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Pratos leves e coloridos dão força a cozinha moderna em Budapeste

Lisa Abend

New York Times Syndicate

31/08/2013 08h00

Budapeste é a cidade do "tira-casaco". Basta pôr o pé em qualquer restaurante, por mais humilde que seja, que na mesma hora vem alguém para ajudá-lo a se livrar do peso do agasalho. Toda essa hospitalidade, mais os cardápios recheados de sopas cremosas e carnes refogadas, fazem da experiência de jantar ali uma viagem no tempo. Nem tudo, porém, é nostalgia: um movimento iniciado há vários anos em busca de pratos mais leves e coloridos, servidos em instalações mais modernas, começou a ganhar força.

Um dos primeiros exemplos veio em 2004, depois que o renomado vinicultor húngaro Jozsef Bock uniu forças com um chef local, Lajos Biro, para abrir o Bock Bisztro, um wine bar incrementado com cardápio ambicioso que repaginava os clássicos da cozinha local com sabores (wasabi) e ingredientes (lula) importados. A iniciativa deu tão certo que a dupla abriu uma filial do outro lado do rio Danúbio – e, mais recentemente, também em Copenhague.

Outros adotaram o conceito e a partir daí nasceu a ideia da "cozinha húngara moderna". Mais uma questão de espírito que de movimento, não tem nada das inovações tecnológicas da modernidade espanhola (o jeito mais fácil de saber se uma casa húngara se vê como moderna é procurando pela seção "Sous Vide" no cardápio) nem o princípio estético da Nova Gastronomia Nórdica; como tendência, porém, se destaca a ponto de se estender pela "hierarquia culinária", desde casas estreladas a cafés de bairro – sempre mantendo o valor mais tradicional de todos: a hospitalidade.

Onyx
Decorado com papel de parede em relevo, estátuas de mármore e cadeiras douradas tipo Luís 14, ninguém confunde o Onyx com um bistrô casual. Um dos dois únicos restaurantes húngaros agraciados com duas estrelas do guia Michelin, é o tipo de lugar onde os garçons, bem vestidos, literalmente flutuam entre as mesas e o tom da conversa é sempre sussurrado.

O estilo dos chefs Szabina Szullo e Tamas Szell não fica nada a dever no quesito luxo - como atesta o ravióli em caldo de açafrão e pedaços de carne de lagosta, servido no almoço. A melhor maneira de saborear toda a riqueza do cardápio é apostando na opção "Hungarian Evolution" (menu degustação), que usa e abusa de alguns dos ingredientes locais mais finos, transformados com técnicas que indicam que os chefs estão prestando muita atenção ao que os colegas andam fazendo no Ocidente. As pérolas negras de caviar de esturjão, por exemplo, são o complemento visual perfeito para o "solo" desidratado – farinha de rosca torrada – que há sob uma pequena montanha de legumes cozidos. Um fígado de ganso sedoso é servido com a "textura" da torta de ameixa, enquanto o lombo defumado e grelhado do porco Mangalitsa vem acompanhado de carne (tão bem cozida que chega a desmanchar) e coberto com espuma de lentilha. Até o clássico pão de ló Somloi vira um pudim encharcado de rum - mas é o canelé, minúsculo e perfeito, com seu interior cremoso e casquinha crocante ao fim da refeição, que explica por que a confeitaria húngara está entre as melhores do mundo.

Restaurante Onyx, Vorosmarty ter 7-8; onyxrestaurant.hu. Jantar para dois (menu degustação), sem vinho nem gorjeta, sai por cerca de 43.700 florins (ou US$ 200 com o dólar a 220 florins).

  • Akos Stiller/The New York Times

    A melhor maneira de saborear toda a riqueza do cardápio do Onyx é apostando na opção "Hungarian Evolution" (menu degustação), de Budapeste


Mak Bistro
Miúda, com um rabo de cavalo que lhe dá ares de animadora de torcida, Kata Talas, de 25 anos, sabe que não corresponde à imagem de chef – pelo menos para os colegas em Budapeste. "Eles não vão com a minha cara", dispara. "Vivem dizendo que sou muito nova, muito pequena, que sou mulher". Entretanto, basta uma única garfada de suas vieiras grelhadas com purê de tupinambo para perceber que a moça sabe cozinhar, sim – e que seu restaurante é uma das casas mais inovadoras da cidade. Kata, que trabalhou durante um ano no pub Hinds Head de Heston Blumenthal em Bray, na Inglaterra, instila sabores novos e vibrantes na gastronomia nacional. O velouté padrão encontrado na maioria dos restaurantes da cidade, por exemplo, ali ganha um ardor picante por ser preparado com rabanete preto. O molho de soja e o gengibre dão o tom nos pratos de aves. Seu camarão empanado numa emulsão grossa de tomate é uma festa em todos os sentidos, reunindo a doçura e a crocância do crustáceo e a acidez cremosa do molho.

