ASPEN FALA PORTUGUÊS

Como a estação de esqui nos EUA virou o destino de inverno queridinho de famosos e empresários brasileiros

Manoella Bittencourt De Aspen, Colorado, nos Estados Unidos Getty Images/iStockphoto

A luz vermelha de uma charmosa adega ilumina o nome do país conhecido mundialmente pelo verão 40º. Está lá, estampado em letras escritas à mão nas paredes do único hotel cinco estrelas de Aspen: BRAZIL — assim mesmo, com Z.

É a primeira pista de que, sim, esta região de esqui virou um apêndice do território brasileiro no coração dos Estados Unidos. Especialmente entre dezembro e abril, quando as neves fazem ferver Aspen e Snowmass — o vilarejo vizinho (e mais exclusivo, diga-se) —, uma considerável parcela dos 'moradores' ocasionais fala português.

Somos tantos — e tão ricos — por lá que ganhamos até um apelido: Brazilionários. Se existisse um dicionário à la "Succesion", série que sacramentou o termo quiet luxury, o verbete seria definido como: grupo de endinheirados brasileiros que adoram o estilo de vida de Aspen.

"Os brasileiros estão por toda parte", confirma para mim o CEO de Aspen Snowmass, Geoff Buchheister. Não são todos milionários, obviamente, mas não dá para negar que é preciso bala na agulha para desfrutar o destino — e fingir naturalidade quando cruza com uma celebridade (e isso vai acontecer).

O que contribui para esse fenômeno? Descobrir isso foi uma das minhas missões nesta reportagem. Let's go.

Getty Images/iStockphoto

Para muitos brasileiros, a experiência em Aspen vai além dos esportes de inverno e do clima de vilarejo nevado de filme de locadora. É a chance de se ver refletido nas mesmas vitrines que já espelharam Mariah Carey, Rihanna, Paris Hilton, as irmãs Kardashians e tantos outros nomes que frequentam as luxuosas grifes do destino no Colorado.

Gera um tipo específico de pertencimento que se traduz ao encaixar as botas nos esquis observando os rastros brancos no céu deixados pelo ir e vir dos jatos privativos — e são muitos: 80% dos tráfego aéreo em Aspen é de aviões particulares.

Afinal, se você chegou até aqui, saiba que o tratamento digno de celebridade é o mesmo para todos os CPFs. Estar entre os internacionais e viver o que Anitta, Luciana Gimenez e Alessandra Ambrósio já experimentaram faz parte do charme. O bom atendimento é um trunfo do comércio e da hotelaria local, garantindo a fidelização dos visitantes — mas os motivos para retornar ao aconchegante aeroporto da cidade vão além.

Estar aqui em Aspen já representa tudo. Você não precisa provar para ninguém que conquistou algo na vida. Basta olhar para os lados e ver lojas frequentadas por celebridades ou empresários brasileiros fechando negócios. Não precisa ser dito ou ostentado, fica nas entrelinhas.

Isabella Pires, brasileira que trabalha na loja de artigos de esqui mais exclusiva da cidade

A cerca de 20 minutos da Main Street de Aspen, a charmosa Snowmass Village é parada obrigatória para os viajantes. Os brasileiros que buscam fugir do burburinho podem usufruir do conforto, privacidade e fácil acesso às pistas — o famoso ski-in/ski-out, ir do hotel direto para a neve, sem perrengues chiques —, além de bons restaurantes e um après-ski (o happy hour na neve) com retorno descomplicado à vizinha Aspen, onde o clima é mais agitado.

Mesmo após mais de 50 anos de tradição, Snowmass mantém sua atmosfera cinematográfica desde a inauguração do resort, em 1967. Inspirado nas vilas alpinas europeias, o local foi idealizado pelo ex-esquiador olímpico Bill Janss, que viu no Vale Brush Creek um potencial inexplorado. O resort cresceu rapidamente e, hoje, tem uma comunidade fiel de visitantes.

