Samba à francesa

O sotaque não nega as origens, mas Olivier Anquier se considera um "brasileiro da gema"

Carlos Eduardo Oliveira Colaboração para Nossa Fernando Moraes/UOL

Cozinheiro, restaurateur, padeiro (a terceira geração do mesmo clã). Empresário, apresentador de TV, piloto de motocross, gringo que adotou o Brasil para chamar de seu — cabem muitos Oliviers no mesmo Anquier.

Dono de restaurantes do primeiro escalão, conhecido do grande público por conta de programas de TV, o ex-francês boa pinta chegou por aqui ainda garotão só pra curtir um verão ("e sem ser rico", ele ressalta). Confrontado com a alma brasileira, identificou a terra brasilis como seu lugar no mundo. Encantou-se. E ficou.

Seu PhD veio através do "Diário do Olivier", programa que ele mesmo criou e no qual rodou anos a fio pelos rincões do país a bordo de um Fusca e espírito aberto.

Foi o primeiro programa culinário moderno da TV. Descobri particularidades e símbolos que só o Brasil tem. Mas principalmente, descobri a essência do brasileiro, que eu adoro".

À frente do Esther Rooftop, do igualmente bem-sucedido L'Entrecôte D'Olivier ("um sucesso improvável que inspirou outros restaurantes de um prato só") e de unidades da sedutora padaria Mundo Pão do Olivier, o multifacetado personagem soa genuíno ao ratificar seus propósitos: "gosto de elevar pontes para aproximar mundos e pessoas".

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No coração da metrópole

Há muito que o chef escolheu morar no centro da capital paulista. E ter seus negócios lá, inclusive: o restaurante Esther Rooftop fica alguns andares abaixo de seu lar, no edifício homônimo, debruçado sobre a Praça da República.

Quando decidi abrir restaurante no centro, tinha que ser algo ousado, impactante. Estamos na alma da cidade, que é de todos. Eu queria trazer ao centro as pessoas que eram avessas a ele, que diziam, 'nunca fui, nem irei'".

No térreo do mesmo edifício, Anquier abriu a descolada padoca Mundo Pão do Olivier, logo a esquina da Sete de Abril com a Avenida Ipiranga virou "point" e funcionou bem durante anos, até a chegada do corona. Apesar do abandono das autoridades, sua fé no entorno segue inabalável.

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"Costumo dizer que as plumas que perdi para a pandemia têm cheiro de pão"

Olivier Anquier, Sobre o fechamento do Mundo Pão do Olivier no centro de São Paulo

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Sem negacionismo

Anquier protesta: alega que não foi bem assim como o divulgado. Fato é que, no começo de 2020, início do lockdown, seu nome bailou na berlinda, por conta de um evento no litoral norte paulista.

"Em 2019, eu havia sido contratado pela prefeitura pra fazer um evento em São Sebastião. Cozinhar ao vivo, no palco, para mais de mil pessoas. Três dias antes, entrou o primeiro lockdown".

Eu respeito os meus contratos. E respeito a lei. Veio a data, e eu fui fazer. O prefeito estava comigo no palco. Poucos dias depois, colocaram minha cabeça no cepo. Ora, não sou um monstro. E se sou, o prefeito também é".

O chef afirma que, semanas depois, fechou todos os restaurantes e foi com sua esposa e filha para seu sítio no Vale do Paraíba, onde ficaram por quatro meses direto.

Alguém sabia que haveria pandemia? Não. Tem gente que ainda hoje me pergunta se não tive medo. Claro que não, porque àquela altura, havia pouca ou quase nenhuma informação circulando sobre o contágio.

Olivier Anquier

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Alma francesa, coração brazuca

Parisiense, Olivier Anquier desembarcou no Rio aos 20 anos no início do verão de 1979 para um mês de férias. Esticou a estadia para três meses, para não perder o Carnaval de 1980.

Finda a folia, encarou o espelho: "Ok, está claro que você quer ficar no Brasil. Mas por quê? O que esse país está despertando em você?".

"Conclui que a razão de querer ficar — sem ser rico, importante frisar — foi o encantamento com o brasileiro e seu jeito de viver, de encarar a vida, que é único no mundo. Com o modo brasileiro de se relacionar, de resolver problemas e adversidades com uma leveza muito particular".

Concluiu também que, com tão determinada decisão como ponto de partida, seria inescapável que se naturalizasse, no futuro. O que acabou acontecendo, anos mais tarde.

