RETRATOS DA NEVE
No Chile, aventura em Nevados de Chillán tem esqui, vulcões, piscinas 'calientes'... e um perrengue pessoal
No Chile, aventura em Nevados de Chillán tem esqui, vulcões, piscinas 'calientes'... e um perrengue pessoal
Minha primeira experiência com a neve virou trauma. O sonho de conhecê-la se transformou em um pesadelo quando me vi presa por três dias numa nevasca no aeroporto de Istambul, na Turquia. Mas não desisti do sonho de viver esse momento de uma forma mais leve.
Quando menos esperava, a chance veio: um convite para conhecer uma estação de esqui nas montanhas do centro-sul do Chile. Eu sabia que era a chance de ressignificar a experiência anterior.
Embarquei rumo a Nevados de Chillán, complexo que abriga a maior pista de esqui da América do Sul e é um destino (quase) escondido no Chile -- ainda que 90% dos turistas por lá sejam brasileiros.
Digo escondido porque são mais de 400 km de distância de Santiago até chegar aos pés de três vulcões adormecidos -- Viejo, Nuevo e Nevados. Chegamos na capital e fomos de carro em direção ao sul por sete horas -- sempre com a Cordilheira dos Andes adornando a viagem.
Você também pode ir de avião até Concepción, e fazer duas horas de estrada em transfer ou carro para percorrer os 180 km até Nevados de Chillán.
Outra opção é o trem rápido desde Santiago, com duas saídas diárias (7h e 17h50), em uma viagem de 3h30 até a estação de Chillán. De lá, é preciso pegar um ônibus para chegar ao complexo de esqui.
Na madrugada gelada com termômetros a zero grau, chegamos ao Hotel Nevados. Rodeado por bosques e pistas de esqui, é uma opção indicada também para famílias, com quartos grandes, restaurante, bar, spa e uma piscina de água termal no meio do hotel.
Outra opção é o Hotel Alto Nevados. Como o nome indica, ele fica no alto da montanha e (literalmente) vizinho de uma pista de esqui e do Parque de Águas Termais, com quatro piscinas, incluindo uma coberta. Para os mais jovens, fica a dica: bares próprios garantem aqui uma noite mais agitada.
No primeiro dia, fomos conhecer o complexo e subimos a montanha de lift. O 'teleférico' leva as pessoas equipadas ao topo da montanha para descerem esquiando - ou voltar na cadeirinha, como fizemos.
O frio na barriga da altura logo virou brilho nos olhos vendo a infinita paisagem branca da natureza no inverno, no silêncio 'ensurdecedor' das montanhas.
De repente, pontinhos coloridos do tamanho de insetos cortam as pistas lá embaixo do lift. A estação tem cerca de 35 km de pistas (23 no total, acessadas por 13 meios de elevação), com níveis diferentes de dificuldade, de iniciante a experts.
A grande estrela de Nevados de Chillán é a Las Tres Marías, a maior pista da América Latina, com mais de 13 km de extensão.
Antes mesmo de aprender a esquiar, fiquei admirando as pessoas que curtiam o complexo: homens, mulheres, crianças, iniciantes e avançados... Dá para todo mundo se divertir entre os passinhos iniciais (e tombos) e os passeios em cima do esqui entre os bosques com vistas incríveis da montanha.
Aliás, este cenário é um dos grandes trunfos da estação. Como a base de Chillán está a pouco mais de 1500 metros acima do nível do mar, o cenário é diferente das estações chilenas que se elevam a quase o dobro da altura -- e onde a paisagem se resume às montanhas. Aqui, há mais vegetação, com bosques nevados que acrescentam um ar mais idílico à experiência.
Se você quiser fugir um pouco do esporte, um ponto turístico da região é a Gruta del Pangue, uma formação rochosa com cascatas lindíssimas formadas pelo derretimento da neve das montanhas.
Para chegar lá basta fazer uma trilha curta por um bosque cheio de árvores com barba del abuelo, considerada uma planta bioindicadora da boa qualidade do ar -- ela não resiste se tiver poluição.