A história do esqui na região começou com cinco teleféricos e 80 km de pistas. Atualmente, Snowmass oferece uma estrutura sofisticada, três impressionantes parques de neve, diversas opções de hospedagem e a atração principal: a Elk Camp Gondola, um teleférico que proporciona uma jornada ao topo da montanha, em que o cair da neve se mistura com a realização pessoal de estar ali.

Da sacada do Limelight Hotel, a pista de patinação no gelo e a fumaça da piscina aquecida reforçam os motivos que fazem da estação um paraíso para quem valoriza privacidade e bonne vie. Crianças vestindo casacos de grife e gorjetas impensáveis no Brasil evidenciam a exclusividade do local. É ali que a ficha cai: mesmo sem um sobrenome estampado nas colunas de fofoca, você verá e será vista.

Para um povo que emana Come to Brazil em todas as plataformas sociais, estar em uma das mais luxuosas estações de esqui do mundo responde à pergunta sobre a superlotação de brasileiros especialmente em fevereiro: pertencimento. Ou, como define a estudante Nathaly Brito, que encontrei no saguão do Limelight tomando um drinque: "Nós também podemos".

Durante a alta temporada de inverno, a população de Aspen salta de 7 mil para quase cinco vezes esse número, com turistas explorando suas quatro montanhas esquiáveis: Aspen Mountain (Ajax), Snowmass, Aspen Highlands e Buttermilk.

Todas podem ser acessadas com um único passe diário, que chega a US$ 254 (R$ 1.470) por dia ou US$ 1.568 (R$ 9.095) por sete dias.

A primeira vez em qualquer esporte de contato com a natureza costuma ocupar um espaço carinhoso na memória. É adrenalina misturada com contemplação. No monte nevado, não poderia ser diferente.

Queremos evitar a queda, mas ela é justificada ao se distrair com os pinheiros esbranquiçados. Minha experiência com o esqui foi diferente do esperado: depois das orientações iniciais, consegui permanecer de pé durante todo o percurso. Me apoiei na sensação de estar vivendo algo único e tentei absorver a mentalidade dos milionários que fazem do esporte algo corriqueiro.

Eu estava em boas mãos — e isso talvez justifique a lacuna de tombos homéricos na minha estreia na neve. Aprendi sob o olhar cuidadoso da Isabel Clark (com a jaqueta vermelha na foto acima). Quatro vezes competidora nas Olimpíadas de Inverno pelo Brasil, ela compõe a luxuosa lista de instrutores que falam português e tornam o linguajar específico do esqui mais acessível até para os avançados no inglês.

Explorar a montanha de Snowmass, a mais recomendada para iniciantes, é um desafio para além do físico. Sabemos que a visão deve estar concentrada sempre a frente, mas como manter o foco quando, ao seu lado, há um desfile de inverno de looks de Prada, Gucci e outras grifes passando em alta velocidade?

Para mim, o vento no rosto tapado pelos grandes óculos e pano de proteção para o frio já era o suficiente para marcar uma nova conquista. Porém, ao chegar no pé da montanha e devolver os equipamentos personalizados na Aspen Collection (US$ 150 a diária, cerca de R$ 870), a loja mais frequentada pelos famosos e brazilionários, você percebe que, para esta parcela de habitués, um atendimento exclusivo, a grife das roupas ou a possibilidade de alugar uma bota de esqui com aquecimento próprio faz parte da experiência que buscam em Aspen.



A história prateada e artística de Aspen

Os encantos de Aspen ultrapassam as vitrines iluminadas e as grifes estampadas nos uniformes de inverno. A cidade carrega uma luz própria, reflexo de sua história de baixos e sólidos altos. Fundada em 1879, a região prosperou com a mineração de prata e chegou a ter mais de 12 mil habitantes.

O colapso do mercado de minérios, em 1893, levou Aspen a um longo período de declínio — os chamados quiet years (anos tranquilos) —, reduzindo sua população para menos de mil pessoas.

Esse cenário só começou a mudar na década de 1930, quando entusiastas dos esportes de inverno perceberam que a mercadoria mais valiosa da região não estava debaixo da terra, mas caindo do céu.

