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Roteiro mostra restaurantes para provar a verdadeira culinária inglesa

Mark Bittman

New York Times Syndicate

22/04/2014 19h57

Podem criticar a comida inglesa do jeito que for, mas a verdade é que esse lance de "culinária local" é quase tão arraigado na Inglaterra como na França - o problema é que, às vezes, esse fator se esconde por trás da pobreza, das guerras e/ou uma atração fatal (como eles mesmos chamam) pelos EUA. Hoje em dia há dezenas de restaurantes oferecendo peixes pescados no Canal da Mancha ou no norte do Atlântico, carne de vaca e porco nacionais, além de carneiro do País de Gales e da Escócia e verduras e legumes de todas as regiões do país.

Meu foco aqui não são os ingredientes, mas sim o estilo de gastronomia que, na falta de termo melhor, chamarei de "inglês". Não há culinária europeia moderna que escape das influências francesas ou italianas, é claro. Eu só queria algo que se aproximasse da pureza nacionalista e, ao ver enguia ou Jersey royal (uma nova batata que já tem fãs ardorosos) no cardápio, sabia que estava na direção certa. Aqui estão os meus favoritos (em ordem de preferência).

Canteen
Tudo bem, admito que é uma rede de restaurantes e o ambiente é parecido com o de uma cafeteria nova-iorquina, mas mesmo não sendo esse seu ponto forte, recomendo o Canteen a todos os meus amigos, além de eu mesmo passar por lá toda vez que vou a Londres. Para os britânicos a comida pode parecer comum, mas, para mim, beira o exótico: tortas salgadas, com ou sem carne; salada de hadoque defumado e ovo pochê; bochecha de porco com cenoura e nabo; carne de coelho com ovo.

Numa cidade em que tudo parece absurdamente caro para os norte-americanos, o Canteen me parece bem em conta: só um dos pratos principais se aproxima das vinte libras (ou US$ 31,50 com a libra a US$ 1,56); a maioria fica bem abaixo disso e – vejam vocês – quase todos têm a opção da meia porção por metade do preço. Da última vez em que estive lá, eu e mais uma pessoa dividimos cinco pratos, tomamos vinho e pagamos menos de 50 libras.

Para finalizar – e esse é um detalhe importante – o serviço é sempre eficiente e simpático. Os garçons não têm pressa em explicar as opções e não o ignoram depois de servi-lo.

Espero não estar exagerando; a comida é modesta, mas deliciosa, e o ambiente não atrapalha nem desvia a atenção da delícia de saboreá-la, mas só pelo fato de voltar várias vezes e nunca se sentir irritado, incomodado ou explorado, para mim já vale a recomendação.

Canteen, Royal Festival Hall, Belvedere Road (e mais três filiais); (44-845) 686-1122; canteen.co.uk. Uma refeição média para duas pessoas, sem bebidas nem gorjeta, sai por mais ou menos 40 libras.

Hawksmoor Seven Dials
Eles já serviam filés em Londres quando a steakhouse de Nova York nem tinha sido inventada. O Hawksmoor, como o Canteen, tem filiais (a que eu visitei se chama Seven Dials por causa de sua localização em Covent Garden) e, com algumas escolhas sábias, também pode sair bem em conta.

Essa é a única coisa que as duas casas têm em comum. Esta traz uma lista elaborada de vinhos e coquetéis, além de opções de filés gigantescos numa lousa; melhor dar uma espiada no cardápio para checar as opções de tamanho normal. De qualquer forma, tudo pode ser dividido. De fato, essa é a minha recomendação porque tanto os acompanhamentos como as sobremesas são fantásticos (dá para perceber que tem um chef de verdade na cozinha, não só um cara que sabe preparar os filés direito). A carne, é bom que se diga, é britânica - e deliciosa, impecavelmente preparada.

Gostei muito da salada de funcho-do-mar e carne de caranguejo, e mais ainda da de enguia, joelho de porco, agrião, hortelã, ervilhas, croutons e ovo pochê; a salada verde simples também é muito bem feita. O brócolis ramoso (variedade pouco comum nos EUA), a batata frita na gordura da carne (uma das melhores que já provei) e a Jersey royal valem muito a pena. O peixe assado inteiro estava quase perfeito, mas o frango estava um pouco ressecado.

A minha sorte é que estive lá duas vezes e, da segunda, pude provar algumas sobremesas: gelatina de champanhe com limão é uma maneira perfeita de "limpar" o paladar; o bolo com calda toffee, macio e denso; o biscoito de pasta de amendoim com sorvete salgado, ideal.

O Hawksmoor Seven Dials fica num tipo de porão com paredes de tijolos, mesas de madeira sem enfeites e cadeiras confortáveis, com um clima agradável e serviço acima da média.

Hawksmoor Seven Dials, 11 Langley St. (e mais duas filiais); (44-207) 420-9390; thehawksmoor.com/locations/seven-dials. Uma refeição média para duas pessoas, sem bebidas nem gorjeta, pode chegar a cem libras, mas, sem exageros, esse preço pode ser bem menor.

