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Vida simples e ingredientes fresquinhos valorizam Martha's Vineyard

Danielle Pergament

New York Times Syndicate

04/01/2014 08h00

Era fim de agosto em Martha's Vineyard, um dia claro e ensolarado, perfeito para ir à feira. Cheguei lá às nove da manhã com Chris Fischer, chef, produtor e que conhece a todos. Criado em uma fazenda da região, ele trabalha desde os nove anos de idade, detalhe que a aparência não esconde: a pele escura, as rugas em torno dos olhos, a barba grisalha e as mãos cheias de calos lhe dão muito mais que apenas os 33 anos que tem.

Fischer, cuja família vive na ilha há doze gerações, estava ali para comprar ingredientes para o cardápio do jantar do Beach Plum Inn & Restaurant, onde comanda as panelas há quatro meses e onde, como talvez você saiba, o casal Obama jantou em 2013 ("Lagosta para ele, mexilhões para ela", confessou). A feira de West Tisbury é pequena, mas atende a duas necessidades bem diferentes: a primeira, a dos visitantes - buquês de zínias, suéteres de alpaca, muffins sem glúten, espigas de milho verde para grelhar na churrasqueira da casa alugada.

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E tem também aquela que só os próprios produtores veem. Nela, todo mundo sabe quem teve a melhor safra ou um ano difícil - e uns pagam aos outros em mercadorias e serviços, não só dinheiro. Há camaradagem, amizades e muitas histórias entre eles.

Da barraca da Fazenda Whippoorwill, Fischer levou mais beterraba do que qualquer ser humano poderia consumir; a seguir, arrematou uma boa braçada de manjericão de um homem que só podia ser descrito como Bozo Loiro. Na barraca da Tea Lane, paramos para dar uma olhada nos baldes de flores delicadas que estavam sendo arrumadas em um balde por uma jovem com rosto de querubim; por fim, fui apresentada a um produtor chamado Bob, que entregou dois sacos de batata a Fischer.

"Ah, desculpa. Não deu para trazer nada hoje", lamentou Bob.

"Bob faz a sua própria bebida e sempre que pode me traz uma garrafa", explicou Fischer.

Por mais turística que uma cidade seja, não é preciso ir muito longe para encontrar os nativos, mas em Martha's Vineyard, que há tempos é destino de viagem popular entre o pessoal do nordeste dos EUA (afinal são só 2,5 horas de Boston, entre carro e balsa), a cultura local é particularmente interessante: agricultores, queijeiros, cafeicultores e pescadores que estabeleceram uma verdadeira utopia na Nova Inglaterra. São pessoas que se conhecem intimamente, às vezes até namoram entre si, trabalham na terra, raramente vão à praia e vivem e circulam em uma área conhecida como Up Island.

  • Dominic Chavex/The New York Times

    Chris Fischer voltou a Martha's Vineyard há pouco tempo para dirigir o Beach Plum

Essa parte, que na verdade é o lado oeste da ilha, delimita as cidadezinhas de Chilmark e Menemsha. Ali não há resorts, apenas pastos, propriedades e a vida no ritmo local. É onde estão as fazendas centenárias administradas por donos de menos de trinta anos, onde as mocinhas, que você poderia até achar que são modelos ou atrizes em Nova York ou Los Angeles, colhem couve em hortas bucólicas de 25 hectares. Ali existe uma boemia que é real e não é: por um lado, há propriedades que produzem leite, criam perus soltos e fazendeiros que trocam o excedente da produção com os vizinhos; por outro, Bill Clinton joga golfe logo ao lado e o comediante Seth Meyers acabou de se casar ali (Fischer forneceu a comida, a Tea Lane fez as flores e assim por diante).

E Fischer, dono da famosa Fazenda Beetlebung e que voltou a Martha's Vineyard há pouco tempo para dirigir o Beach Plum (em minha opinião, o melhor restaurante que a ilha já teve) é a grande estrela. E o truque é simples: seu mundo, que compreende as propriedades, a comida, a beleza digna de livros de fotos, tudo é aberto ao público. Nas fazendas, há barraquinhas na entrada com legumes e verduras à venda (basta deixar o dinheiro na caixinha; é o sistema de honra). Em Beetlebung é possível cortar as próprias flores. Outros lugares, como Tea Lane e North Tabor, não funcionam sob as mesmas regras embora os donos demonstrem grande prazer em mostrar os animais, principalmente nesta época do ano em que os turistas já voltaram para casa e a ilha se esvazia.

A forma como ele lida com a comida vem de seu pai, Albert, um ex-pescador profissional (imagine uma versão mais magra de Wilford Brimley) que ensinou os filhos a caçar, pescar, colher e cultivar antes mesmo de alcançarem a puberdade. "Vivemos do que a terra nos dá", ele dizia. "Nesta ilha, comemos muito bem." E, para completar, uma frase que poderia virar slogan do restaurante e ser impressa no cardápio: "A comida deveria ser sempre simples, fresca e permitir que se identifique os ingredientes".

Depois de aprender essa lição, Fischer foi trabalhar para Mario Batali, chegando ao posto de sous-chef no exclusivo Babbo de Nova York; a seguir, passou pela Academia Americana em Roma, o River Café de Londres e, em 2007, voltou para a propriedade da família e para o Beach Plum, pousada e restaurante com vista para o porto de Menemsha.

"O Beach Plum tinha o salão de jantar mais feio que eu já vi; umas toalhas brancas, comida ruim. Eu mesmo reformei tudo, abri a cozinha com serra elétrica, fiz o teto novo. Uma das mesas é uma porta antiga feita pelo meu avô."

