PIZZA DE PADARIA

Como as fatias de balcão viraram um patrimônio paulistano e por que são tão irresistíveis

Flávia G. Pinho Colaboração para Nossa

A pizza pode ser italiana, isso ninguém discute. Mas existe uma categoria de pizza que não poderia ser mais brasileira, paulistana da gema: a pizza de padaria. O sucesso é tanto que ela estreou este ano no prêmio Padocaria, que elege as melhores padarias da cidade — e você ainda pode votar na sua preferia no site (veja aqui as finalistas de cada região).

Vendida às fatias no balcão, exibida na estufa aquecida e disponível a qualquer hora do dia ou da noite, a pizza de padaria sobreviveu a todos os modismos que transformaram o setor. Aprimorou-se, é verdade, foi se sofisticando com o tempo, mas continua sendo um patrimônio do qual São Paulo se orgulha e que faz questão de preservar.

100 anos de história

Na padaria Palmeiras, fundada na década de 1920 no bairro de Santa Cecília, as pizzas de balcão se confundem com a história do estabelecimento. "Já houve época em que éramos uma das únicas padarias das redondezas a vender pizza em fatias", garante Marcella Moço, uma das sócias, cuja família administra o lugar há cerca de quatro décadas.

Dos primeiros tempos da padaria, sobraram poucos registros. Marcella se aprofundou na história e descobriu que o nome da casa não tem nada a ver com o time de futebol — o bairro nasceu a partir de um loteamento da Chácara das Palmeiras, o que inspirou o nome de ruas e estabelecimentos comerciais. Mas ela não sabe precisar em que ano a primeira pizza foi assada. Só sabe que elas já faziam parte do cardápio quando sua família adquiriu o lugar.

O ritmo de produção é frenético, parece fábrica. Das 12h às 23h, sem intervalo, discos que rendem oito fatias saem do forno elétrico de lastro, de 12 em 12 unidades, e vão direto para as duas estufas aquecidas, orgulho de Marcella.

Elas têm um segredo que mantém as pizzas quentes e crocantes por mais tempo. Mas nem seria preciso, porque não dá tempo de nenhuma pizza esfriar. Mal saem da cozinha, as pessoas já vão pedindo"

Das 200 pizzas produzidas diariamente, cerca de 150 ficam ali mesmo, no balcão — as demais são servidas inteiras, nas mesas da padaria, ou entram nas mochilas dos motoboys.

Sabores campeões

Manda a tradição que as pizzas de balcão se limitem às coberturas mais comuns, aquelas que todo mundo gosta e garantem melhor saída. Na Palmeiras é diferente. A preferida do público fiel recebe o mesmo nome da padaria e tem como principal atrativo a borda recheada tamanho giga, que chega a ocupar metade do disco.

Todos os ingredientes da cobertura — muçarela, calabresa, Catupiry, presunto, ovos, bacon, pimentão e azeitonas — também aparecem no recheio da borda. O preço (R$ 20,90 pela fatia, R$ 125,90 pela pizza inteira) é salgado, mas não chega a espantar a freguesia. "É a campeã de vendas", Marcella assegura.

As pizzas que são a cara de São Paulo

Getty Images/iStockphoto

Calabresa

Não existe menu de pizzas em São Paulo sem a de calabresa. Segundo a Associação Pizzarias Unidas do Brasil (Apubra), o sabor é o preferido no país inteiro e chega a representar 38,2% dos pedidos. Mas as paulistanas têm uma particularidade: na maioria das pizzarias, a cobertura reúne linguiça em rodelas finas e cebola fatiada, sem queijo, o que é considerado um sacrilégio em outras regiões do país.

Getty Images/iStockphoto

Portuguesa

Terceiro sabor mais pedido no Brasil (13,2%), a portuguesa pode ter nascido nas padarias paulistanas administradas por imigrantes de Portugal. Há quem enxergue, nessa cobertura tão popular, a inspiração da bacalhoada. Segundo o consultor Wilson Ferreira, a versão original só levava presunto picado, ovos cozidos, cebola e azeitonas. Com o tempo, os pizzaiolos passaram a acrescentar muçarela também.

Getty Images/iStockphoto

Frango com Catupiry

Outro sabor que São Paulo inventou e exportou para o resto do país, ocupa o quinto lugar no ranking de preferência do brasileiro, com 4,9% dos pedidos segundo a Apubra. Foi o próprio fabricante do famoso requeijão que teve a ideia, em 1987, de levar para as pizzas o recheio que já fazia sucesso nos pasteis de feira. A primeira a apostar na ideia foi a extinta pizzaria Livorno, na Av. Ibirapuera.