Situado na frente da Universidade Europeia Central, o espaço industrial, bem iluminado, fica lotado de estrangeiros em visita e dos intelectuais da instituição. Muitos clientes complementam a maciez da "pogacsa" – guloseima que fica entre biscoito e pãozinho – com o suco de frutas da casa. Quem quiser provar o vinho húngaro conta com a assistência e o conhecimento dos garçons.

Mak Bistro, Vigyazo Ferenc utca 4; makbisztro.hu. Jantar para dois, sem vinho nem gorjeta, sai por 16.390 florins.

Pesti Diszno
O nome significa "O Porco de Peste" resume bem os pratos oferecidos nesse gastro pub do lado Peste da cidade. O chef Tamas Bereznay trabalhou para o presidente húngaro durante um tempo e até recentemente comandava as panelas do Karpatia, uma daquelas casas finas de Budapeste com teto folhado a ouro e música cigana. Porém, nessa nova empreitada ele aposta numa culinária mais viva e num ambiente mais animado. O Pesti Diszno é barulhento, descolado e serve pratos muito bons com base na carne de porco.

Inaugurada há pouco mais de um ano, a casa já se estabeleceu como um dos melhores lugares da cidade para provar a carne do Mangalitsa, raça de porco originária dos Balcãs que quase foi extinta durante o regime comunista, mas que vem sendo redescoberta. Bem marmorizada e muito saborosa, é utilizada aqui em opções tradicionais (no goulash apimentado) e outras nem tanto (no hambúrguer encharcado de molho de iogurte e gorgonzola). As fatias de lombo grelhado, com as beiradas chamuscadas para dar um sabor ainda mais marcante e bem substancioso, são uma excelente introdução às glórias dessa carne (e o torradinho do bolo de batata com queijo de ovelha também não fica atrás).

O restaurante se autodenomina "o primeiro tapas bar de Budapeste" e o cardápio inclui uma série de pratos pequenos que, à noite, atrai uma clientela jovem e estilosa. Embora praticamente não haja opções de legumes frescos, há pratos sem carne de porco – como o consomé de faisão, por exemplo, ou o patê de fígado de ganso preparado com a bebida local, o palinka.

Pesti Diszno, Nagymezo utca 19; pestidiszno.hu. Jantar para dois, sem vinho nem gorjeta, sai por 7.650 florins.

  • Akos Stiller/The New York Times

    Pesti Diszno significa "O Porco de Peste" e resume bem os pratos oferecidos nesse gastro pub do lado Peste da cidade


Macesz Huszar
Com a maior população judaica da Europa Central, o que não falta em Budapeste são opções para saborear uma tigela decente de sopa com bolinhas de matzá - mas no Macesz Huszar, o dono, David Popovits, quer atrair a clientela mais jovem, incluindo aquela que – como muitos na faixa dos vinte e trinta anos – está começando a descobrir sua ascendência. "Há muitos judeus que não são religiosos nem conhecem as tradições", afirma Popovits, referindo-se àqueles que cresceram sob o regime comunista, "e, apesar disso, querem se sentir judeus. E nada melhor do que comer um prato típico para se sentir assim".

Ele deve estar certo porque, embora tenha sido inaugurado em dezembro de 2012, o Macesz Huszar está quase sempre lotado. Situado perto da sinagoga da Dohany Street e decorado com papel de parede florido e toalhas de mesa de renda plástica, tem no cardápio muitas receitas que Popovits foi buscar nos velhos livros de receitas, incluindo bolinhas de matzá feitas não de farinha, mas com pão ázimo esmagado – e com os pedacinhos ainda visíveis – e uma terrina de pele de ganso crocante (chamada "gribenes" em iídiche). Não há nada de refinado nas opções, mas há inovações que mostram traços de modernidade: como a versão vegetariana e saborosa de "cholent", o tradicional refogado de vagem; um empanado feito com amêndoas e um suflê de cenoura que ganhou calda de chocolate amargo. Melhor de tudo, entretanto, é o hambúrguer feito com a carne mais judaica de todas: a de ganso. A combinação de carne fresca e defumada (e muita gordura da ave) produz um resultado para lá de saboroso.

Macesz Huszar, Dob utca 26; maceszhuszar.hu. Jantar para dois, sem vinho nem gorjeta, sai por 8.740 florins.