A vovó do Brasil

Palmirinha, a avó mais querida do país, morre aos 91 anos: "Com a comida, realizei todos os meus sonhos"

Claudia Dias Colaboração para Nossa

Uma assadeira cheia de sonhos recheados com creme de baunilha e uma cestinha com empadas cremosas de frango são suficientes para mudar a vida de alguém. A afirmação pode soar utópica ou, no mínimo, exagerada, mas foi exatamente isso que aconteceu com Palmirinha, a carismática vovó cozinheira e apresentadora, que morreu neste domingo (7), em São Paulo.

Ela estava internada na Unidade Paulista do hospital Alemão Oswaldo Cruz desde o dia 11 de abril, e faleceu decorrência de agravamento de problemas renais crônicos, segundo um comunicado da família.

É o adeus à vovó mais querida do Brasil, que há mais de cinco décadas transformou as panelas em fonte de renda. Graças à comida, ela superou uma vida bastante difícil e conseguiu realizar todos seus desejos e projetos pessoais. "A cozinha pode mudar vidas. Se a Palmirinha conseguiu, imagina se você não pode, minha amiguinha?", disse a apresentadora, em entrevista a Nossa em 2020 — os demais depoimentos que você lerá nesta reportagem são dessa entrevista que fizemos com ela no seu aniversário de 89 anos.

Não por menos, o foco de seu trabalho de quase 30 anos na televisão sempre foi ensinar às pessoas receitas simples, práticas e não menos deliciosas, que podem ser preparadas e comercializadas para reforçar o orçamento, inspirada em sua experiência pessoal.

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Aos 5, já na cozinha

Batizada Palmira Nery da Silva Onofre, nasceu em um sítio de Bauru, no interior paulista. A mãe, Anna, era imigrante italiana e o pai, Felipe Nery, baiano. Ao lado dos quatro irmãos, Palmirinha passou a primeira fase da infância na zona rural.

Não demorou muito e a família se mudou para a cidade, onde os pais abriram o primeiro hotel bauruense. Foi na cozinha da hospedaria que Palmirinha teve os primeiros contatos com a cozinha, aos 5 anos de idade, ajudando a mãe a preparar carnes, mesmo precisando subir em banquinhos para alcançar as grandes panelas.

Cerca de um ano depois, eis que acontece uma mudança na vida da garotinha. Diante do convite de uma francesa em levar a então menina para São Paulo, o pai enxergou a oportunidade de uma vida melhor para a filha na capital.

Foi com essa senhora, Georgette, que Palmirinha aprendeu mais sobre culinária, inclusive pratos sofisticados. "Ela me ensinou vários tipos de receita que fazia na França, como creme bechamel e mesmo pudim de leite condensado, que eu não conhecia", revelou. A sobremesa clássica, aliás, foi o primeiro prato que ela preparou sozinha.

Após a morte do pai, Palmirinha voltou a Bauru para trabalhar e ajudar na criação dos irmãos. Tinha 14 anos à época.

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Sonhos para comprar uniforme

Ainda no interior paulista, casou-se aos 19 anos com Mário Onofre, pai de suas três filhas: Tânia, Sandra e Nancy. Ele tinha uma oficina mecânica e, em algum momento, acabou perdendo tudo. Com as meninas a tiracolo, mudaram-se para a capital — na cidade pequena, Palmirinha seria mal vista se começasse a trabalhar.

Em São Paulo, ela encarou os mais diferentes tipos de serviço: trabalhou em fábrica, fez faxina, preparou café e limpou escritórios no centro da cidade, lavou carros, engraxou sapatos, entre outras atividades.

Ganhar dinheiro com comida não foi algo planejado, mas uma necessidade pontual: comprar uniforme escolar. Até então, as meninas frequentavam aulas em horários diferentes, alternando o uso do uniforme.

Em 1965, quando Palmirinha tinha 35 anos, duas filhas passaram e estudar no mesmo turno. Não havia uniforme para ambas. Depois de um mês, a escola exigiu que fosse providenciado outro blusão ou uma delas não poderia mais frequentar as aulas.