  • Hazel Thompson/The New York Times

    Fachada do Hotel Mandarin Oriental, em Knightsbridge, em Londres, lar do Dinner

Dinner
Está esperando a dica de um lugar chique? Aí vai: Dinner – "Jantar", em português (não sei quanto a vocês, mas acho engraçado e não me canso de repetir: "Vamos jantar no Jantar?". Acho que esse foi o objetivo dos caras). No Hotel Mandarin Oriental, em Knightsbridge, ou seja, não poderia ficar num lugar mais exclusivo - nem ter um histórico melhor: seu chef é Heston Blumenthal, gastrônomo molecular conhecido por seu trabalho no Fat Duck (na cidade de Bray), que, desde que o espanhol El Bullí fechou, é o restaurante de vanguarda mais famoso do mundo.

O cardápio supostamente reúne pratos e receitas medievais e históricas; bom, essa é a teoria e dá uma ótima história e uma bela narrativa à refeição, mas a verdade é que a comida não parece nem mais nem menos contemporânea que a de qualquer restaurante, tendo apenas alguns temperos exóticos e mais referências do que a maioria. Lembrem-se: ninguém sabe qual era o gosto da comida naqueles dias (um papel que embrulhava os guardanapos trazia a história do âmbar cinza, tempero extraído da baleia, só que ele não é usado em nenhum prato... então por que se dar ao trabalho?).

Apesar disso, praticamente tudo é muito gostoso, inclusive a bola de mousse de fígado de galinha com gelatina de laranja disfarçada de mexerica (chamada de "fruta de carne", servida com uma torrada deliciosa). Todos os pratos são feitos com cuidado e precisão e são irresistíveis. Tem que ser mesmo, afinal Blumenthal tem um nome a zelar.

Além disso, o salão parece mais um dos corredores do hotel, superiluminado e com uma decoração, no mínimo, duvidosa, detalhe compensado pelo serviço excelente e pelo espaço das mesas (embora haja poucas que sejam boas de verdade).

De qualquer forma, a comida vai fazê-lo esquecer tudo isso: o mingau de aveia, o salpicão e o assado de pombo com alcachofra são fabulosos, criativos e interessantes, assim como o sorvete de pão preto. Preferi não experimentar o sorvete instantâneo feito com cartuchos de óxido nitroso, embora só os nomes dos sabores tenham enchido minha boca d'água.

Dinner, Mandarin Oriental Hyde Park, 66 Knightsbridge; (44-207) 201 3833; dinnerbyheston.com. Uma refeição média para duas pessoas, sem bebidas nem gorjeta, sai por mais ou menos 110 libras.

Albion Café
Sir Terence (Conran, é claro) apostou no "novo" território na região nordeste da cidade – em Shoreditch, uma área que desde os anos 90 não para de se valorizar. O Albion é um mercado e um restaurante iluminado, alegre e atraente. A cozinha aberta, nova e imensa, não para de fazer brioches e filões de pão branco e preto, quase como se fosse para exibição, mas de lá também sai comida boa a preços adequados numa atmosfera agradável.

Pela segunda vez em 24 horas (a outra foi no Hawksmoor Seven Dials), comi batata frita do tipo que não se encontra nos EUA, como também provei o rim de carneiro, maravilhosamente macio e saboroso, numa torrada perfeita, levemente dourada (sem contar que a porção era enorme e barata). Só esse prato já valeu a visita. As fritas acompanhavam um peixe empanado que, na minha opinião, tinha a casquinha grossa demais, mas aí é questão de estilo. Aposto que muita gente acha perfeito.

Você não precisa se afastar tanto do centro para comer bem, mas se estiver em Londres, por que não experimentar? Se quiser se aventurar do outro lado da cidade, vá ao Le Cafe Anglais ou Hereford Road, ambos próximos à estação Queensway do metrô.

  • Hazel Thompson/The New York Times

    Instalado no Soho, o Quo Vadis sobrevive graças à sua localização, em Londres

Albion, 2-4 Boundary St., Shoreditch; (44-207) 729 1051; albioncaff.co.uk. Uma refeição média para duas pessoas, sem bebidas nem gorjeta, sai por mais ou menos 40 libras.

Quo Vadis
Instalado no Soho, o Quo Vadis sobrevive graças à sua localização. Ele passou por algumas transformações, mas, pelo que me lembre, o arranjo atual é o melhor: formado por um grupo de pequenas construções aconchegantes (Marx e Engels moraram numa delas), com o restaurante estilo bistrô no térreo e algumas salas particulares e um clube nos andares de cima. O cardápio muda quase todo dia, mas é sempre interessante. O preço fixo de 17,50 libras por dois pratos ou vinte por três vale muito a pena.

Porém, um item que aparece sempre é a sopa de caranguejo – na verdade, está mais para caldo –, que é bem forte, tanto que recomendo dividir, mesmo em quatro. Talvez seja possível pedir ao garçom para trazê-la em xícaras pequenas, mas isso só me ocorreu depois.

Bom, essa talvez ficasse só na intenção porque, quando estivemos lá, parecia que eles não estavam interessados nem em trazer nossos pratos. Aliás, o restaurante tem fama de ter um serviço "difícil", embora já tenha sido melhor.

De qualquer forma, a comida, que eu descreveria como inglesa contemporânea, é bem boa. A cavala grelhada estava perfeita; o radicchio com carne de porco também, se bem que a verdura tenha roubado totalmente a cena; a salada verde estava fresquíssima e crocante. O Quo Vadis, que há muito era uma escolha fácil e decente para uma refeição antes do teatro, agora também vale a pena pela comida.

Quo Vadis, 26-29 Dean St., Soho; (44-207) 437-9585; quovadissoho.co.uk. Uma refeição média para duas pessoas, sem bebidas nem gorjeta, sai por mais ou menos 50 libras.