Turismo pós-pandemia

Na crise da covid-19, as hospedagens compartilhadas serão parte da solução, diz Leonardo Tristão, do Airbnb

Adriana Setti Colaboração para Nossa Tulio Vidal/Divulgação

A pandemia de coronavírus congelou a circulação de pessoas no mundo inteiro e atingiu em cheio todos os setores do turismo. Para sobreviver aos efeitos da covid-19, a indústria terá que se adaptar. Enquanto os hotéis se preparam para operar com novas regulamentações de higiene e atendimento, o futuro das plataformas de hospedagem compartilhada vem sendo apontado como incerto. Afinal de contas, em tempos de distanciamento social e álcool gel, dormir na casa de um desconhecido pode gerar insegurança.

Ciente de que a limpeza será a preocupação número um do viajante após a quarentena, o Airbnb acaba de lançar o seu Protocolo Avançado de Higienização em 11 países, incluindo o Brasil. Elaborado em parceria com o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) dos Estados Unidos, esse novo recurso para os anfitriões da plataforma inclui artigos, aulas on-line e vídeos com informações específicas sobre a prevenção à covid-19.

Em 2019, o Airbnb movimentou R$ 10,5 bilhões no Brasil, considerando não apenas a hospedagem, mas toda a cadeia que envolve esse tipo de turismo, como comércio e restaurantes locais. Para falar das tendências que já estão despontando com a "abertura" de fronteiras — e da vida fora de quatro paredes —, do futuro das plataformas de hospedagem compartilhada e de como o Airbnb se adaptará ao mundo pós-covid, Nossa conversou com Leonardo Tristão, diretor-geral da empresa na América do Sul.

Tulio Vidal/Divulgação

Futuro compartilhado?

Desde que a pandemia começou, muito se tem discutido sobre Airbnb X hotéis no cenário pós-covid. Uma matéria do New York Times, por exemplo, aponta que as medidas de higiene padronizadas e as políticas de reembolso mais flexíveis vão favorecer os hotéis e colocar em risco a sobrevivência do Airbnb. Como você rebateria esses argumentos?
Ao longo da história do Airbnb, essa suposta disputa com os hotéis sempre existiu. O que vemos na prática, no entanto, é que há espaço para todo mundo, porque o consumidor de turismo é muito diverso. E isso deve continuar sendo assim. Mas, de agora em diante, cada um tem que fazer a sua parte para se adaptar. A nossa política sempre foi capacitar a comunidade de anfitriões com ferramentas, educação e conhecimento para que eles possam proporcionar a melhor experiência aos hóspedes.

Na pandemia, não vai ser diferente. Desde o início desta crise, vemos hóspedes e anfitriões trocando mensagens relacionadas a segurança e limpeza. Por isso, desenvolvemos um protocolo de higienização com infectologistas, baseado no CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças), dos Estados Unidos, que estamos lançando agora no Brasil.

Como o AirBnb pretende fazer para garantir que seus anfitriões cumpram esses protocolos?
Todos os anfitriões receberão informações para que possam fazer um treinamento formal on-line através da nossa plataforma, com orientação sobre como proceder para limpar o imóvel, que produtos usar, entre outras recomendações do CDC, como a de que haja um intervalo de 24 horas entre uma reserva e outra. Depois de passar pelo treinamento, o anfitrião terá um selo atestando que ele faz a sua parte no protocolo de limpeza e higienização.

A lacuna de 24 horas entre as reservas será obrigatória ou é apenas uma recomendação?
É uma recomendação. Mas os anfitriões que adotarem esse protocolo serão identificados na plataforma.

Qual o futuro das acomodações compartilhadas (no caso, o aluguel de quartos), que é a vocação original do Airbnb, em tempos de distanciamento social?
Esta é a questão mais complexa para nós. Mas, assim como desenvolvemos um protocolo de limpeza e higienização para espaços inteiros, estamos trabalhando em um específico para acomodações compartilhadas. Sem dúvida, neste momento de pandemia, é um objetivo mais difícil, mas não impossível. Vai depender muito dos anfitriões, que vão ter todo o interesse de tomar cuidado e seguir as orientações para continuar contando com uma receita extra. Mas, sem dúvida, nossa prioridade agora são os espaços inteiros.

Luzes no fim do túnel

Ainda é cedo para cravar como voltaremos a viajar, mas a abertura de fronteiras no exterior e o relaxamento de medidas de isolamento no Brasil sinalizam caminhos - e há perspectivas, por enquanto, melhores do que se poderia prever

Mercado em transformação

Que alterações o Airbnb fez para se adaptar à crise atual?
Durante uma crise (e a que estamos vivendo é a mais grave da história recente), o que define uma empresa é a sua capacidade de adaptação. O Airbnb nasceu durante a crise imobiliária de 2008 e, ao longo de 12 anos, foi se transformando porque conseguimos perceber as mudanças no comportamento do consumidor. Com a pandemia não está sendo diferente. Começamos a observar um movimento no final de janeiro na China. Depois, foi a vez da Coreia do Sul. Quando o coronavírus chegou à Itália, decidimos que era hora de rever o foco da empresa. Logo no começo, estabelecemos uma nova política de cancelamento para evitar que as pessoas viajassem e pudessem ficar em quarentena.

