O Sul de Tainá Müller

Em mergulho pela infância e adolescência, atriz resgata tesouros da paisagem e culinária da região

Gabriela Teixeira Colaboração para Nossa Arte UOL

Nem tudo o que vivemos se transforma em memória. Uma parte inevitavelmente acaba fora de nosso alcance, como arquivos em uma nuvem cuja senha foi perdida. Apenas algumas nos acompanham para o resto da vida. Em geral, são aquelas que nos marcam de verdade.

Aos 38 anos, a atriz Tainá Müller carrega com orgulho uma caixinha de boas recordações da infância e adolescência no Rio Grande do Sul, onde nasceu. Curadora convidada para trazer o que tem de melhor da região Sul para a temporada Brasileiro - olhares sobre os sabores, saberes e belezas do nosso país, ela compartilhou com a gente o melhor do que viveu por ali.

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MENINA DA VILA

Tainá viveu na Vila do IAPI, sigla para Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários, que, no Estado Novo, financiou a construção de conjuntos habitacionais Brasil afora.

Os quarteirões arborizados, com construções baixas e telhados vermelhos destoam dos edifícios grandiosos que os circundam. Mas, entre parques, praças e largos, é no concreto que o IAPI tem um de seus maiores atrativos. Em 2001, foi inaugurada ali uma pista de skate, considerada um dos melhores espaços da modalidade street no Brasil.

O bairro é um ícone de Porto Alegre também por ter sido moradia de gente ilustre. Antes das três irmãs Müller (Titi é a segunda e Tuti, a caçula), Elis Regina, por exemplo, viveu ali.

No apartamento do IAPI, Tainá passou a infância lendo enciclopédias, criando gosto pela TV e fingindo que os perfumes que sua mãe revendia eram personagens de novelas.

Enquanto algumas das memórias da primeira infância de Tainá aguçam o olfato, outras mexem com o paladar. As da escola, por exemplo, têm sabor de Pastelina. O salgadinho folhado é um clássico da infância dos gaúchos. "Eu comia quase todos os dias no intervalo da escola, com paçoca de sobremesa", conta.

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INOCÊNCIA SOLAR

Quando o ano letivo acabava, sua família fazia as malas e viajava para Araranguá, em Santa Catarina. Lá, acampavam no Morro dos Conventos, balneário que leva esse nome por ter, durante muito tempo, concentrado uma grande presença jesuíta.

Com hospedagens a preços razoáveis, a região abriga dunas, trilhas, paredões rochosos, praia e rio que tornam o local ideal para quem busca somar lazer e aventura. Se não falta fôlego, vale a pena se jogar nas atividades de rapel, voo livre, trekking e sandboard disponíveis e, de quebra, apreciar paisagens belíssimas.

Caso a visitação seja entre os meses de julho e novembro, uma ida ao mirante é indispensável: de lá, é possível testemunhar a anual passagem das baleias-franca pela costa catarinense.

A Araranguá de Tainá, contudo, era de calmaria. Após seus pais comprarem uma casa de praia na região, a estadia passou a durar todo o período das férias escolares. A propriedade ficava em um lugar ermo e os vizinhos mais próximos eram a família de um pescador. "As memórias desse tempo são de uma inocência solar, as mais marcantes da minha infância. Não à toa, até hoje sonho que estou naquela casa."

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PÉ NO MUNDO

Aos 18 anos e estudando jornalismo, a gaúcha deu início à carreira na televisão. Começou por trás das câmeras, como secretária-assistente na MTV do RS, e, um ano depois, já apresentava um programa local e fazia matérias para a sede em São Paulo.

Na época, foi assistente de direção do "Mochilão MTV", apresentado por Fernanda Lima. Por cerca de duas semanas, a equipe viajou desbravando as serras gaúchas no inverno.

Na parada para visitar o cânion Itaimbezinho, na divisa com Santa Catarina, a insônia falou mais alto que o frio de -2ºC e Tainá se viu, no meio da noite, passeando pelas ruas cobertas de geada de Cambará do Sul na companhia de siriemas. Nem as baixas temperaturas tiraram a diversão da viagem.

Os cânions sulistas mais famosos, o Itaimbezinho e o Fortaleza, são considerados os maiores da América Latina. Ultrapassam 700 metros de altura e podem ser visitados, respectivamente, a partir dos parques nacionais dos Aparados da Serra e da Serra Geral.

Ambos dispõem de múltiplas opções de trilhas, o que permite conhecê-los por cima, pelas bordas, e por baixo, atravessando seus interiores. A depender da rota escolhida, os passeios podem ser feitos tanto a pé quanto de bike.

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CLÁSSICOS DO SUL

Aos 21, trocou a TV pela carreira de modelo. Em um ano que define como de "profundo crescimento", viveu na Ásia e na Europa. "Abriu a cabeça para nunca mais fechar", diz.

Enquanto atuava em videoclipes e comerciais, descobriu o gosto por estar em cena. Assim, voltou ao Brasil para estudar teatro. Passou só quatro meses no Rio Grande do Sul e deixou o estado. Hoje ela mora em São Paulo.

Seus pais, no entanto, ainda vivem por lá, em Imbé, no litoral. Antes da pandemia, Tainá costumava visitá-los com frequência e aproveitava para matar a saudade também das comidas. Nas praias, por exemplo, ia de crepe de palito. A lista de recheios é longa e variada: vai do queijo e presunto ao prestígio.

Consulado Gaúcho

Para quem prefere algo mais robusto, ela recomenda experimentar o xis. Maior que um hambúrguer tradicional e prensado, leva maionese, milho, ervilha, ovo, tomate e alface picados. Em algumas versões, o hambúrguer é substituído por coração de galinha, costela e até estrogonofe.

Não dá, claro, para esquecer do churrasco. "Não é uma comida, é um evento na vida do gaúcho", afirma Tainá. O autêntico tem "muita carne numa gamela, acompanhada de salada de batata, farinha de mandioca e a família reunida."

Carlos Macedo/UOL Carlos Macedo/UOL

DESTINO MARCADO

Como todos nós, a atriz tem planos para quando a pandemia acabar. Entre eles, está a ida ao Uruguai com o marido, o diretor de cinema Henrique Sauer, e o filho, Martin, que completa 5 anos no próximo dia 27. O desejo vem, em partes, das lembranças de viagens bate-e-volta para o Chuí que fez quando criança com o pai.

Para aproveitar os preços baixos, ele saia de casa ainda de madrugada, dirigia por quase sete horas para fazer compras na fronteira e retornava no mesmo dia, evitando gastos com hospedagem.

Do trajeto, a Estação Ecológica do Taim e a paisagem dos pampas ficaram gravados na memória de Tainá. "Como no pampa não existem morros, é possível ver um horizonte infinito dos dois lados. Um pôr do sol lindo."

Pensando especialmente no filho, a quem chama carinhosamente de Tintin, ela ainda acrescenta mais dois destinos à lista: Gramado e Canela. Nas épocas de Natal e Páscoa, respectivamente, as duas cidades são excelentes apostas para uma ida com as crianças, garante.

BRASILEIRO

Olhares sobre os sabores, belezas e saberes de nosso país

Esta reportagem faz parte da temporada Brasileiro, de Nossa, uma série de conteúdos especiais que, durante três meses, abordam temas relacionados às regiões do país. Ela é dividida em cinco ciclos, cada um com um curador que atua como editor especial de Nossa na seleção dos temas, personagens e criadores da temporada. Teresa Cristina foi a resposável pelo ciclo sobre o Sudeste. Agora, Tainá Müller assume o posto para o Sul do Brasil.

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