As várias faces do Panamá

Praias espetaculares, ilhas selvagens, banhos de cachoeira: descubra o país muito além do Canal do Panamá

Eduardo Burckhardt De Nossa, da Cidade do Panamá

Este parágrafo acima não fui eu que escrevi. Está nos folhetos de divulgação do Panamá. E por qual razão decidi abrir esta reportagem com ele? Justo eu, que sempre tenho um pé atrás com merchandisings turísticos que pintam com cores exageradas um destino.

Escolhi este texto porque — ao contrário daquele meme "expectativa X realidade" — ele acabou resumindo, com exatidão, a experiência que tive em uma semana explorando o Panamá. Depois que li, foi impossível desver. E aqui está.

Descobrir o país que vai além do Canal do Panamá — para muitos, a única referência desse naco de terra da América Central — era o objetivo da viagem.

No caminho, topei com pessoas que me ajudam aqui a contar esta história, da guardiã da cultura Congo ao guia que cresceu em trilhas ao pé de um vulcão. São as faces autênticas de um Panamá "para aqueles que procuram mais do que o esperado" — e isto nenhum folheto consegue replicar.

Partimos da capital com foco em duas regiões. De carro, perto de 100 quilômetros nos levaram até Portobelo, na província de Colón, para o encontro com as praias azul-turquesa do Caribe, as florestas tropicais e histórias de piratas e escravizados.

Depois, cruzamos o Panamá de avião até a província de Chiriquí, na fronteira com a Costa Rica. Agora para mergulhos no mar do Pacífico em Boca Chica, passeio de barco ao lado de baleias-jubarte, rafting (com emoção) e plantações que produzem os cafés mais valiosos do mundo, em Boquete. Vamos lá!

Portobelo e a guardiã do congo

"Estamos contentes de compartilhar nossa mesa. Estamos contentes de compartilhar com todos". O canto de Mama Ari ecoa entre as muralhas e canhões do forte Sán Jerónimo, que um dia defendeu esta terra de ataques piratas. A cena é a síntese de Portobelo, uma pérola histórica do Panamá onde as narrativas de colonizadores e da resistência cultural do povo negro se entrelaçam.

Foi em 1502 que Cristóvão Colombo adentrou esta baía do Mar do Caribe, exclamou algo como "Que porto belo!" e assim lhe deu o nome. No início do século 17, ergueu-se aqui o principal mercado de ouro e prata das Américas. Os navios partiam com as riquezas usurpadas do Peru e Equador e chegavam lotados de escravizados.

É nesse tramo que a história encontra Mama Ari. Esta figura emblemática de Portobelo é considerada a guardiã da cultura congo, que celebra por meio de danças, canto e tambores o legado de seus antepassados contra a escravidão — e até faz troça com os colonizadores, representados como diabos nas fantasias em vermelho e preto.

"Tenho que levar todos esses saberes à nova geração", diz a matriarca enquanto caminhamos pelas ruas de pedra até a Real Aduana. O antigo prédio da alfândega onde escravizados chegavam ou, mais adiante, negociavam sua liberdade, hoje abriga o belo Museo de la Memoria Afropanameña, que resgata as rotas de tráfico negreiro e a história da cultura congo.

O legado de Mama Ari também chega aos mais novos na Escuelita del Ritmo, onde aprendem os batuques ancestrais, e na Casa Congo, um mix de hospedagem, loja e restaurante — palco de uma oficina culinária na qual preparei, sob o crivo da matriarca, a enyucada, uma torta de mandioca e coco (se ficou bom, não sei, mas ela fez questão de posar para as fotos com o doce).

Selva e praias caribenhas

O mochilão de Jason Schcroft nos assusta. Seria apenas uma hora de trilha, então por que ele chega carregado como se fosse uma expedição? Tem explicação: de uma gaiola grande ele retira uma rã-de-olhos-vermelhos que acabara de achar na floresta — e depois de nos mostrar vai devolver a ela.

Natural de Lake Tahoe (EUA), o conservacionista conheceu cada cantinho da América Central antes de eleger fixar-se no Panamá. "Poucos lugares têm tanto a oferecer para um apaixonado pela natureza", diz.

