Não é só futebol

História, emoção e adrenalina: como os estádios ingleses enchem em dias sem jogos

Osmar Portilho De Nossa, na Inglaterra Carol Malavolta/UOL

O que se faz com um imenso estádio de futebol assim que o árbitro apita o fim de partida?

Deixá-lo fechado não parece uma boa ideia. Que tal usar todas as emoções e histórias que pairam ali para atrair mais torcedores?

Em uma das ligas mais disputadas na atualidade, a Premier League, os clubes usam de todos os artifícios possíveis para atrair visitantes — torcedores ou não — para suas casas: seja com museus cheios de relíquias, guias especializados, lojas ou até passeios a 46 metros de altura sob a cobertura do estádio.

Tem de tudo.

Nossa esteve no Tottenham Hotspur Stadium, Stamford Bridge, Wembley, St Mary's Stadium e London Stadium para viver essas experiências e contar as histórias das pessoas que mantém esses lugares com sua aura mística para os fãs do futebol.

Apito inicial.

Assista ao vídeo

Um guia apaixonado pelo Tottenham

Mais afastado do centro londrino, o Tottenham Stadium se tornou um ímã para atrair turistas para fora de um roteiro óbvio pela capital inglesa, principalmente sul-coreanos.

A presença em peso dos asiáticos tem nome, sobrenome e número: Heung-Min Son, camisa 7 do clube.

Para cada camisa vendida do Harry Kane, nós vendemos 6 do Son. James Hartley, guia

Vestido dos pés a cabeça com roupas com emblemas do clube, James Hartley é um torcedor fanático do Tottenham Hotspur. O trabalho como guia, que o faz falar sobre o time e suas conquistas — não lá muito relevantes, é verdade —, é motivo de um sorriso interminável durante todo passeio:

"Nós precisamos mudar essa imagem de que nós não ganhamos nada, por favor, escrevam isso", brincou com os jornalistas.

James Hartley, guia que conduz passeios pelo estádio do Tottenham - Osmar Portilho - Osmar Portilho
Imagem: Osmar Portilho

James praticamente saltita pelas escadas por onde passa, abre portas e passagens exclusivas nos bastidores do gigante de Tottenham. Sempre que pode, celebra o estádio, sua modernidade, seu impacto no bairro, e claro, tira sarro dos rivais.

Embora os títulos importantes sejam estejam distantes no passado, o estádio é uma grande conquista e vitrine para o time e seu bairro.

"Estes são os maiores telões de toda a Europa. Olhem para isto, é massivo. Cada um deles tem o tamanho de uma quadra de tênis de Wimbledon. É sério."

James não conduz o passeio como se fosse um guia, e sim um torcedor empolgado por você estar ali. A diferença é que ele tem um crachá liberado em vários acessos.

Quanto é?

Por 27 libras (cerca de R$ 127), o tour básico mostra os bastidores do moderno estádio durante 1h30: vestiários, áreas de recuperação dos jogadores, sala de imprensa, banco de reservas e claro, a entrada até a beira do gramado.

Para quem quiser um grau extra de adrenalina, há um passeio que te leva ao topo do estádio, a 46 metros de altura.

E claro que nós fomos.

New Tottenham Hotspur Football Stadium
Preço: 27 libras (cerca de R$ 127)
Duração: 1h30
Endereço: 782 High Rd, London N17 0BX, Reino Unido
Informações no site oficial

Dare Skywalk: drinques e pernas bambas

Comparar estádios novos e shopping centers pode soar repetitivo — e isso acontecerá algumas vezes ao longo desse texto.

No caso do Tottenham, isso vai além. Isso porque, sendo o mais novo estádio da Inglaterra — foi inaugurado em 2019—, ele mostra como tudo pode ser monetizado em seu interior: até mesmo o teto.

Além dos tours regulares do estádio, há a Dare Skywalk, que custa 39 libras (R$ 242): um passeio por uma rampa do lado externo da estrutura, onde somos presos a cabos de aço e equipamentos de segurança similares aos de escalada e rapel.

Não olhe para baixo...ou melhor, olhe sim!

Depois de um vídeo de instrução sobre mosquetões e roldanas, começamos uma subida por uma íngreme rampa grudada à parede externa de onde se vê a rua.

Já no teto do estádio, vemos as atrações montadas lá em cima: um passeio pela Skywalk, uma plataforma de vidro e uma estrutura onde pode se voltar ao nível da rua por meio de um rapel.

Tottenham Stadium - Dare Skywalk - vista do teto - Osmar Portilho - Osmar Portilho
Imagem: Osmar Portilho

Na passarela, somos presos aos cabos de segurança em dois pontos e iniciamos a caminhada.

