Topo

Torres desativadas viram pontos turísticos e iluminam a noite de Austin

Mark Oppenheimer

New York Times Syndicate

06/03/2014 19h40

Há dois tipos de pessoas que acham legal se mudar para Austin. O primeiro inclui todo mundo, desde executivos engravatados a aspirantes a contraculturalistas, atraídos pela nova Austin, a cidade do festival South by Southwest, dos computadores Dell, dos trailers de comida; o segundo tipo é atraído pela antiga Austin, a que não existe mais. Vamos chamá-lo de Homem da Torre da Lua.

Como o nome sugere, ele é um homem e adora Austin desde os tempos de moleque, quando ficou fascinado pelo clássico "Jovens, Loucos e Rebeldes", de Richard Linklater. O filme de 1993 se passa na cidade, é claro, no último dia de aula de 1976, e é estrelado por carros beberrões e caminhonetes clássicas se movimentando ao som de uma trilha que reúne Aerosmith, Lynyrd Skynyrd e Foghat. Representa a Austin de outrora - e se você é fã desse mundo banda larga corrido de hoje, então a versão romântica da Austin dos anos 70 é apenas um conceito. Eu, toda vez que vejo o filme, tenho vontade de me mudar para lá.

Essa Austin praticamente desapareceu, é claro, substituída, em parte, pela nova, mas as torres da lua continuam por ali. Como os fãs do filme sabem, aquela noite em 1976 é bem sem graça até que alguém - acho que é David Wooderson, interpretado por Matthew McConaughey - organiza um "encontro da cerveja" na "torre da lua". A história se espalha e todo mundo se reúne na mata, sob o brilho de uma torre imensa que tem uns holofotes no topo. E bebe, fuma maconha, namora e briga. Alguns até chegam a escalar a tal da torre. É claro que ninguém cai. Como poderia? É a noite perfeita.

Na vida real não há muitas festas em torres da lua. Nenhuma delas fica em uma área isolada, cheia de árvores, propícia para uma festa de adolescentes como no filme. Com cerca de 45 metros cada uma, erguidas em 1895, elas faziam parte dos primórdios de um sistema de iluminação. Tinham lâmpadas de arco, seis globos contendo eletrodos entre duas varas de carbono. São eficientes e belas, mas tão brilhantes que têm que ficar acima da cidade, daí o nome "torre da lua". Quando Detroit, uma das primeiras cidades a adotá-las, desativou algumas de suas torres, em 1894, Austin comprou 31 e passou a usá-las.

Com o tempo, também as substituiu por versões novas, até acabar desmantelando metade das torres originais -, mas as que restaram são uma parte essencial da tradição local, lembrete de uma Austin ainda mais antiga que a de Linklater.

Como um Homem da Torre da Lua assumido, fui à cidade no fim de 2013 para vê-las com meus próprios olhos. A primeira que avistei ficava na esquina da Martin Luther King e Chicon, um cruzamento sem graça e deserto onde a torre se vê no extremo de um estacionamento, pertinho de uma loja de conveniência. Ao meu lado, na esquina, estava Wiley Wiggins que, aos quinze anos de idade interpretou Mitch Kramer, aquele que ousa escalar a torre em "Jovens, Loucos e Rebeldes".

Ele foi criado em Austin e hoje tem 37 anos. Ainda atua, mas também trabalha com software. Como um fã da torre envolvido nos dois setores da cidade que mais crescem - o cinema e a computação - é um elo vivo entre a Austin de ontem e a de hoje. Perguntei o que se lembrava das torres e ele disse que, quando era moleque, elas eram lendárias.

"Conheci as torres porque há uma ou duas perto da Universidade do Texas. Ali no trecho da Guadalupe Street, de frente para o campus, onde a garotada punk rock se reunia. Tinha cafeteria, loja de disco, loja de produto de couro que estava mais para sadomasoquismo que qualquer outra coisa. Os moleques ficam ali, doidões com ácido, falando sobre um amigo do amigo que decidiu falar com Deus e caiu. Sei lá, acho que essas histórias são só mito."

Naquela noite dei uma volta de carro por Austin para ter uma ideia de quantas torres conseguia ver. As que continuam em pé ficam mais próximas do rio Colorado, em áreas residenciais íngremes, bem arborizadas; dá para dirigir tranquilo nessas regiões e, se você mantiver os olhos erguidos, vai permitir que elas o surpreendam. A distância, porém, prega lá suas peças: você pode achar que a torre está a uns 400 m só para descobrir que fica ao dobro dessa distância.