De fato. As florestas cobrem 63% do país, que tem quase 5% de toda biodiversidade do mundo, protegida por 13 parques. Estamos no primeiro deles, o Parque Nacional de Portobelo, criado em 1973, para desbravar com Jason um petisco dessa diversidade. Na curta caminhada pela selva, encontramos tartaruga, iguana e aranha-de-teia-dourada. Sempre ao som do grito dos monos aulladores, uma espécie local de bugio.

Com 2.900 km de costa, 1.400 ilhas e 2.900 praias, a profusão de espécies também se revela nas águas do Panamá. Em Portobelo, mergulhamos nas ilhas Tres Marías entre as barreiras de corais e peixes coloridos — com direito a ver ao vivo uma "Dory", o peixe cirurgião-patela.

O passeio incluiu navegar pelas Venas Azules, um dos lugares mais bonitos do Caribe, com canais de águas cristalinas, manguezais e praias isoladas. Atracamos na Playa Blanca, uma porção de areia clara e mar azul-turquesa escoltada por uma floresta cujas árvores entram mar adentro. Ali, outra surpresa: um bicho-preguiça dorme sem fazer caso para nossas câmeras — mas entra na minha lista de espécies avistadas.

Eduardo Burckhardt/UOL
El Otro Lado: piscina infinita com vista para a baía

VAI LÁ:

Para ficar: Cinco minutos de barco levam até El Otro Lado, um refúgio com cabanas distribuídas entre a baía e a floresta. O staff organiza passeios culturais e pelas ilhas e praias. Detalhe de luxo: a pedidos, o café pode ser servido em uma estrutura flutuante na represa em meio à mata.

Outra opção em Portobelo, mais econômica, é a hospedagem na Casa Congo, com quartos com vista para a baía. Ali também é boa opção para refeições e comprinhas de artesanato local.

Praias do Pacífico e baleias

"No Panamá, é possível amanhecer no Caribe e ver o entardecer no Pacífico." A frase é um mantra entre os guias de turismo. Na parte mais estreita do istmo, apenas 80 quilômetros separam uma costa da outra. Porém, é possível cumprir o "ritual" de outras formas. Foi o que fizemos.

Partimos da costa caribenha e cruzamos o país de Colón até David, capital da província de Chiriquí. Mais uns 70 km pela estrada chegávamos a Boca Chica, a porta de entrada do Oceano Pacífico. Embarcamos direto no barco para explorar o Golfo de Chiriquí, "um dos segredos mais bem guardados do Panamá" — outro mantra ouvido por lá.

Boca Chica é cercada por 25 ilhas tropicais repletas de vida selvagem. A nossa eleita foi a Gámez que, assim como outras da região, merece o clichê "paradisíaca". Traduzindo: areia branca, mar cristalino, palmeiras e poucos turistas. No primeiro mergulho, uma descoberta: água morninha — desmistificando a fama congelante das praias do Pacífico.

Quem também gosta desta característica são as baleias-jubarte, que migram para essa área de junho e a outubro para acasalar e dar à luz antes de empreender a longa travessia até a Antártica. No passeio, demos a sorte de ver algumas brincando com seus filhotes perto do barco. Uma bela cena para fechar o tal "entardecer no Pacífico".

Eduardo Burckhardt/UOL
Marina do hotel Bocas del Mar

VAI LÁ:

Passeios: o tour para avistamento de baleias acontece de julho até fim de outubro e inclui um tempo de praia em ilhas como Gámez e Bolaños. Custa cerca de 35 dólares nas operadoras locais.

Para ficar: Boca Chica é bem abastecida de hotéis, de bed & breakfasts aos de alto padrão, muitos especializados em turismo pesca marítima, outro atrativo local, como o Bocas del Mar.

Rafting "com emoção"

"Go! Go! Go!". Grita o guia Fredy Caceres assim que levamos mais um sacolejo dentro do bote. O comando tem a força de um "Bora, pessoal!" e a urgência de que todos remem para não ficarmos presos no pé da corredeira potente que acabamos de descer.