Aviso aos fãs de selfies: não é possível levar celulares e nada que possa cair, afinal de contas, o objeto despencaria os mais de 46 metros de altura bem em cima do gramado ou da arquibancada.

O guia se encarregará de fazer os registros para você.

Projetado além da borda da estrutura do estádio, a passarela te leva sobre o gramado, o que possibilita uma visão panorâmica e inimaginável das arquibancadas sob seus pés.

Existe uma sensação enorme de segurança em todo o trajeto, mas é inevitável olhar para baixo e não sentir os joelhos darem uma leve bambeada.

Definitivamente não é um passeio para quem não gosta de altura, mas um deleite para os fãs do clube, que podem tocar no pavão dourado posicionado no ponto mais alto da estrutura.

O turista casual também vai se divertir: dá pra observar o centro de Londres de longe enquanto beberica uns bons drinques inclusos no passeio.

Wembley, a realeza do futebol

Até poucos anos atrás, o entorno do icônico estádio de Wembley podia ser considerado com uma área afastada e pouco habitada de Londres. Hoje, o gigante que tem 90 mil lugares de capacidade é cercado por condomínios e restaurantes em todo o trajeto do metrô até sua entrada.

Quem nos recepciona é Chris, que trabalha no gerenciamento do estádio em eventos especiais e abre algumas exceções para fazer o tour. E ele comemora nossa chegada:

Eu adoro fazer esse passeio.

Tour pelo estádio de Wembley - Chris, o guia - Osmar Portilho - Osmar Portilho
Imagem: Osmar Portilho

Se cada clube inglês tem seu próprio templo gramado, pode-se dizer que Wembley é o Vaticano da seleção inglesa.

Dificilmente você dará mais de 10 passos sem ser lembrado do título da Copa de 1966.

A visitação começa literalmente debaixo do travessão original onde a bola bateu após um lance de Geoff Hurst e deu o terceiro gol aos ingleses

Mas a bola, na realidade, não havia entrado ao quicar no chão. O árbitro Gottfried Dienst e seu assistente Tofiq Bahramov, no entanto, validaram o gol que ajudou na conquista do título.

Chris comemora o futebol sem o moderno VAR:

Se fosse hoje, provavelmente não teríamos aquele gol, mas quer saber, fizemos mais gols, então pode-se dizer que era indiferente.

Quanto é?

Por ser o coração da confederação inglesa de futebol, Wembley é o lar de sua seleção e conta com o museu mais abrangente de todos: você verá muitas fotos icônicas, camisas clássicas, relíquias (principalmente da Copa de 1966) e boa parte da história do esporte inventado lá.

O passeio custa 24 libras (R$ 149) e dá acesso às arquibancadas, alguns bastidores, além dos vestiários e uma visita ao gramado por meio do túnel que os jogadores acessam.

O quarto secreto do Príncipe William

Seguindo a linha dos estádios mais modernos, caso esteja de costas para o gramado, facilmente esquecemos que estamos em um ambiente esportivo: são escadas rolantes, painéis de led, bares, restaurantes. Um...shopping.

O tour segue um padrão das outras visitas guiadas: vestiários, zona mista, sala de coletivas de imprensa, arquibancadas, cabine de fotos, visita ao gramado — que inclusive conta com efeitos sonoros na entrada dos turistas.

Mas Chris decide improvisar um pouco.

Este é um passeio especial e VIP, vamos conhecer as dependências reais?

Da próxima vez que observar as arquibancadas de Wembley, repare que nem todas as 90 mil cadeiras do estádio são vermelhas: seis delas têm um tom azul esverdeado e ficam no camarote real.

Embora a rainha Elizabeth 2ª tenha visitado várias vezes o Wembley original (demolido em 2003), o novo estádio está mais habituado a receber Príncipe William, que também é presidente da FA, a Football Association, o que seria a CBF para o Brasil.

Além do camarote e as dependências internas — bar e restaurante —, o guia resolve sair do roteiro:

Querem ver a sala onde William vai quando quer se afastar de todos?

O grupo de jornalistas convidados, obviamente, se empolga.

Nos acessos do camarote, iniciamos uma sequência de portas embarreiradas por trancas automáticas que são liberadas por cartões de aproximação e códigos.

E aí lemos uma placa: "Royal Ante Room".

A porta se abre enquanto todos se espremem para entrar e registrar o local reservado exclusivamente para a realeza.

A então crescente expectativa se esvai mais rápido que o tempo que a porta leva pra se fechar: dois sofás pequenos e duros, duas cadeiras de qualidade questionável, uma mesa e uma TV de no máximo 35 polegadas.

