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Após Primavera Árabe, turista tem pirâmides só para si no Egito

Marcel Vincenti

Do UOL, no Cairo *

18/02/2014 10h00

Há mais camelos do que gente no sítio arqueológico das Pirâmides de Gizé, no Egito. Pelo menos é essa a impressão que o turista tem ao entrar no principal cartão-postal da África, localizado a 30 quilômetros da cidade do Cairo e que, desde 2011, com as revoluções geradas pela Primavera Árabe, tem perdido exponencialmente seu público.

Estive nas pirâmides pela primeira vez em janeiro de 2009 e, na época, o lugar fazia jus à sua fama: ônibus recheados de turistas estrangeiros formavam fila para chegar perto de Queóps e companhia.

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Parte da paisagem do sítio arqueológico, os condutores de camelos tinham uma reputação terrível: "quando chegar às pirâmides, não caia no papo dos donos dos camelos", me alertou um viajante inglês. "Eles não vão desgrudar do seu pé enquanto você não aceitar fazer um passeio. E o preço que eles cobram é uma extorsão!"

Bom, os condutores dos animais continuam lá, insistentes como sempre, mas, agora, não há quase ninguém para falar mal deles. "Antes de 2011, chegávamos a ver aqui mais de 5.000 turistas por dia. Hoje, esse número não passa de 500", lamenta Shahar Aziz, que realiza passeios com Michael Jackson (como é chamado seu camelídeo) ao redor das pirâmides, cobrando apenas 70 libras egípcias (R$ 25) por um tour de 20 minutos (antes, para chegar a esse valor, era preciso barganhar muito). "Não tenho feito mais do que um passeio por dia. Há quatro anos, eu conseguia fazer 700 libras (R$ 245) em dez horas de trabalho."

O cenário é ainda pior para os vendedores de artesanatos. Mahmud Abdul, 43 anos, que comercializa miniaturas do busto de Nefertiti na frente da pirâmide de Quéfren, conta que não tem feito mais do que 40 libras (R$ 11) por dia. "Trabalho aqui desde os 11 anos de idade e nunca vi uma situação tão ruim. Só há turistas chineses na área e eles são muito pão-duros."

Quatro milhões a menos

Crianças de 11 anos (e de dez, nove e oito), aliás, são visão constante entre os trabalhadores das pirâmides. Disputando clientes com lentos homens septuagenários, elas correm atrás dos escassos estrangeiros para vender de tudo: colares, cartões-postais e falsas folhas de papiro. Poucas vezes, porém, a empreitada tem sucesso.

O cenário de Gizé é consequência da queda brutal de visitantes que o Egito tem enfrentado nos últimos anos. De acordo com Sameh Saad, conselheiro do ministério do Turismo do país, a terra dos faraós perdeu mais de quatro milhões de turistas entre 2010 (quando foi visitada por 14,7 milhões de estrangeiros) e 2013 (quando recebeu 10 milhões de forasteiros – a maioria deles, porém, voando direto para balneários como Sharm El-Sheikh, sem nem passar pelo Cairo).

"Isso é um grande golpe para nossa economia", avalia Saad. "Mais de 2,5 milhões de egípcios trabalham diretamente com o turismo e outros 20 milhões dependem indiretamente da indústria. Hoje, a ocupação hoteleira no Cairo e em outras cidades históricas do Egito está em apenas 25%."

Saad faz parte do governo militar que, em 3 de julho de 2013, derrubou do poder Mohamed Morsi, líder do grupo islâmico Irmandade Muçulmana que havia sido eleito presidente do Egito, um ano antes, com 51% dos votos – mas que é literalmente odiado pelos outros 49% dos eleitores. Um mês depois, confrontos entre o novo governo e membros descontentes da Irmandade geraram centenas de mortos. Nessa época, o índice de ocupação dos hotéis do Cairo caiu para 3%.

"Nós estamos colocando o país em ordem novamente", afirma Saad. "Apesar de ainda baixo, o número de turistas tem aumentado, pois estamos passando confiança ao mundo. O Reino Unido, por exemplo, parou de desaconselhar seus cidadãos a visitar o Egito. Com certeza, vamos crescer nos próximos anos."

 

  • Marcel Vincenti/UOL

    Camelo do complexo das Pirâmides de Gizé descansa com a falta de turistas

Turista "VIP"

No Egito, a reportagem do UOL conheceu o advogado fluminense François Pimentel, que resolveu passar suas férias nos arredores do rio Nilo. Ele é prova de que, se a transição política no Egito pode ser terrível para a economia do país, ela pode beneficiar – e muito – o turista. "Quando visitei as pirâmides, o veículo da agência que contratei estava vazio. Fiquei com um guia só para mim e pude ter todas as explicações que eu queria. Foi como um tour VIP."