Estamos no meio do rio Chiriquí Viejo. Considerado um dos melhores do continente para a prática de rafting, ele tem corredeiras de classes 4 e 5 (numa escala até 7) na parte superior e de 3 na região mais baixa, ideal para novatos que gostam de um trajeto "com emoção", como é o nosso caso.

No percurso de 17 km, percorridos em 3 horas, teremos 35 "rápidos", como são chamados os trechos mais radicais. É preciso jogar-se no chão do bote durante a montanha-russa aquática e depois remar forte até chegar no trecho calmo do rio.

Ufa! Aí é só curtir a paisagem. Garças brancas, biguás e martins-pescadores observam a trupe de turistas. Nas margens, folhagens frondosas intercalam-se com bananeiras — a província de Chiriquí é a principal produtora de frutas e verduras e abastece a capital.

"E a Costa Rica é logo ali", lembra Fredy, anunciando que um bom trecho do Chiriquí Viejo corre pertinho da fronteira. Mas chega de prosa, o próximo "rápido" está aí. Go! Go! Go!

Full Adventures
Fredy registrou todo nosso empenho em um dos "rápidos"

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Rafting: um dos principais locais de saída é a cidade de Boquete, que reúne agências de turismo especializadas em raftings no Chiquirí Viejo, como a Full Adventures. Custa, em média, 70 dólares, incluindo traslados terrestres e lanche.

Melhor época: pode ser realizado durante todo o ano, mas o nível mais alto (e emocionante) do rio é entre outubro e novembro, pico da temporada de chuvas.

Boquete, sem trocadilhos

"Faço trekking nestas montanhas desde que tinha uso da razão", diz o guia César González. Filho de um guarda-florestal, ele foi criado nas trilhas de Boquete, um pitoresco povoado localizado 1.200 metros acima do nível do mar que é um playground natural para aventureiros.

A estrela local é o imponente vulcão Barú, o ponto mais alto do Panamá, com 3.474 metros, e o único lugar do mundo onde, nos dias mais claros, você pode ver os oceanos Atlântico e Pacífico ao mesmo tempo.

É possível chegar ao topo em uma árdua caminhada de 8 horas (ida e volta), partindo da cidade de Volcán, ou, desde Boquete, numa viagem de 90 minutos a bordo de um 4X4.

Não foi dessa vez que subimos, mas ele esteve lá presente durante a caminhada de Las Cascadas Perdidas que fizemos guiados por César. A trilha começa com passagem por uma bamboleante ponte de madeira e cordas — bem ao estilo dos filmes do Indiana Jones — e envereda mata adentro até encontrar três cachoeiras escondidas.

Comprovamos na pele — e nas roupas molhadas pela chuva e neblina — que a chamada floresta nublada que domina a região faz juz ao nome.

Para aquecer depois dessa empreitada, nada melhor que um café. E estamos no lugar certo. A região de Boquete é a terra dos cafés mais valiosos do mundo, tema de nossa próxima parada.

Eduardo Burckhardt/UOL
Jardim do hotel Panamonte: 109 anos de tradição

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Para ficar: Boquete é bem turística e oferece desde acomodações para mochileiros a hotéis-fazenda. Um clássico local é o centenário Panamonte, com lindos jardins, arquitetura colonial e quartos que já receberam personalidades como Ingmar Bergman e Richard Nixon.

Para comer: a avenida central concentra vários restaurantes e cafeterias. Para um jantar em alto estilo, uma opção é o T'ACH, dentro do Panamonte. Ele é comandado por Charlie Collins, um chef multipremiado que leva ingredientes locais à alta gastronomia.

O 'champanhe' dos cafés

"Descobrimos aqui o unicórnio dos cafés." A guia Maria del Pilar Esquivel não mede o orgulho ao falar da estrela local. Com razão: a variedade de café geisha tem ganhado uma aura mítica nos prêmios especializados e já chegou a ser vendida por mais de R$ 65 mil o quilo.