Nada demais, né? Bom, é aqui que ele fica. Vocês deviam ver o olhar em suas caras.

Chris, pelo menos, se divertiu com a pegadinha.

Eamonn McCormack - UEFA/UEFA via Getty Images - Eamonn McCormack - UEFA/UEFA via Getty Images - Eamonn McCormack - UEFA/UEFA via Getty Images
Na foto, Príncipe William na tal sala em junho de 2022
Imagem: Eamonn McCormack - UEFA/UEFA via Getty Images

Uma brisa marítima e clima de interior em Southampton

Distante a cerca de 2 horas de Londres, partimos para Southampton, uma cidade famosa por seu porto, onde hoje atracam enormes e iluminados cruzeiros que destoam do clima cinza e e de garoa.

Porto esse de onde partiu Titanic para sua fatídica viagem, o que fez com que o centro da cidade guardasse inúmeras referências à tragédia em monumentos e pinturas.

Navegação à parte, nossa parada foi o Estádio St. Mary, inaugurado em 2001 e casa dos Saints, o Southampton, time da cidade.

Demos azar? Talvez

Nossa visita aconteceu em novembro de 2022, quando o Southampton lutava contra o rebaixamento — situação que não se alterou desde então.

Pior: o adversário era o Newcastle, em franca ascensão na tabela — hoje, o time do brasileiro Bruno Guimarães está na terceira posição.

O otimismo definitivamente não estava no ar. Bob Hopper provou isso.

Ele é um dos inspetores que faz a fiscalização dos camarotes do St. Mary's que gentilmente alertou a reportagem para não levar as xícaras de café do camarote para as arquibancadas.

O alerta foi seguido, obviamente, depois de uma foto para o Instagram. É impossível imaginar tomar um espresso no meio de um jogo de futebol, mas isso é possível na Inglaterra.

E veio o alerta número 2

"E outra coisa, se eu vir um de vocês comemorando um gol do Newcastle, vou expulsar todos do camarote", brincou, arrancando risos dos jornalistas.

Bob Hopper, no estádio do Southampton - Osmar Portilho - Osmar Portilho
Imagem: Osmar Portilho

Era brincadeira mesmo?

Na dúvida, ninguém comemorou, e foram quatro deles contra o acanhado Southampton, que viu parte dos torcedores em silêncio deixarem o estádio na metade do segundo tempo.

"Eu não vou aturar mais isso", disse um senhor ao levantar-se em direção à saída.

Uma derrota quase que prevista, mas não vergonhosa como a lembrada por Bob, que viu seu time ser derrotado naquele mesmo gramado pelo Leicester em 2019 pelo placar de 0 a 9. A marca se tornou recorde do placar mais elástico conquistado por um time visitante, um número que Bob e os outros apoiadores do Saints querem esquecer.

Outros dois jogos tiveram o mesmo placar, mas entre os mandantes: Manchester United X Ipswich Town, em 1995, e nesta temporada mesmo quando o Liverpool bateu o AFC Bournemouth.

"Te juro, foi a única vez que torci pro Liverpool. O placar estava 9 a 0 e eu ficava pensando: 'por favor, façam mais um golzinho'. Sabe? Aí seria 10 a 0 e todos iriam esquecer nosso placar contra o Leicester", completou nosso anfitrião.

Naquele domingo, os torcedores do Southampton puderam gritar gol apenas uma vez, enquanto viam os barulhentos torcedores rivais celebrarem a conquista, que deixou o time da casa na 18º posição.

De qualquer maneira, amantes de futebol vão encontrar no St. Mary um clima mais interiorano e de proximidade maior entre arquibancadas e gramado entre seus 32 mil lugares, bem diferente dos gigantes da capital londrina.

O tour oferecido — nós não o fizemos porque era dia de jogo — custa 15 libras e dá acesso aos vestiários, sala de imprensa e ao gramado. O interessante aqui é poder ver um estádio de um time de menor expressão da Premier League, que tem uma proximidade muito maior com seus torcedores locais.

Chelsea: um olhar para fora do país

Diferentemente dos outros estádios londrinos, Stamford Bridge está bem próximo da região central de Londres, no abastado bairro de Chelsea, que leva o mesmo nome de seu clube, é claro.

Dividindo as ruas com casarões luxuosos que chegam a custar 2 milhões de libras, o estádio de 1877 pode não estar entre os mais modernos da liga, mas suas renovações o aproximaram de um ambiente mais sofisticado.

Ter seu próprio camarote por lá durante uma temporada inteira pode te custar até 1 milhão de libras (cerca de R$ 6,2 milhões) ao ano, como nos explica David Timms, um dos responsáveis pelo marketing do clube.

