BRINDES NADA ÓBVIOS

A região costeira do Chile é um destino fora do radar para descobrir. E melhor: com vinhos excelentes

Rodrigo Barradas Do Valle del Rosario, Chile

Se você, como eu, acha que vale a pena viajar para conhecer vinícolas, é possível que já tenha visitado ou cogitado conhecer destinos como o Vale dos Vinhedos, no Rio Grande do Sul, ou Mendoza, na Argentina. Talvez já tenha se aventurado pelo Vale do Maipo, nos arredores de Santiago, ou Canelones, nos limites de Montevidéu. São todos destinos ótimos, em que é possível saborear os vinhos no local em que são produzidos.

Um pouco mais para fora do radar está a região costeira nos arredores de Valparaiso, a cerca de uma hora do aeroporto de Santiago. Uma pena, pois seus vinhos são excelentes, e viajar para lá, com um pouco de programação, pode sair mais barato que ir às vinícolas de Bento Gonçalves (RS) e Mendoza.

E mais: se você anda junto com a tendência mundial de valorizar vinhos mais frescos, em vez dos pesadões e adocicados que dominavam o gosto global até uns dez anos atrás, terá nos vales da região condições ideais para rótulos nesse estilo.

Nada contra os grandes cabernets do Maipo, mas provar os elétricos sauvignon blancs, pinots e syrahs nas incríveis paisagens da fria costa chilena é uma experiência ótima que escapa um pouco da obviedade..

Para conhecer esta região ainda fora do radar dos brasileiros, me hospedei na vinícola Matetic para uma viagem de quatro dias. Um pouco mais curta que o ideal, mas suficiente para curtir belos momentos e conhecer os vinhedos, os vinhos, a gastronomia e um pouco da natureza local.

A região, grosso modo, tem dois vales vitivinícolas importantes: Casablanca e San Antonio. Este último tem subdivisões menores: Leyda, Lo Abarca e Rosario, que é onde está a Matetic. A localização, próxima da cidade de Cartagena, é muito boa para explorar os dois vales e suas diversas vinícolas.

Veja no mapa abaixo onde ficam as duas regiões principais e deslize a tela para conhecer um pouco das vinícolas que podem entrar no seu roteiro de vinhos:

A experiência de hospedagem na vinícola é excelente. O hotel La Casona, como diz o nome, foi adaptado em uma construção de estilo colonial. Não espere banhos de vinho ou cenas explícitas de kitsch enológico, mas quartos muito espaçosos e elegantes, jardins muito bonitos, uma piscina agradável e um restaurante muito, muito bom.

Sério: a comida do restaurante, que se chama Equilibrio, é incrível. O hotel oferece a opção de pensão completa, em que há café da manhã (os pães são excelentes), almoço harmonizado com cinco etapas e jantar com vinho, além de degustação e tours pela região e pelos vinhedos e vinícola.

Não é barato (cerca de R$ 7 mil em março — alta temporada), mas vale a experiência por pelo menos um dia (dá para arrumar bons Airbnbs pela região por cerca de R$ 400 a noite para o resto da viagem). O restaurante também está aberto ao público para café da manhã e almoço.

A Matetic também oferece hospedagem em grandes barracas plásticas (chamadas Indomo) e cabanas luxuosas construídas em contêineres (chamadas Tiny Cabins), em meio à natureza e com parrillas para você preparar seu próprio asado. Calcule entre R$ 700 e R$ 1000 por noite para os domos e as cabanas, respectivamente.

Todas as opções de hospedagem também têm alguns passeios incluídos ou que podem ser acrescentados. Dica: vale a pena caminhar pelo parque Humedal de Río Maipo, em frente ao Oceano Pacífico, e observar cormorões, pelicanos e outras aves marinhas.

Vamos de vinho?

A região costeira central do Chile é bastante fria, mesmo no verão, com boa amplitude térmica. Isso significa que a área não é propícia para os cabernet sauvignons e carmenères que fizeram a fama do país. Mas é excelente para uvas como sauvignon blanc, chardonnay, pinot noir e syrah.

A explicação para isso é influência das correntes frias do Pacífico, a um punhado de quilômetros dos vinhedos. Mesmo na primavera e no verão, o fenômeno da vaguada costera, a forte nebulosidade vinda do mar, faz com que o sol à vezes só apareça à tarde.

Curiosidade: dizem que o termo "vaguada" vem do inglês "bad weather" adaptado para o sotaque da região. Como resultado, Casablanca e San Antonio produzem vinhos de corpo mais leve, frescos, muitas vezes com uma acidez elétrica. Algumas uvas que já estão bem estabelecidas na região são:

Divulgação

Sauvignon Blanc

Os bons SBs da região costeira chilena costumam ficar no meio do caminho entre a exuberância neozelandesa e a austeridade do Loire, mostrando mineralidade, toques salinos e fazendo ótima companhia para os frutos do mar do Pacífico. Grandes vinícolas têm excelentes SBs na região. Os SBs da Matetic, tanto da linha Corralillo quanto o EQ, são muito bons.