Enquanto fazemos o tour pela finca Don Pepe, nas montanhas de Boquete, Maria explica que, apesar de ser um grão de origem etíope e produzido em 15 países, foi no Panamá que encontrou as condições ideais para se transformar no "champanhe dos cafés".

As fazendas estão localizadas na base do vulcão Barú. O terroir é favorecido pela altitude acima de 1.200 metros, pelo solo vulcânico rico em minerais, pela floresta virgem e pela posição geográfica do Panamá, cuja curta distância entre o oceano Pacífico e o Mar do Caribe proporciona ventos em diferentes direções e amplitude térmica.

O resultado? "O geisha cresce lentamente e tem raízes menores. Com maior tempo de desenvolvimento, o sabor vem com mais detalhes", explica Maria del Pilar.

Ok, vamos provar? No fim do tour degustamos o "unicórnio". Visualmente, parece um "chafé", mas ao dar um gole, quanta diferença. Em vez do amargor de um cafezinho preto, você sente um dulçor suave. Não sou expert, porém, à medida que a guia descrevia aromas como "cítrico" ou "gardênia", imediatamente dava sentir.

A etiqueta de uma degustação de café manda tomar um pouquinho e depois cuspir. Fui obrigado a fugir à regra: bebi a xícara toda.

Divulgação
O café geisha é produzidos em terrenos de altitude, na base do vulcão

VAI LÁ:

Visita: a Don Pepe Estate Coffee fica na região de Volcancito e oferece dois tours diários (9h e 14h), com todas as etapas do processo, do plantio à degustação, que podem ser agendados no site.

Na região: a fama do geisha do Panamá incentivou a criação do Circuito do Café, um novo roteiro turístico que envolve as fincas produtoras e outras atividades de ecoturismo na região. Você pode ver todas opções de fazendas e passeios neste site.

A capital também, 'por supuesto'

Muitos usam o aeroporto da Cidade do Panamá apenas como conexão para o próximo destino. Ledo engano. Vale aproveitar o programa de stopover da Copa Airlines (de até 7 dias, sem custos adicionais) para organizar uma viagem pelos destinos apresentados nesta reportagem e outros lugares famosos, como San Blas.

Está com o tempo curto? Já publicamos em Nossa um roteiro esperto de dois dias na Cidade do Panamá: veja aqui. Ele inclui passeios pelas ruelas charmosas do Casco Viejo, além de dicas para conhecer o Canal do Panamá. Vou somar e estas sugestões quatro descobertas que fiz por lá:

Bogdan Lazar - stock.adobe.com

PARA CURTIR: CasaCasco

O edifício restaurado tem um dos rooftops mais lindos e badalados da capital, mas não apenas isso. Os cinco andares reúnem três restaurantes e uma boate. Dá para começar a festa tomando um drinque na cobertura com vista panorâmica de 360º para a cidade, emendar com um jantar japonês e fechar a noite na balada.

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Jozh Miranda

PARA COMER: AtoZ Experience

São apenas 11 lugares em torno de um balcão onde é servido um menu degustação criado pelo chef Ariel Zebede, que faz uma releitura pra lá de moderna e autoral da culinária panamenha. No total, são 10 a 12 pratos, numa experiência que, ao final, é difícil decidir qual foi o melhor (o que faz valer os 129 dólares cobrados pessoa).

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Reprodução

PARA COMPRAR: Monsters + Rako

Para fugir dos souvenires tradicionais, vá direto para essa lojinha. Ela é tocada pelos irmãos Andrés (cujo nome artístico é Rako) e Estefanía Rivera (fundadora da marca de design Monsters), que estampam seus desenhos originais e cheios de humor em caderninhos de viagem, roupas e presentes (de imãs a pôsteres).

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Reprodução

PARA FICAR: Hotel La Compañía

No coração do Casco Viejo, o hotel tem quartos que ocupam a ala colonial francesa, construída por padres jesuítas em 1739; a ala colonial espanhola, que remonta a 1688; e a ala norte-americana, dos idos de 1904. Tudo revitalizado com um mix luxo-contemporâneo. Dica: não perca o fim de tarde no rooftop com vista para a cidade.

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* O jornalista viajou a convite do Visit Panamá.

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