Quando se depara com uma, ela parece um poste comum, mas muito mais alto, mais grandioso, com uma graça metálica e estruturada, como se fosse uma Torre Eiffel em miniatura. Se as torres não são faróis para beberrões noturnos - como de fato não são - se tornaram algo muito melhor. Elas têm dignidade e, no entanto, são acolhedoras: vigias autoritários que, em seu ambiente, são até bem modestas, não sabem o que é arrogância. Elas têm orgulho de iluminar as ruas onde famílias comem, dormem e brincam. E se recusam a ser monumentos; preferem ser como as cadeiras antigas em que as pessoas ainda se sentam.

A da esquina da 11 com a Lydia ilumina o Quickie Pickie, que fica aberto até meia-noite e tem provisões para todas as horas. É um armazém geral que anuncia cerveja, vinho, café, frios e sorvete. Lá dentro, a mulher no balcão não pareceu nem um pouco surpresa ao saber que eu tinha saído do Norte para ver as torres. "Elas são lindas", foi só o que comentou.

E me ensinou como chegar (muito mal, mas eu não tinha pressa e nenhum outro lugar aonde ir) a uma torre na esquina da Pennsylvania Avenue com Leona Street. Conforme passei por ela à minha esquerda, olhei para a direita e vi um pequeno parque - que ficava ao lado, como reparei, da Kealing Middle School, o que me fez pensar em como os alunos daquela escola eram sortudos por poderem admirá-la todos os dias.

Mas peraí, as aulas acabam antes de ela ser acesa. Será que as crianças sabem o que têm ali? Os mais velhos certamente sim - e tem até um Moontower Saloon na região sul da cidade (bem longe de todas elas), mas as mencionei a dois amigos que se mudaram para a cidade há uns cinco anos (e moram lá perto, veja só) e não tinham a mínima ideia do que eu estava falando. Bruce Hunt, historiador da Universidade do Texas, já escreveu muito sobre elas e estava acostumado à falta de visibilidade das estruturas.

"Elas estão acessas todas as noites, mas as pessoas não as notam porque não são mais as únicas fontes de iluminação", explicou ele.
Uma coisa é saber tudo sobre as torres, outra é tentar escalá-las. Consegui encontrar alguém que realizou a façanha: Kivett Bednar, de 32 anos, músico e artista que hoje vive em Portland, no Oregon, mas nasceu e foi criado em Austin e se formou na McCallum High School.

"A molecada ficava bêbada e acabava subindo", conta Bednar sobre a torre na área do Hyde Park. "Eu subi umas três ou quatro vezes, sendo que duas, pelado. Na verdade, acho que cheguei a amarrar uma camiseta da escola lá. Ridículo absoluto."

Escalar a torre não é fácil. Para começar que a treliça de metal que é a parte pela qual se sobe que começa a uns 4,5 metros do chão. Richard Linklater teve que adaptar o modelo do filme, segundo o que me contou Wiley Wiggins quando nos encontramos aquela tarde na esquina. "No filme, tem uma escada bem centralizada para facilitar a subida", entregou.

Perguntei se, quando criança, ele pensava em escalar a torre."De jeito nenhum. Morro de medo de altura. Também nunca vi ninguém subir. É tipo lenda urbana, todo mundo fala, mas ninguém sabe como é."

Wiggins agradeceu, mas recusou o convite que fiz de levá-lo lá para cima comigo. Eu tinha convencido a Austin Energy, companhia de energia que opera as torres, a me levar com o caminhão da empresa e dois funcionários que tinham que trocar as lâmpadas. Ganhei um capacete, equipamento de segurança e segui em frente.

Quando estacionamos ao lado da torre, eu já estava com medo de olhar de lado. O vento balançava o nosso cesto, fazia um frio absurdo e, embora eu soubesse que estava em segurança, não consegui mostrar nenhum tiquinho do descaso exibido por Mitch, Pickford, Slater e "Pink" Floyd no filme quando não só a escalam como entram para ver o que há lá dentro. Eu me agachei e fiquei quietinho perto da porta de metal.

Para ser de outro jeito, só se o sujeito estiver muito bêbado, muito chapado ou for muito estúpido - ou, quem sabe, ser muito jovem, com a coragem que só o último dia de aula desperta.