Fischer não é exatamente humilde, mas é vaidoso como devem ser os pilotos, cirurgiões e chefs. Sem dúvida, o exibicionismo faz parte da sua filosofia, pois tem o hábito de servir sua própria comida e deixar a cozinha, em pleno horário do jantar, para papear com os clientes - e sente um orgulho enorme da terra natal.

"Oitenta e cinco por cento de tudo o que servimos vem da própria ilha. Os melhores restaurantes, Blackberry Farm e Manka's, dão a perspectiva do lugar. São lugares a que vale a pena ir. É o que chamo da verdadeira cozinha de Chilmark." Minhas duas experiências no outro restaurante famoso, o State Road, foram bem diferentes e decepcionantes em relação à primeira vez em que lá estive, em 2009. Já Fischer tem um plano simples para se manter no topo: servir só produtos frescos e raramente preparados duas vezes da mesma maneira.

 

  • Dominic Chavex/The New York Times

    Emma Young, gerente do Beetlebung, em Martha's Vineyard; ali é possível cortar as próprias flores

No dia seguinte à nossa ida à feira, eu e meu marido jantamos no bar do Beach Plum. Bom "bar" é modo de dizer, já que a casa pede que você traga sua própria bebida; foi assim até com o casal Obama ("Vodca para ele, vinho para ela"). Comemos medalhões de atum com batata em salsa verde e apreciamos o show da equipe que preparou o jantar: Fischer; o sous-chef, Lee Desrosiers; um chef convidado, Nick Perkins (do Marlow & Sons, no Brooklyn) e o resto dos funcionários, saboreando copos e mais copos de vinho "quase" legal e, ao fim da noite, dançando ao som do estéreo portátil. Como tudo o que acontece nessa parte da ilha, foi um evento da comunidade, no qual a espontaneidade é o que vale e tudo é muito casual (ainda assim, o atum saiu por US$44). E essa atitude descompromissada fica ainda mais aparente na baixa estação.

"O verão não é a melhor época por aqui", Todd Christy, dono do Chilmark Coffee Company, comentou no meio de seu laboratório impecável, de última geração, lotado de potes de vidro e cilindros em formatos estranhos, provas de sua obsessão com a torrefação de café. "Bom mesmo é o outono, quando é possível explorar e sair por aí de mountain bike."

Entretanto, mesmo no auge da estação, quando fizemos nossa visita, deu para perceber que os proprietários hipsters habitam uma ilha toda própria. O robalo pode estar em falta ou as dálias florescerem mais tarde, Up Island é sinônimo de abundância o ano inteiro. As vacas Black Angus estão lá, pastando nas encostas perto da Tea Lane, onde Krishana Collins monta seus buquês vibrantes e etéreos. Mais para frente, a Mermaid tem legumes e verduras frescos e um queijo mais que saboroso.

"Até os peixes sabem", brinca Jennifer Clarke, capitã do barco em que estávamos, no porto de Menemsha, onde tinha acabado de pescar quinze robalos. "Essa área é mais tranquila. Por isso que a pesca é tão boa."

Dias depois do jantar no Beach Plum, encontrei Fischer e uma dúzia de garçons, ajudantes e jovens em um almoço improvisado em Beetlebung. O cardápio? Focaccia de tomate com azeite e sal marinho e salada de brócolis, servidos em uma mesa comunal ao lado de um campo de dálias. Uma refeição da terra para a mesa em que era possível se contar os passos entre uma e outra.

Não demorou muito e o grupo se dispersou. Algumas mulheres recolheram os restos para alimentar as galinhas, os funcionários voltaram a colher a couve e Fischer teve que voltar para o Beach Plum - afinal, Seth Meyers ia jantar lá naquela noite.

  • Dominic Chavex/The New York Times

    Martha's Vineyard é conhecida nos EUA por suas belas praias, como a Great Rock Bight, em Chilmark

Dicas de quem conhece

Chris Fischer conta quais são seu lugares favoritos na ilha.

Galeria Allen Whiting
Os quadros a óleo que Whiting faz a partir das paisagens locais são incríveis; 985 State Road, West Tisbury; (508) 693-4691; allenwhiting.com.

Book Den East
A coleção dessa loja inclui trabalhos de moradores como David McCullough e William Styron; 71 New York Avenue, Oak Bluffs; (508) 693-3946.

Chicken Alley
Parte brechó, parte galeria de arte, é uma meca da moda para os hipsters; 38 Lagoon Pond Road, Vineyard Haven; (508) 693-2278.

The Chilmark Coffee Company
Todd Christy vende seus grãos para toda a ilha; (508) 560-1061; chilmarkcoffeeco.com.

Pesca com Jennifer Clarke
Clarke é capitã de um dos barcos com "um senso inconfundível para saber onde o robalo está"; (508) 776-7286; captainclarkecharters.com.

Great Rock Bight
"Basta caminhar dez minutos para chegar ao local mais sereno da ilha"; mvlandbank.com.

Larsen's Fish Market
"Peça uma lagosta no vapor e coma vendo o sol se pôr no porto"; 56 Basin Road, Chilmark; (508) 645-2680; larsensfishmarket.com.

Mermaid Farm & Dairy
O queijo feta deles é páreo para o melhor pecorino de Pienza; 9 Middle Road, Chilmark.

Fazenda North Tabor
Compre o que tiver na barraca: geralmente são verduras, ovos e, se tiver sorte, cogumelo shitake; 4 North Tabor Farm Road, Chilmark; (508) 645-3311.

Fazenda Tea Lane
Krishana Collins vende suas dálias e girassóis em arranjos belíssimos na feira; tealanefarm.com.