Palmirinha não pensou duas vezes: pediu dinheiro emprestado a uma amiga para comprar a roupa. No fim de semana seguinte, resolveu preparar sonhos para vender na vizinhança. "Peguei uma receita de pão doce que minha mãe fazia no sítio, que era nosso panetone, e transformei". Detalhe: ela não sabia preparar o creme de confeiteiro, então comprou um pudim semipronto para o recheio.

Fez 30 sonhos, colocou numa assadeira e saiu batendo de porta em porta na região da Vila Mariana, onde sempre morou. Vendeu tudo em 10 minutos, voltou para casa, fritou mais uma leva, que igualmente acabou logo. No dia seguinte, já conseguiu repor o valor emprestado, o que a animou a reforçar o orçamento com comida.

Começou a preparar salgadinhos nos fins de semana, que eram deixados para venda no salão da cabeleireira Hilda — que frequentou até os últimos anos de vida, diga-se. A amiga também anotava pedidos de novas encomendas.

Empadinhas da fama

A "estreia" de Palmirinha na TV foi por acaso, nem aconteceu logo. Entre os inúmeros trabalhos que assumiu para sustentar a casa e ajudar as filhas, antes e depois de se separar, também cozinhava para pessoas influentes. Entre elas, havia uma diretora da apresentadora Silvia Poppovic, que à época tinha um programa na Band.

Como Palmirinha era muito falante, a diretora perguntou se ela toparia participar da edição que abordaria o tema: "Criei meus filhos sozinha". A cozinheira de então 62 anos aceitou e, como gentileza, levou uma cesta cheia de empadinhas para presentear a anfitriã.

Silvia Poppovic achou a atitude tão tocante que resolveu contar na TV que Palmirinha trabalhava com comida, divulgando o número do seu telefone. Foi um sucesso: as encomendas dispararam.

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Acorda, menina!

Não foram só os clientes que se encantaram com a história daquela senhora simpática, de fala doce, que revelava ser guerreira gigante dentro do seu 1 metro e meio de altura.

Pela desenvoltura em frente às câmeras, foi procurada pela equipe de Ana Maria Braga, naquele momento contratada pela Rede Record. A cozinheira faria uma participação no programa "Note e Anote".

Ocorreu tudo tão bem que Palmirinha permaneceu como colaboradora da atração por 5 anos. Curiosidade: foi Ana Maria Braga quem deu o nome artístico de Palmirinha, já que a vovó a chamava de Aninha.

Em 1999, surgiu uma proposta na TV Gazeta, onde a cozinheira trabalhou por 11 anos, sendo colaboradora do "Mulheres" e do "Pra Você", até que ganhou seu próprio programa, o TV Culinária, que comandou até 2010. Foi ali que nasceu o "minhas amiguinhas e meus amiguinhos", frase automaticamente ligada à apresentadora.

"Quando eu entrei na Gazeta, não conseguia lembrar o nome de todas as mulheres e as chamava de amiguinhas. Mas os homens e os jovens começaram a reclamar. Aí eu comecei a chamar 'minhas amiguinhas e meus amiguinhos' e eles são minha paixão até hoje", disse a Nossa em 2020.

Em 2012, a apresentadora voltou à telinha à frente do "Programa da Palmirinha", na Fox Life, onde ficou até 2015.

Comida boa é a trivial

Esqueça cardápios sofisticados ou pratos que você nem imagina quais ingredientes foram usados no preparo. Palmirinha gostava, mesmo, é da comida trivial, do dia a dia. Arroz e feijão soltinhos, carne assada, uma bela macarronada, bife acebolado e polenta mole com frango bem temperadinho lideravam o ranking das suas preferências à mesa.

São pratos, aliás, que ela costumava elaborar com certa frequência e que preferia ela mesma cozinhar "com molho de tomate mesmo, sem aqueles industrializados".

Brajolinha (bife de coxão duro ou patinho, recheado com bacon, cebola, cenoura e pimentão) é outro prato que surgia em sua cozinha. Também gostava muito de fazer lagarto recheado ou, então, o lagarto só na panela, igual a sua mãe havia ensinado: virando para ficar dourado para, depois, cortar em fatias. "E se sobrar, já aproveita para fazer lanche", contou.

Como boa italiana, a vovó cozinheira também gostava de preparar massas — do pão de sítio e pão recheado com presunto ao bolo de fubá que aprendeu com a mãe.