Pimentel afirma que o atual cenário egípcio não prejudicou seus passeios. "Além das pirâmides, estive em templos como Abu Simbel e Karnak, e me senti seguro em todos os lugares que visitei. Está sendo uma viagem sem percalços", diz ele.

Em janeiro, a embaixada dos Estados Unidos no Egito publicou um texto em que afirmava que os arredores das pirâmides apresentavam um "ambiente perigoso" para cidadãos norte-americanos. Durante a visita à Gizé, porém, a reportagem do UOL presenciou um ambiente tranquilo: a entrada das pirâmides estava policiada e, dentro do sítio arqueológico, o entretenimento continua garantido: além de admirar as estruturas de de 4.500 anos de Quéfren, Queóps e Miquerinos, o turista pode desbravar o interior das duas primeiras.

A Esfinge, por sua vez, ainda é cenário de um colorido show de luzes quase todas as noites. E, a poucos minutos das Pirâmides, dois dos melhores centros de compras de Gizé continuam funcionando: a loja Flower Cotton (rua Al Helmia, 9 – telefone: 0100 25 20 475) vende conjuntos de lençóis de algodão egípcio de mil fios por a partir de 192 dólares e a tenda Abu Simbel Papyrus (rua Abu El-Haul, 55 – telefone: 202 338 60492) comercializa lindas lâminas de papiro (tudo verdadeiro) pintadas com arte do Egito Antigo.

Além disso, em 2015, o governo egípcio planeja abrir ao lado das pirâmides um museu que promete abrigar 300 mil relíquias da época dos faraós. As obras já começaram no meio do deserto de areia – e de gente.

É seguro?

O cônsul brasileiro no Cairo, Álvaro de Oliveira, evita afirmar categoricamente que o Egito é hoje um país totalmente seguro para turistas. Mas ressalta que é "histeria dizer que o mundo está acabando por aqui". "O turista brasileiro pode vir ao Egito, desde que tome algumas precauções", diz ele. "Recomendados ao viajante que evite aglomerações e protestos nas ruas, assim como algumas regiões do país, como o norte da Península do Sinai [há relatos sobre grupos ligados à Al-Qaeda atuando nesta área]. Se o visitante ficar apenas em locais turísticos, ele dificilmente terá problemas."

Um desses lugares turísticos é o Museu Egípcio, que, entre seus 120 mil itens históricos, abriga múmias de faraós e os tesouros de Tutancâmon. O local, que está funcionando normalmente, fica ao lado da Praça Tahrir (o principal palco dos protestos que vêm sacudindo o Egito nos últimos três anos) e encontra-se cercado por dezenas de veículos blindados.

A reportagem do UOL esteve na área e realizou um passeio pela praça Tahrir. Se você quiser caminhar por esse lugar histórico, é aconselhável tomar precauções: não chegue perto de qualquer aglomeração de pessoas e use discretamente câmeras fotográficas ou filmadoras (jornalistas não são bem-vindos nessa área do Cairo – e você não vai querer ser confundido com um deles).

  • Marcel Vincenti/UOL

    A Esfinge é um dos principais símbolos do complexo arqueológico das Pirâmides de Gizé, no Egito

Como ir

Ainda é possível realizar viagens independentes ao Egito, a bordo de companhias aéreas que fazem conexão em alguma cidade da Europa ou da Ásia (como Ethiopian Airlines, Lufthansa ou Air France). O visto é tirado no aeroporto do Cairo (com pagamento de taxa de 15 dólares) e, hoje, ainda há ampla oferta hoteleira no país (na capital, operam desde hotéis como Hilton até albergues de mochileiros).

Porém, se o viajante quiser conforto e, acima de tudo, uma dose extra de segurança em sua viagem, vale a pena contratar o serviço de alguma agência de turismo. A CVC, por exemplo, tem hoje pacotes para o Egito que contam com guias que falam português e levam os viajantes para os lugares mais remotos do país, como o Deserto Branco e o complexo arqueológico de Abu Simbel. Para saber sobre preços, acesse: www.cvc.com.br

*O repórter Marcel Vincenti viajou ao Cairo a convite do Ministério do Turismo do Egito e da companhia aérea Ethiopian Airlines