A virada definitiva aconteceu nos anos 1940, quando Aspen se tornou base de treinamento para soldados-montanhistas durante a Segunda Guerra Mundial. No pós-guerra, a criação da Aspen Skiing Company consolidou a cidade como um dos principais destinos de esqui do mundo.

Hoje, seu passado é orgulhosamente emanado pelos habitantes e moradores de longa data — tão bairristas quanto paulistas e cariocas.

O tempo da prata em Aspen ainda se reflete nas construções restauradas do século 19 e em estabelecimentos históricos. O premiado restaurante Element 47, por exemplo, homenageia essa herança com seu nome inspirado no número atômico do mineral.

A cidade, hoje associada a joias de ouro, também se destaca pela vibrante cena cultural. O Aspen Art Museum, um centro de arte contemporânea com entrada gratuita, é um dos pontos altos da região. Para quem busca uma experiência ainda mais imersiva, o Aspen Meadows Resort é a escolha ideal.

Adentrar o espaço te coloca em uma posição de irrealidade. O complexo abriga o Aspen Institute, fundado por Walter Paepcke, empresário que queria fazer de Aspen mais do que um destino para esportes.

Ele imaginou um espaço para o "exercício mental e cultural", reunindo líderes em um ambiente propício à troca de ideias. O resort mantém sua instigante estrutura original, concebida nos anos 1950 pelo artista austríaco Herbert Bayer, referência da arquitetura Bauhaus.

É um movimento que os visitantes da cidade podem e deveriam fazer sempre, temos muitos acessos gratuitos em Aspen. Venha pelos esportes de inverno, conheça a energia da região, mas se encante também com nosso museu, nossa história, nosso apreço pela arte"

Mary Fox, assistente de serviços ao visitante do Herbert Bayer Studies

O dia a dia é o verdadeiro luxo

Ao caminhar pelas ruas de Aspen, cada detalhe instiga a experiência de um lugar que equilibra história, alta classe e um charme atemporal. Mas não é só esse o marco que os habitantes da cidade buscam deixar. A vida ali existe fora do inverno e das poses com taças de champanhe que pululam nas timelines do Instagram — e nos fazem ter uma imagem preconcebida do destino.

É na conversa com os locais no bar country Silver City que você adere à fissura do velho oeste norte-americano. É na missa semanal voltada aos moradores latinos que entende como tudo é possível no município. É nas bancas de jornal que se depara com uma comunidade que vive para além dos DJs nos pés das montanhas — e como mineira, devo dizer, o ar de interior é reconfortante.

No terminal de ônibus (que, aliás, é um transporte gratuito entre as montanhas), ver ricos donos de propriedades que chegam para a temporada de férias sentando-se ao lado de estudantes locais que buscam seus snowboards após a escola é um lembrete de como a cidade preserva um ritmo cotidiano.

E dizem que é, justamente, esse clima de "vida normal" que coloca Aspen no topo da lista de locais para as celebridades — que aqui podem caminhar como "gente comum".

Para os apaixonados por compras, boutiques como Gucci e Prada dividem espaço com lojas locais como a Kemosabe — famosa por seus chapéus de cowboy e publicações de Katy Perry, os Biebers e a nossa Ana Castela, que recentemente esteve por lá.

Quem gosta de se sentir em casa, deve ir até a livraria Explore Booksellers com um chocolate quente na mão. Os brechós se tornam também uma pedida, como o Susie's, que oferece peças de grife a preços reduzidos. Ainda no centro, o Jerome Hotel conta com uma noite repleta de moradores pós trabalho.