A origem da redonda

Segundo a pesquisadora Silvana Azevedo, especializada em gastronomia italiana, a pizza de padaria nasceu de uma mistura de influências que é a cara de São Paulo. Inauguradas por portugueses e espanhóis, as padarias paulistanas da primeira metade do século 20 tinham bons fornos, que os italianos passaram a usar para assar suas pizzas. Provavelmente foi dessa conexão, Silvana emenda, que nasceu a pizza portuguesa, até hoje uma das preferidas na cidade e até fora dela.

No passado, muitas pizzas de padarias eram produzidas usando a mesma massa do pãozinho francês. Um dos herdeiros da pizzaria Europão, na Vila Mariana, Hermínio Nunes Dias Filho lembra que era assim há 17 anos, quando ele assumiu o negócio fundado pelo pai e pelos tios e implementou o menu de pizzas.

A intenção, com as pizzas, foi criar um produto que aproveitasse o forno de pão, que já estava aceso, e atraísse a clientela a partir das 17h. Só que a gente não tinha pizzaiolo. Os padeiros aprenderam a abrir os discos com a mesma massa do pãozinho"

Hoje, a produção foi aprimorada e o menu de pizzas da Europão lista 30 coberturas salgadas e doces. Muitas vão inteiras para as mesas do salão, mas é possível provar qualquer uma pagando só pela fatia. "É bom vender desse jeito, porque ajuda a divulgar os sabores", Hermínio acredita.

Segredos das pizzas de balcão

Questões de ordem técnica explicam por que as pizzas de padaria têm uma identidade tão particular. Isso vem de longe, do tempo em que as padarias paulistanas não tinham grandes salões para consumo imediato e as fatias, consumidas exclusivamente nos balcões, repousavam por muito mais tempo dentro das estufas.

Segundo Fabio Bruno da Silva, professor do Instituto do Desenvolvimento de Panificação e Confeitaria (IDPC), pizzas destinadas à estufa não podem ser iguais àquelas que vão direto para a mesa.

Para que a massa aguente mais tempo sem ressecar, é preciso aumentar o teor de gordura, preferencialmente com a adição de azeite, além de acrescentar ovos e açúcar. São ingredientes que não costumam entrar em receitas de pizza, mas garantem mais maciez à massa"

Pode reparar: a espessura da pizza de padaria raramente é fina, estilo folha de papel. "Quanto mais fina, mais rápido vai ressecar. O ideal é abrir a massa em espessura de média a grossa", avisa. A terceira lição faz a alegria da geral: quanto mais cobertura, melhor, porque pizza com pouco queijo também resseca com mais rapidez.

Novas tradições

No setor de pizzarias como um todo, em São Paulo e no restante do país, muita coisa mudou na última década — e a moda das pizzas napolitanas, com seus discos individuais de massa bem alveolada, também respingou nas padarias.

Na Bella Paulista, um colosso na região central da cidade, que funciona 24 horas e recebe, em média, 5 mil clientes por dia, as pizzas napolitanas foram lançadas em 2019, junto com a ampliação do salão.

A massa fermenta por 48 horas e recebe coberturas chiques, como cogumelos frescos com queijo Grana Padano, ou a veggie, que leva abobrinha, berinjela, brócolis, tomate e alho confit. Mas a gerente geral Patricia Oliveira admite: o grande sucesso de público continua sendo a pizza de balcão, vendida em fatias, feita do mesmo jeito desde a inauguração, em 2002.

A massa fermenta por apenas 6 horas e recebe coberturas bem misturadonas, do jeito que o paulistano tanto ama. O hit do cardápio é a verona, que leva tiras de bacon frito, bastante muçarela e azeitonas pretas sob uma camada generosa de Catupiry.

A napolitana tem boa saída na hora do almoço, principalmente às sextas-feiras. No restante do dia, especialmente na madrugada, antes ou depois da balada, a pizza em fatias é a que mais vende. Não tem nem comparação"

Mais reportagens especiais de Nossa

Fernando Moraes/UOL

Televisão de cachorro

Por que os frangos assados feitos nas padarias são tão irresistíveis? Descubra os segredos

Ler mais
Fernando Moraes/UOL

Padoca de família

Conheça a história de três estabelecimentos que passaram de pai para filho

Ler mais
Keiny Andrade/UOL)

O que amo na padaria

Apresentadores e influenciadores contam por que o coração bate mais forte nas padocas de SP

Ler mais
Topo