Para copiar a Vovó Palmirinha

Três receitas que fizeram parte da história da avó mais carismática das cozinhas

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Sonho de padaria

A guloseima que foi o pontapé para seus negócios na cozinha.

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Empada cremosa de frango

O quitute que levou a Silvia Poppovic na sua primeira na TV.

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Pudim de leite

Foi a primeira receita que preparou sozinha na vida.

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"Quem não gosta de um elogio?"

Palmirinha se realizava quando ouvia um "Que delícia!" depois de uma garfada em pratos que ela preparou. "Quem não gosta de ganhar um elogio, né?", dizia. Se o aplauso vinha de um dos seis netos ou dos cinco bisnetos, então, ficava ainda mais faceira. "Fico encantada quando eles comem com gosto o que eu faço", revelou a Nossa.

Quando recebia pedidos especiais dos netos, ia correndo atender o desejo, seja um bolo de brigadeiro, uma cocadinha ou alcachofra ao alho e óleo. "Gosto de fazer tudo por eles. Eles são maravilhosos; são minha paixão".

Os dotes culinários, a propósito, se manifestam em várias pontas da família. Há sobrinhas que trabalham com comida, no Paraná e no Maranhão. Além disso, a filha mais velha, Tânia, tem um empório, e a neta Adriana abraçou a confeitaria como profissão.

Ninguém por perto

Apesar do perfil cativante que fazia todo mundo querer ser neto de Palmirinha, ela era da turma que não gosta de ajudantes quando vai para o fogão. Dizia: "Gosto de eu ficar mexendo, de eu ficar colocando os ingredientes porque, se sair errado, fui eu quem errei".

Uma das poucas exceções em que preferia ser servida é quando queria comer galinhada. Esse prato era a especialidade da filha, sempre requisitada quando Palmirinha estava com saudade de comer.

Sou fã desse público maravilhoso que me assiste, me acompanha, não me abandona e tem o maior carinho quando me encontra em supermercado, shopping, me abraça, me beija. É um carinho só"

Palmirinha, Em entrevista a Nossa em 2020

"Me emociono com o carinho que recebo"

É difícil encontrar uma única entrevista de Palmirinha na web em que ela não se emocionava, seja relembrando o passado difícil que teve ou falando dos projetos que conquistou e realizou durante a vida. Ela revelou para Nossa a razão:

"Sempre fui emotiva, porque eu nunca tive esse carinho que eu estou recebendo das pessoas. Em todos os programas que eu vou, em toda televisão, é aquele amor, com aquele carinho que eu nunca tive. Eu só tive sofrimento, então esse carinho me deixa emocionada e eu choro".

As lágrimas também surgiam toda vez que o nome de Ana Maria Braga entrava na conversa. Palmirinha nutria por ela um carinho muito grande e contava: "Ela me ajudou a vencer na vida, me ensinou a falar na TV, a me comportar. Tenho muita paixão e muita gratidão".

Palmirinha em pratos

Amigos e filha contam quais receitas têm uma ligação quase sentimental com a vovó

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Ana Maria Braga, apresentadora

"Eu vi muita doçura na primeira vez que encontrei a Palmirinha. Então a chamei para fazer os quitutes que ela sabia no programa Note e Anote. No primeiro dia, ela estava muito assustada, mas aprendeu rapidinho e se tornou esse fenômeno que é até hoje. A receita que mais me lembra ela é o camafeu, um doce de nozes com um fondant inesquecível"

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Felipe Bronze, chef e apresentador

"A Palmirinha era a representação física da cozinha de um período histórico, que fica guardada no coração da gente. Os grandes jantares, dos banquetes, aquelas comidas deliciosas que temos vontade de morder para sentir sabores de memórias. Se tivesse que escolher UM prato que a represente, seria o camafeu. É elegante, de sabor intenso e vibrante"

Arquivo pessoal

Sandra Bucci, filha de Palmirinha

"Um dos meus pratos seria o nhoque. Para mim, relembra um tempo de infância, em que, aos domingos, a gente sentava à mesa, todos juntos, eu, minha irmãs, minha mãe e meu pai também. Ou, às vezes, um primo ou prima vinha visitar. Todo mundo comia e era um delícia"

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