vestidos rodados de prenda eventualmente são trocados por jeans e camisa xadrez, mais práticos, combinados com maria-chiquinhas e sardas falsas desenhadas a lápis, como é padrão nas fantasias da caipira paulista.

Mas de uma coisa, as duas não abrem mão: junho é mês de festa junina, nem que seja no apartamento. Não tem negociação.



Queijadinha

Ingredientes

1ª etapa

  • 330 g de farinha de trigo
  • 100 g de amido de milho
  • 130 g de açúcar
  • 230 g de manteiga
  • 2 gemas

2ª etapa

  • 300 g de coco ralado
  • 1 colher (sopa) de manteiga
  • ½ colher (sopa) de essência de baunilha
  • 255 ml de leite
  • 100 g de parmesão
  • 132 g de muçarela ralada
  • 1,2 kg de açúcar
  • 30 gemas
  • 5 claras

Modo de fazer

1ª etapa

Misture os ingredientes secos, acrescente a manteiga e misture novamente. Adicione as gemas e incorpore à massa. Reserve.

2ª etapa

Misture o coco e a manteiga, incorpore a essência de baunilha e, aos poucos, acrescente o leite e os queijos. Misture bem. Por fim, adicione o açúcar e os ovos.

Finalização

Forre uma assadeira untada e enfarinhada com a massa da primeira etapa, fure com um garfo, coloque a mistura da segunda etapa por cima e cubra com papel-alumínio. Asse em forno baixo, a 180ºC, por cerca de 1h30, até endurecer. Remova o papel-alumínio e termine de assar até dourar.

Mais receitas (juninas) de família

Fernando Moraes/UOL

Curau de milho

Chef Rodrigo Oliveira abraça tradições nordestinas com receita afetiva

Ler mais
Milena Medeiros/UOL

Munguzá salgado

Chef Onildo Rocha ensina prato junino do seu arrasta-pé de família paraibana 'raiz'

Ler mais
Rafael Martins/UOL

Bolo de macaxeira

Feito com especiarias, doce é legado junino em família de cozinheira baiana

Ler mais
Topo