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Conheça a paisagem musical do Rio vista por um estrangeiro

Joe Nocera

New York Times Syndicate

01/08/2013 08h05

Era para ser uma viagem bem curta: chegada ao Rio de Janeiro na quinta, de volta a Nova York na terça. As manifestações que sacudiriam o Brasil só aconteceriam um mês depois e política era a última coisa que tínhamos em mente. Era a primeira vez que eu e minha mulher íamos para Rio e nossos planos eram bem prosaicos: o dela, aproveitar a beleza e o calor das praias; o meu, ouvir música. Deixo para os outros a glória da areia branca e do mar porque prefiro mesmo é me concentrar nos ritmos.

Não consigo imaginar uma visita ao Rio sem explorar a música brasileira; seria o mesmo que ir a Nova Orleans e não cair de cabeça em sua culinária. Afinal, a bossa nova foi criada no Rio - e embora uma das consequências seja ver bandas medíocres destruindo "Garota de Ipanema", a verdade é que a cidade é apaixonada por sua música, para o bem e para o mal, em tempos tumultuados como agora, ou épocas mais tranquilas. Aqui vai um resumo do que encontrei.

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Quinta-feira

Nossa primeira parada musical - depois de um dia na praia, é claro - foi no Semente, casa minúscula na Lapa, o bairro mais badalado da cidade. Só que o lugar não é turístico, ou seja, não há placa na porta e jamais o teríamos achado se a Joana Duah, uma cantora de primeira que conheci através de um amigo comum, não tivesse ficado de nos levar até lá.

"O Semente é o lugar aonde os músicos vão para ouvir outros músicos."

O lugar era um cubículo cuja única extravagância era uma iluminação decente. A dona, Aline Winckler Brufato, contou que reabriu o clube em 2004, fechado pelo proprietário anterior, porque adorava música e queria trabalhar com cultura. Comprei uma cerveja e ouvi a seleção de uma banda de jazz liderada por Bernardo Ramos, guitarrista que lembrava muito o estilo de Pat Metheny.

A uns 300 metros dali, um estilo totalmente diferente: o Circo Voador, espaço público que mais parece uma danceteria a céu aberto. Foi para lá que fomos em seguida. Um amigo de Duah, Hamilton de Holanda, excelente bandolinista, era o líder da banda cujo objetivo era o mais simples possível: agitar o público no melhor estilo brasileiro. E quando finalmente subiu ao palco, por volta das dez e meia da noite, foi exatamente o que aconteceu, graças a uma seleção de clássicos da bossa nova e samba que até conseguiram me fazer dançar.

Sexta-feira

O produtor musical Geraldinho Magalhães, que concordou em ser o meu guia no segundo dia, já tinha feito planos: primeiro um show no Oi Futuro Ipanema, centro cultural que, como o nome diz, é patrocinado pela operadora celular. Maíra Freita, cantora e pianista cuja carreira é administrada por Magalhães ia se apresentar, mas o grande destaque era Daniel Jobim, neto de um dos maiores nomes da música brasileira, Antônio Carlos Jobim, pai da bossa nova. Curioso é que Magalhães não era lá grande fã do rapaz. "A impressão é a de que está tentando resolver uns lances freudianos com o avô", resumiu. Eu gostei muito de vê-lo e acompanhar a voz suave, tão familiar, cantando os grandes sucessos do avô.

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A apresentação acabou e corremos para o Miranda, a dez minutos de onde estávamos. A grande Elba Ramalho estava cantando e Magalhães queria que eu visse pelo menos parte do show.

De longe o lugar mais caro que visitei, o Miranda era inspirado no Dizzy's Club Coca-Cola de Nova York, pelo menos de acordo com a dona, Ariane Carvalho; tinha até os janelões de vidro atrás dos músicos, exatamente como a casa de Columbus Circle. Ali descobri que Elba Ramalho é uma cantora muito popular de forró, um ritmo da região Nordeste. Com 60 e poucos anos, de saia curta e exibindo as tatuagens, ela levou o público ao delírio. No meio da terceira música, Magalhães cochichou no meu ouvido: "Ela é uma mistura de Liza Minnelli com Tina Turner". Exatamente.