Divulgação

Chardonnay

Originária da Borgonha, na França, está plantada em muitas regiões vitivinícolas do mundo. Suas características variam muito de acordo com clima, solo e forma de produção do vinho. Nas áreas costeiras do Chile, tende a reunir características do "Novo Mundo", como notas de frutas tropicais, com boas acidez e refrescância normalmente atribuídas aos vinhos europeus.

Divulgação

Pinot Noir

Também da Borgonha, é uma uva delicada, de difícil adaptação, que encontrou um lugar acertado nas frias encostas do litoral chileno. Tender a ser mais minerais e lineares que seus pares franceses. O Matetic EQ, do vale de Casablanca, de solos graníticos, costuma ser exuberante nos aromas de frutas vermelhas e azuis, com algo de toranja, taninos de giz e certa mineralidade. Muito bom, assim os da vinícola Leyda, Casas del Bosque, Ventisquero, Cono Sur, Morandé e os incríveis Casa Marin, de Lo Abarca, no Vale de San Antonio.

Divulgação

Syrah

Cepa bastante versátil, que é produtiva até em condições tórridas, como o Vale de São Francisco, no Nordeste brasileiro. Mas seus melhores vinhos vêm de lugares mais temperados, como o norte do Rhône, na França. A Matetic é referência da casta no Chile, com vinhos de acidez vibrante, desde o mais simples (mas muito bom) Corralillo, passando pelo EQ e chegando ao muito complexo Matetic. Emiliana, Villard, Casas del Bosque e Garcés Silva também fazem ótimos syrahs na região.

Os vinhos da Matetic

A Matetic tem uma linha muito consistente, em que mesmo os vinhos mais simples oferecem muita qualidade. Pioneira da filosofia de cultivo biodinâmica na região, produz vinhos que não têm as marcas (que muitos consideram defeitos) do "naturebismo", mostrando perfis muito clássicos.

É uma vinícola que soube evitar ser vitimada pelas modas do vinho: não produzia as bombas de fruta que agradavam a crítica e o público até uns anos atrás, e hoje não colhe uvas submaduras nem confunde baixa intervenção com seja o que Deus quiser.

Embora trabalhe com rigor todas as variedades, é na syrah que a casa tem seu maior investimento, com resultados excepcionais. Como diz a jornalista Amanda Barnes, da revista britânica Decanter, "[o enólogo-chefe] Julio Bastías é um mestre absoluto da syrah, desde os vinhos de entrada, Corralillo, até o rótulo Matetic, o mais alto".

São três as linhas da vinícola:

Divulgação

Corralillo

A "linha de entrada". Em geral, foca a qualidade da fruta, o caráter varietal dos vinhos (com exceção de um blend). Além das cepas usuais, também inclui riesling, gewürtzraminer, garnacha, carmenère e cabernet sauvignon, além de um espumante e um vinho doce.

Divulgação

EQ

Vinhos complexos, que buscam evidenciar as características geográficas do vinhedos. São um sauvignon blanc, um chardonnay, um pinot noir e um syrah. Ocasionalmente, sai um "limited edition", que pode ou não ter as mesmas castas.

Divulgação

Matetic

Syrah mais elaborado da casa. Custa cerca de R$ 530 na vinícola, e, acredite, não é caro. Não existe para venda no Brasil, mas há planos para trazê-lo. Chegará por preço mais alto. A safra corrente é a 2018.

Três vinhos inesquecíveis e um surpreendente

Participei de várias degustações com Julio Bastías, enólogo da Matetic. Poucas vezes vi tanta constância na qualidade dos vinhos. Mas houve quatro destaques:

  • EQ Sauvignon Blanc 2013
    Normalmente, não se associa longevidade com sauvignon blanc, mas a acidez dos vinhos dessa cepa ajuda a conservá-los e fazê-los evoluir, desde que o material de fruta corresponda. O SB do frio 2013 está no ponto ideal, com notas vegetais sutis (grama e aspargos), cítricas, como limão siciliano, e algo de pedra de isqueiro. A má notícia: não tem mais para vender. Vai ter de ficar na memória.
  • Syrah Matetic 2013 e 2021
    O primeiro, em plena forma da maturidade, com boa estrutura tânica, lembrando groselha, azeitona, ameixa, aniz e pimenta branca. O segundo ainda é muito jovem. Já está excelente, mas deve chegar a estágio semelhante ao 2013 só no fim da década. Tem menos pimenta e mais umami. Difícil escolher entre os dois. Sorte (sorte?) que não precisei escolher, uma vez que nenhuma das safras estava disponível para venda.
  • Corralillo Garnacha 2022
    A surpresa da viagem. Admito que não esperava nada do garnacha de videiras vigorosas do Vale de Casablanca, mas me surpreendi com a vitalidade desse vinho de ótima acidez, com aromas de cereja e framboesa, aniz e canela. Muito vibrante.

Descubra mais destinos e sabores

Craft & Cluster/Visit the Santa Ynez Valley

CALIFÓRNIA

Um passeio por Santa Ynez Valley, região que o filme 'Sideways' colocou no mapa no enoturismo

Ler mais
Lucas Lima/UOL

PORTO

Nas pipas moldadas por tanoeiros que o vinho do Porto se transforma, em um ofício com séculos de história

Ler mais
Divulgação

ESPANHA

Rei do atuns: como é a pesca do gigante bluefin, o peixe mais caro do mundo

Ler mais
Topo