O Chelsea é um dos clubes com estratégias mais incisivas na busca por torcedores fora do Reino Unido.

E parece estar funcionando: Na atual temporada, 60% dos torcedores são de fora do país, contra 40% dos residentes. Aqui, o turismo no futebol é levado a sério.

A zoeira não tem fim no Stamford Bridge

Entre as rivalidades mais tradicionais da Premier League, o Chelsea sempre acaba no pódio dos clubes mais odiados entre os adversários. O clima de deboche e zoeira também conduz o tour pelo estádio liderado por Eklim Rahman, que aproveita todos os momentos do passeio para enaltecer o clube e provocar os rivais, muito embora no dia anterior à nossa visita o Chelsea tivesse perdido do Arsenal.

Aqui é onde vemos os técnicos adversários lamentando sua derrota contra o Chelsea. Bem, ontem não foi o caso. Eklim, o guia fanfarrão ao apresentar a sala de imprensa

Ao mostrar o túnel de entrada do campo, ele não se aguenta e solta outra provocação: "Os jogadores do Chelsea geralmente se enfileiram desse lado aqui, enquanto os perdedores ficam do outro lado, é claro".

Eklin é guia do Stamford Bridge - Osmar Portilho - Osmar Portilho
Imagem: Osmar Portilho

Embora a rivalidade seja tópico constante no tour, dos estádios que estivemos, o Stamford Bridge é o único que exibe camisas dos seus oponentes no vestiário dos visitantes, que tem exemplares de craques rivais que passaram pelo seu gramado: Thierry Henry (Arsenal), Lionel Messi (Barcelona), Luis Suárez (Liverpool), Heung-min Son (Tottenham), entre outros.

"Tem a camisa do Cristiano Ronaldo (Manchester United) também pendurada aí. Só um lembrete: nunca marcou um gol sequer contra o Chelsea aqui", disse Eklim, que não podia deixar de passar mais uma provocação contra o português.

Quanto é?

O tour do Stamford Bridge dura até 1h30 e custa 32 libras (cerca de R$ 198). Você conhecerá o museu do Chelsea, vestiários, sala de imprensa e a entrada no gramado pelo túnel. Um diferencial aqui é que a câmera que filma os jogadores fica ligada durante o passeio, então é possível você se ver no telão enquanto chega ao gramado.

Um legado olímpico ao West Ham

Estádio Olímpico de Londres: esse gigante localizado em Stratford foi construído dentro do Queen Elizabeth Olympic Park para as Olimpíadas de 2012.

Depois de assumir o estádio em 2016, o West Ham fez um trabalho intenso de renovações, principalmente estéticas, para dar personalidade ao palco das Olimpíadas e fazer com que suas dependências tivessem as cores e a cara de seus ídolos.

São corredores e mais corredores com fotos de suas estrelas atuais, incluindo o brasileiro Lucas Paquetá, ídolos do passado, e enormes painéis com escudos do time.

E as renovações não aconteceram só do lado de dentro do estádio. A construção do estádio para a Olimpíada de fato trouxe novo vigor para Stratford, onde se escuta ininterruptamente o barulho de tratores e obras a todo vapor.

Antes não tinha nada aqui, era um pedaço de terra vazio, absolutamente nada. Veja como é agora. Martin Gritton, gerente de comunicação do West Ham

Hoje, além do estádio e todas as atrações ao se redor, temos vários conjuntos residenciais, um shopping center e até um novo prédio que será sede da BBC.

Quanto é?

Há várias modalidades de tours no Estádio Olímpico de Londres que variam de 12 libras (crianças) (R$ 74) até grupos familiares (68 libras ou R$ 422) . O preço para um adulto é 22 libras (R$ 136), que inclui tour multimídia, passeio pelos vestiários, arquibancadas e gramado do estádio.

Do ladinho do estádio também tem adrenalina

Embora não seja parte direta das atrações do West Ham, uma caminhada de 5 minutos te leva para o Arcelor Orbital Mittal, o maior escorregador do mundo, que dentro fica do mesmo complexo que abriga o estádio.

A Orbit Tower, onde o maior escorregador do mundo foi instalado, é um altíssimo monumento de 114 metros de altura projetado pelo artista plástico inglês Anish Kapoor.

O preço para escorregar, e também apreciar a vista da torre de observação, é de 16,75 libras (cerca de R$ 105) por adulto. Crianças menores de 3 anos não são permitidas e é possível visitar o mirante sem necessariamente retornar ao solo deslizando nos tubos de metal.

A reportagem não conseguiu experimentar a atração, que estava em uma manutenção, mas fez questão de enviar um colaborador de Nossa para conhecer o escorregador.

*Nossa viajou a convite da Visit Britain.

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