Depois, mobilizamos rapidamente a empresa para lançar dois produtos diretamente vinculados ao contexto de pandemia: as experiências on-line (por sugestão da própria comunidade de anfitriões de experiências) e estadias de longa duração. Essa última foi uma grande tendência em termos de demanda. Observamos um grande número de pessoas alugando imóveis da mesma cidade em que vive para passar a quarentena.

Em São Paulo e outros grandes centros do Brasil, tivemos um aumento de 34% em abril e 42% em maio (em relação ao ano passado) na procura de imóveis de mais de três quartos. Ou seja, de famílias saindo das suas casas para ficar em quarentena em um espaço maior.

Quais são as apostas do Airbnb, em termos de tipos e destinos de viagens, para um futuro próximo?
Estamos de olho no que está acontecendo nos Estados Unidos e na Europa, especialmente em países que já estão no processo de reabertura, como Itália, França, Espanha e Alemanha, e conseguimos detectar três tendências. A primeira é viajar para destinos domésticos ultra locais, ou seja, a um máximo de 300 quilômetros de distância, aos quais as pessoas podem chegar confortavelmente de carro. Quanto mais próximo, maior a demanda.

Na Europa, isso até pode incluir ir de um país ao outro, uma vez que as distâncias são curtas. Já nos Estados Unidos, a procura de destinos próximos aos grandes centros, como Nova York, Chicago e Los Angeles, cresceu entre 45% e 60% em relação ao último ano.

No Brasil, a gente já começa a observar os primeiros sinais de intenção de viagem, não em reservas, já que estamos em meio à pandemia, mas em número de buscas. A procura por cidades próximas de São Paulo, como Atibaia, Sorocaba e São José dos Campos, triplicou com relação ao ano passado.

Aí eu já entro na segunda tendência, que é o turismo descentralizado, fora das cidades grandes. As pessoas estão buscando menos contato. Então, faz todo sentido sair de casa, pegar o carro, ir para uma cidade menor, entrar em uma casa do Airbnb com toda infraestrutura e passar o fim de semana. A terceira grande tendência que a gente observa é, claro, protocolos de limpeza e higienização como parte da tomada de decisão.

O que disso vai se perpetuar no momento pós-pandemia?
Uma vez que as pessoas comecem a explorar novos destinos, essas mudanças vão se perpetuar no sentido da descentralização do turismo. Não acho que deixarão de sonhar em ir a lugares como Paris, Disney, Londres e Barcelona, mas as viagens internacionais serão as últimas retomadas, já que envolvem grandes deslocamentos aéreos.

A indústria de viagem é muito resiliente, o que vai haver é uma transformação do comportamento do consumidor

Leonardo Tristão

Viagens reais e virtuais

Vai demorar para as pessoas perderem o medo de viajar?
Os primeiros dados da retomada são animadores. Na Espanha, entre os dias 24 de maio e 6 de junho, quando começou a fase mais avançada do processo de desconfinamento, já tivemos mais reservas do que no ano passado. No Brasil, quando medimos a intenção de viagem representada em número de buscas para dezembro de 2020, já chegou ao mesmo nível do ano passado. Para o verão de 2021, existe até um crescimento.

São apenas sinais, claro, mas o comportamento do consumidor está ali. A indústria de viagem é muito resiliente. As pessoas não vão deixar de viajar. O que vai haver é uma transformação do comportamento do consumidor. Temos mais de 250 mil Airbnbs no Brasil, em todos os estados. Estamos em lugares onde não há infraestrutura hoteleira tradicional e nem pousadas. Então, acho que temos um papel importante nessa reabertura, com as pessoas viajando a destinos menores e mais próximos.

As experiências on-line são uma onda passageira ou elas devem se perpetuar depois que tudo isso passar?
É difícil prever. Mas, em países onde o confinamento já terminou, já estamos notando que algumas pessoas continuam participando dessas experiências on-line. Diferentemente das presenciais, as on-line são rápidas e livres de barreiras. Você pode fazer uma aula de tango de duas horas dentro da sua casa, ou uma meditação de uma hora. O que deve acontecer é uma migração de um tipo de experiência que faz sentido no confinamento para outro tipo de coisa. Vamos observar esses sinais do consumidor para orientar a nossa comunidade.

Como tem sido a aceitação das experiências on-line no Brasil?
Para quem fala outros idiomas, boa. Porque o primeiro foco foi fazer isso em inglês. Depois, introduzimos outros idiomas e agora teremos as primeiras em português, para brasileiros. Como fomos atingidos mais tarde pela pandemia, ainda estamos em um estágio menos avançado do que a Europa nesse aspecto.

A pandemia detonou o turismo mundial e afetou em cheio cidades que, antes da pandemia, estavam em guerra com o Airbnb, como Barcelona, por exemplo. A necessidade de retomar o turismo nessas cidades criará um ambiente mais amigável para acordos e novas regulamentações?
Nossa estratégia sempre foi trabalhar junto com as cidades, porque cada uma delas tem uma questão específica. Por isso, é natural que, às vezes, leve um tempo até haver um entendimento. Esta semana anunciamos que chegamos a um acordo Nova York, por exemplo. Teremos um protagonismo mundial na retomada do turismo e já estamos estabelecendo parcerias com cidades e até países, como a Dinamarca. Aqui no Brasil, estamos trabalhando com o governo de São Paulo para promover os destinos paulistas quando forem reabertos. Nesta crise, seremos parte da solução.

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Nossa testou duas experiências online oferecidas na plataforma do Airbnb

Reprodução/Airbnb

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