Rose Abello, diretora de turismo e de comunicação aposentada da Aspen Skiing Company e Snowmass, garante que "a cidade é muito acolhedora", e completa:

Se você é bilionário e pode chegar no seu jatinho, ótimo. Mas se economizou para essas férias, será recebido da mesma forma"

O fato de Aspen ter se tornado tão querida pelos bilionários é um processo de múltiplas camadas e o topo de cada montanha pode te dar mais uma peça para responder esse quebra-cabeça, mas uma coisa é certa: "Aspen se vende sozinha", como bem coloca o corretor de imóveis de luxo Zach Lentz, um ex-turista que se apaixonou pela região e decidiu fincar raízes por ali há 30 anos.

Sim, Zach, te entendo. Essa é a vontade que paira em todos que precisam se despedir de Aspen.

O que conhecer em Aspen e Snowmass

Craig Turpin

Atividades para todos os gostos

Para quem deseja aprimorar suas habilidades na neve, Aspen e Snowmass oferecem aulas privadas e em grupo, mas as atrações vão além das pistas. No inverno, há opções como tubing na neve, patinação no gelo e o emocionante Breathtaker Alpine Coaster (foto), uma montanha-russa alpina que percorre a floresta a quase 50 km/h. Vale também conhecer o Aspen Art Museum, um espaço dedicado à arte contemporânea focado em exposições temporárias, que se destaca pela arquitetura envidraçada para o visitante aproveitar a vista montanhosa da região, e oferece seis galerias e um terraço com jardim de esculturas. O lugar é ideal para um dia de turismo urbano

Divulgação

Não deixe de ir

Mesmo que o foco não seja o esqui, aproveite a vista durante a rápida subida no teleférico Coney Express, localizado em frente ao Snowmass Village Mall. Esse novo acesso à montanha utiliza o mesmo passe único do complexo e acomoda até quatro pessoas, oferecendo uma visão panorâmica de 360° da região de Snowmass e Aspen. Além de proporcionar uma experiência única, alivia o congestionamento de visitantes e esquiadores nos dias mais movimentados. O teleférico também leva os passageiros ao topo de Coney Glade e a áreas como Big Burn, Alpine Spring e Sheer Bliss, permitindo que os turistas acessem pontos muitas vezes deixados de lado

Divulgação

Hospedagem

Para uma experiência verdadeiramente luxuosa, o The Little Nell (foto), em Aspen, é a pedida certa. O único hotel cinco estrelas da cidade conta com acesso direto para montanha, famoso ski-in/ski-out, e dispõe de comodidades como concierge, spa, piscina aquecida ao ar livre e cardápio exclusivo para animais de estimação. As opções gastronômicas incluem os restaurantes Element 47 e Ajax Taverne. Em Snowmass, o Limelight Hotel se destaca pelo acesso direto às pistas e uma estrutura de lazer completa, dispondo de uma piscina aquecida, jacuzzi, academia, parede de escalada para os aventureiros e um bar popular entre os fãs do après-ski, com DJs ao vivo e drinques especiais.

Reprodução

Gastronomia

Em Snowmass, o Kenichi é um destaque entre os restaurantes japoneses, oferecendo pratos frescos e combinações autênticas -- dê preferência para o rodízio. Já o Arumn Food, é o local ideal para jantar com a família e amigos, pelas grandes porções que variam entre frutos do mar e culinária árabe. Em Aspen, o Cache Cache (foto) é a escolha perfeita para quem busca um ambiente elegante, oferecendo uma experiência gastronômica que mistura sabores europeus. Não deixe de terminar a noite no bar do restaurante (há chance de encontrar celebridades). Para um momento com clima de morador, o Hotel Jerome, em Aspen, é um dos locais mais falados da região, com um bar que oferece drinques autorais em um ambiente rústico que valoriza a história da cidade

Como chegar a Aspen e Snowmass

Não há voos diretos do Brasil para o aeroporto de Aspen. É preciso fazer uma conexão em outro destino norte-americano. Nossa, por exemplo, viajou a convite da Delta Air Lines, que faz conexão em Atlanta e oferece a categoria Premium Select, com mais espaço para as pernas e cardápio especial durante as horas de voo. Snowmass, por sua vez, está a apenas 10 km do aeroporto de Aspen, podendo ser acessado pelos ônibus públicos ou transfers.

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