Sábado

Nosso anfitrião disse que havia "uma loja de discos muito boa" quase na esquina do prédio em que estávamos hospedados, em Copacabana. E nem foi exagero. Chamada Bossa Nova & Companhia, era o paraíso para quem ama o ritmo, pois está lotada de CDs, livros, fotos antigas e todo o tipo de souvenirs.

Até a localização da loja - na esquina de uma viela chamada Beco das Garrafas - era um marco para os fãs. Nos anos 50, ali havia três clubes onde Jobim & Cia. mostraram sua música sofisticada ao mundo.

Hoje, o cenário é desolador: duas casas estão fechadas e a terceira virou clube de strip-tease. Melhor admirar as fotos em preto e branco do lugar que estão nas paredes da Bossa Nova & Companhia.

Naquela noite, as coisas não deram muito certo. Minha primeira parada foi no Triboz, um clube pequeno dedicado ao meu ritmo favorito, o jazz. Daniela Spielmann, uma saxofonista sensacional, liderava um quinteto que incluía Cliff Korman, pianista norte-americano que vive no Rio e dedica a vida à música brasileira.

Antes de a apresentação começar, o dono da casa, o australiano Mike Ryan se levantou e fez um discurso curto, mas contundente.

"O Triboz começou como um lugar para que as pessoas pudessem interiorizar a música e levantar no dia seguinte se sentindo um pouquinho melhores. Por isso, peço que não conversem durante a apresentação." Com certeza, aquele era o meu tipo ideal de lugar.

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Adorei o estilo contagiante da moça - e deveria ter ficado ali, quieto, mas tinha tanta coisa para ouvir! Como a Mart'nália, cantora famosa que estava no Circo Voador, e a banda Casuarina na Fundição Progresso, um espaço imenso na parte de trás do circo, lançando CD novo.

Lá pelas dez e meia, fui para o Circo Voador, onde fiquei esperando até meia-noite pelo começo do show da Mart'nália. Nada. Desisti e fui para a Fundição, onde descobri que o show do Casuarina também não tinha começado - o que só veio a acontecer quase a uma da manhã. Embora fosse bom e divertido, percebi que me interessava mais pela Spielmann. Corri de volta para o Triboz para pegar a última música. "Leva tempo para a gente se acostumar com o fato de que nada começa na hora por aqui", disse Korman ao me ver. Que coisa!

Domingo

Por causa de uma garoa chata não pudemos ir à praia; em vez disso, fomos ao Jardim Botânico - e vejam vocês, lá descobri um museu dedicado a Tom Jobim, com direito até a videoclipes. Minha mulher e eu ficamos ali, sentados e embasbacados, enquanto ele se apresentava ao lado de Frank Sinatra.

Alguém me disse que naquela noite haveria um show de Maria Bethânia, estrela da música popular. Embora minha mulher não estivesse a fim, fui ao local da apresentação, comprei o ingresso com um cambista e aproveitei o espetáculo com estrutura e cara de concerto de rock.

Só que ainda não estava satisfeito. Às dez, eu me vi de volta onde comecei: no Semente, ouvindo um jovem cantor de samba, Julio Estrela, liderando seu quinteto. O clima tranquilo de quinta tinha sumido: a casa estava lotada de músicos tocando, ouvindo, cantando, dançando e se divertindo. Muitos levaram seus próprios instrumentos, prevendo uma "jam session" tarde da noite. Até me passou pela cabeça ficar para ver, mas achei que não seria muito prudente.

Na segunda, mandei um e-mail para a dona do Semente com algumas perguntas cujas respostas fariam parte deste artigo.

"Hoje vamos ter outra noite especial de música instrumental com Zé Paulo Becker", ela respondeu, ignorando minhas dúvidas. “Seria legal se você pudesse vir”.

Doeu ter que dizer que não estaria ali porque tinha que pegar meu voo de volta para casa.