O que mais me encantou ali foi a mistura do verde das árvores do bosque, do branco da neve e o azul do céu para criar o cenário natural perfeito.
De lá também dá para ver o topo dos três vulcões adormecidos que escoltam Chillán e aquecem as águas do solo. São estas fontes termais, ricas em enxofre e minerais, que abastecem as piscinas em todos os hotéis da região.
O cenário é inusitado: cercados pela neve, mergulhamos em tanques fumegantes com temperaturas até 45ºC. Sim, é bem quente, mas te juro: uma ótima dica para relaxar depois de um dia esquiando -- ou tentando, como foi o meu caso, como conto a seguir.
O esqui é um esporte de neve que requer condicionamento físico, pernas bem treinadas (fica a dica) e aulas para quem está começando. Foi o nosso caso, que tivemos aulas com o instrutor Nico Hernández por dois dias.
Na primeira incursão ele ensinou o básico para ficarmos em pé no equipamento, como colocar e tirar a bota do esqui, instruções para darmos uns passos leves, além de como parar o movimento -- a aula-chave para todo iniciante.
Como eu estava começando, é claro que muitos movimentos deram errado e bateu um desespero na hora que me vi escorregando sem controle dos meus pés. "Calma, Beatriz", repetia meu inconsciente.
Mas vamos ao perrengue que mencionei lá no início da reportagem. É regra que a bota de esqui precisa ficar bem "presa". Mas aprendi na prática que isso não significa ao ponto de prender a circulação.
Depois de uma dor na panturrilha durante toda a primeira aula, voltei à loja na qual aluguei a bota e um simples ajuste numa fivela resolveu. Um alívio indescritível!
No dia seguinte, estava mais animada para dar uma segunda chance. Cheguei a começar a aula, porém, uma dor no tornozelo ainda me impedia de manter a firmeza nos pés. Pois é, amigos, decidi não arriscar e desisti (por ora). E está tudo bem! Esquiar é muito legal, mas para os fortes -- e eu não fui um deles dessa vez.
Além da bota correta, é importante estar com o vestuário adequado para esquiar, como calças, jaquetas ou macacão impermeáveis. Em Nevados de Chillán, há lojas para aluguel de roupas.
O traje completo com calça, jaqueta, luvas e gorros custa CLP$ 25.000 (cerca de R$ 150) por dia.
Também dá para alugar os equipamentos. Um kit completo de esqui ou snowboard (botas mais a prancha ou os esquis) custa em torno de CLP$ 30.000 (R$ 180) por dia.
Você pode agendar as aulas nos hotéis, nas bases da estação ou pelo site. O pacote de três horas, para até três adultos, custa CLP$ 207.000 (R$ 1.250) -- o mesmo valor é adotado nas turmas para crianças de 5 a 12 anos.
Para usar as pistas e teleféricos, é necessário adquirir o chamado ski pass, que deve ser recarregado a cada dia de uso. O valor é flutuante de acordo com a temporada (alta ou baixa) e lotação. Na época que fui, o valor partia de CLP$ 68.000 (cerca de R$ 410) por dia. Mais informações neste site.
Me despedi de Chillán com gostinho de quero mais, confesso, apesar da minha frustrada experiência no esqui. Talvez com mais tempo e preparo físico eu consiga me aventurar melhor e até sair das pistas para iniciantes.
Eu nunca tinha viajado para países da América do Sul e me surpreendi positivamente em muitos aspectos, como receptividade, gastronomia e até mesmo a resistência ao frio extremo. Fora o cenário natural, claro.
Muitas vezes pensamos no inverno europeu, mas esquecemos de explorar as belezas naturais que estão em lugares bem mais perto do que imaginamos - ainda que um pouco escondidos.
Reportagem: Beatriz Monteiro Martins
Edição: Eduardo Burckhardt
Design: Suellen Lima
* A jornalista viajou a convite de Nevados de Chillán