"Ao decidir ficar, tratei de me esforçar para me inserir na comunidade brasileira. Um esforço que perdura até hoje, especialmente de falar bem o português e seu rico vocabulário, apesar do sotaque que não dá para tirar".

Anquier vota no Brasil. Só não revela em quem.

Sou mais brasileiro que muito político por aí. Porque eu escolhi ser brasileiro

Olivier Anquier

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Estrela da TV

A TV surgiu em 1997 em um quadro de cozinha na TV Record. No ano seguinte, durante a Copa do Mundo da França, apresentou na Globo pílulas sobre o cotidiano francês. "Foi um sucesso, ali tive a certeza de que queria fazer TV".

O GNT comprou seu projeto para o "Diário do Olivier", espécie de road movie culinário Brasil afora. "Foram 20 anos no ar, de 1998 a 2018, creio que ajudei a inocular no espectador a paixão por cozinhar, primeiro rodando pelo Brasil, depois, pelo mundo".

Nesse meio tempo, também pilotou no próprio GNT o "Cozinheiros em Ação", primeiro reality culinário da TV brasileira, "um ano antes do MasterChef", faz questão de frisar.

Em 2018, o chef entrou para o "Bake Off Brasil", no SBT, de onde saiu recentemente.

O programa tinha um astral muito particular. Era uma troca, uma soma, para tirar o melhor deles, fazê-los evoluir. E o mais importante de tudo: sem humilhação. Entendeu, né?", alfineta.

Com milhagem pelas principais emissoras do país, Olivier tem opiniões cristalinamente assertivas sobre os meandros televisivos.

"TV é o universo do ego. Como não faço parte desse ego exacerbado, o que fez o 'Diário do Olivier' durar tanto tempo foi a consistência do produto, que era ótimo para o GNT. Ao lado do 'Manhattan Connection', eu era uma das locomotivas do canal, que foi inaugurado em 1997. Um ano depois, eu já estava lá".

Ok, mas e a TV aberta? "Na Globo, tive passagem rápida, mas impactante. Mas não solicitaram mais minha presença por lá. Talvez porque não me dobro a certos poderes. Na Record, idem, mas de outra forma. Já no SBT é mais interessante, mais humano. Não sei se vai durar, espero que sim. Porque, humanamente falando, é o lugar onde melhor me senti até hoje".

Eu não administro o rótulo de 'chef galã' ou de celebridade. Se interpretam o personagem assim, não é algo que pedi ou desejei. Mas que eu assumo, como faço com as boas ou as más críticas. De certa forma é um privilégio, que te permite crescer, evoluir.

Olivier Anquier

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C'est la vie

Nascido e criado em Paris, mas com, nas suas palavras, "rica educação rural" na casa da avó em Champagne (a 150 quilômetros da capital), o chef restaurateur é um ser urbano orgulhoso das raízes interioranas.

Seu pai já é falecido, e a mãe, Myriam, 88 anos, vive na Austrália. Em que pesem parentes — tios, sobrinhos — no país, atualmente Anquier admite ter "vontade zero" de visitar a França.

A situação está péssima, e o francês, cada vez mais mal-humorado. Enquanto turismo, ok. Mas até quando? Meu país é aqui. Tenho fé e esperança no Brasil".

Obviamente, tem críticas também. "É assustador, nunca vi o Brasil assim antes, às vezes nem durmo bem, pensando qual futuro minha filha Olivia, de 5 anos, vai encarar. Mas vou além: se a visão de futuro hoje está nebulosa, não é só no Brasil, é o ocidente, o mundo como um todo".

Dentinhos de leite sendo trocados, a gracinha Olivia é fruto do casamento de mais de década com a atriz e empresária Adriana Alves — do casamento anterior, com a atriz Débora Bloch, também é pai de Julia e Hugo Anquier, já adultos. Mas não exatamente "paizão".

"Pai muito amigo desprepara o filho. Não sou amigo deles. Meu papel é prepará-los até o momento em que decidem ser independentes. Depois, respeito sua individualidade e liberdade. Comigo foi assim", explica, pelo estilo, digamos, "europeu", de paternidade, com um quê de distanciamento da prole mais crescida.

É a esposa Adriana quem administra seus (vários) negócios — há mais padarias a caminho.

"Sou branco, casado com uma mulher negra, e tenho uma filhota linda. Felizmente raríssimas vezes vivemos situações preconceituosas, e as que aconteceram, acredito terem sido pontuais, e não sistêmicas. Mas o racismo no Brasil é um mal inegável".

Palavra de chef

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