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Em Londres, descubra restaurantes que servem os sabores autênticos da Índia

Mark Bittman

New York Times Syndicate

24/04/2014 18h15

Mais de quinze anos atrás, os primeiros restaurantes indianos "chiques" começaram a aparecer em Londres, incluindo o hoje famoso Tamarind, aberto em Mayfair. Foi uma ocasião e tanto: numa cidade com um sem-fim de sujinhos preparando todas as variações de curry, de repente um lugar oferecia requinte e deixava clara a sua aspiração estelar. Era eclético, animado, caro e deu certo - além de, sim, conquistar a estrela no guia Michelin. Continua lotado e eu não posso falar um "a" para criticá-lo.

Porém, não é lá que como quando vou a Londres. O bom da chamada gastronomia "indiana" na cidade (estou usando aspas aqui porque acho que um termo mais apropriado seria "subcontinental", que inclui a culinária do Paquistão e da disputada Caxemira, entre outras áreas) é que ela pode ser encontrada em qualquer lugar e é genuína. Os lugares mais refinados são bons para os puristas, mas os que oferecem os verdadeiros pratos da terra são incríveis e, verdade seja dita, têm mais audácia do que aqueles que servem uma clientela mais... refinada. E não caia nessa de acreditar que produtos de boa qualidade são privilégio dos restaurantes mais caros; todos os lugares que menciono aqui oferecem produtos de primeira.

Para os nova-iorquinos - e principalmente para o resto dos EUA - não há muitas oportunidades de provar a autêntica comida "indiana"; sim, claro que há restaurantes étnicos, mas geralmente não duram muito e acabam se afastando de suas raízes para agradar ao paladar mais genérico. Em Londres há opções brilhantes (para usar uma expressão local). Eu listei quatro, mais ou menos em ordem de preferência, embora estejam todos quase empatados. (Um que não alcançou a marca foi o Malabar Junction, em Bloomsbury, mas pretendo voltar lá.)

Cafe Spice Namaste
Complexo, fascinante, diferente, delicioso e despretensioso. Essa descrição já seria suficiente, mas vale acrescentar alguns detalhes. O Cafe Spice, no East End, tem um visual casual, meio anos 70, quase hippie, com cores fortes por todo lado e garçons uniformizados - o que prova não só o nível de sofisticação da verdadeira comida "indiana" (está bem, chega de aspas), mas suas variações, mesmo num lugar tão modesto.

Deixando as aparências de lado, o restaurante é excepcional, quase inacreditável. A comida é uma das mais complexas que provei durante a minha turnê gastronômica de três semanas pela Europa. O chef é Cyrus Todiwala, famoso e muito querido, se sentindo em casa com a variedade de estilos e disposto a discutir os detalhes de cada prato por horas a fio.

Entre os meus favoritos estão o cheera wada, pequenos bolinhos de ervilha amarela e espinafre de Kerala; camarões à moda Parsi, num molho de tamarindo e açúcar; e missal pao, ou cogumelos e grão de bico no curry de leite de coco, servido com noodles crocantes.

Além da natureza eclética da culinária, dois detalhes se destacam: primeiro, os ingredientes são superiores. (Você pode defender a qualidade da carne de porco ou cordeiro que come, mas a carne britânica, quando é boa, é boa mesmo.) Segundo, o cardápio inclui pratos típicos de Goa, raríssimos em outros lugares, e as versões do chef são maravilhosas. Durante muito tempo, o estado foi colônia portuguesa, então prepare-se para encarar uma versão adaptada da feijoada brasileira. Outro delicioso prato típico da região apareceu entre as sobremesas: a bebinca, ou panquecas de coco em camadas. O sorvete com aroma de rosas e cardamomo também é campeão.

Cafe Spice Namaste, 16 Prescot St., East End; (44-207) 488-9242; cafespice.co.uk. Uma refeição média para duas pessoas, sem bebidas nem gorjeta, sai por volta de 50 libras, ou US$ 77 a US$ 1,53 por libra.

New Tayyabs
Essa casa em Whitechapel serve pratos paquistaneses e, como diz o meu amigo Jay Rayner, crítico gastronômico do The Guardian, é o "paraíso das carnes".

Dá a impressão e tem o visual de uma cafeteria, mas com garçons. Você pode levar sua própria cerveja ou vinho (há uma loja de bebidas ao lado), e apreciar o clima de um bairro diferente de todos os que existem nos EUA, ou seja, onde vivem pelo menos uma dúzia de grupos étnicos diferentes. Ao mesmo tempo, pode desfrutar de um magnífico kebab de cordeiro - ou, quem sabe, as melhores costeletas de cordeiro tandoori da cidade (quiçá de outras regiões também). Bem fininhas, recobertas por uma marinada de iogurte e cominho, grelhadas no ponto, devoradas com as mãos... aí está, o paraíso das carnes.

  • Andrew Testa/The New York Times

    Mesa de jantar do New Tayyabs, em Londres. O local dá a impressão e tem o visual de uma cafeteria, mas com garçons

E tem mais: não perca o curry seco de carne - que tem esse nome porque o caldo é cozido por tanto tempo que o prato é quase servido seco; reduzido, o molho dá um sabor intenso e deixa o cordeiro ultramacio. (Acho que também tem uma boa quantidade de ghee, a manteiga clarificada, porque você se sacia depois de cinco segundos.) Há um dal fantástico, principalmente o que leva berinjela, e bons pães - mas todo mundo quer mesmo as costeletas.

O lugar é tumultuado e está sempre cheio, com os engravatados do centro financeiro se acotovelando com mulheres de hijab. Na verdade, o ambiente me lembra o de uma delicatessen que havia em Times Square por volta de 1958: barulhenta, às vezes com espera, com um serviço precário... mas todo mundo adorava.

New Tayyabs, 83-89 Fieldgate St., Whitechapel; (44-20) 7247-9543; tayyabs.co.uk. Uma refeição média para dois sai por 40 libras, mas isso porque você vai exagerar; dá para gastar bem menos. 

Sitaaray
Talvez seja uma daquelas armadilhas para turistas de Covent Garden - pelo menos tem cara - mas eu gostei: poder comer kebabs e curries até arrebentar num ambiente bem Bollywood, com TVs exibindo clipes e filmes.

Tenho a impressão de que os donos são especializados em kitsch (é deles também o Chor Bizarre - veja abaixo - que também se encaixa nessa descrição), mas eu acho o Sitaaray divertido, talvez porque a comida seja muito boa.

Você fica (bom, eu fiquei) meio chocado quando o garçom traz o cardápio e anuncia: "Você não pode pedir uma coisa só porque a gente traz tudo" - e aí dá-lhe a versão indiana das churrascarias brasileiras, onde os garçons passam oferecendo uma variedade sem fim de espetos e ainda voltam depois, quando você já está a ponto de pedir arrego.

Primeiro, trouxeram dahi batata puri (pequenos bolinhos de farinha de grão-de-bico com batata, iogurte e tamarindo), e um kebab de cordeiro com hortelã e pimenta. Depois, veio o peixe grelhado, também com hortelã, seguido de peixe amritsari, uma especialidade do Punjabi preparado à perfeição, supercrocante e com um tempero misterioso.

No total, são quatro pratos com frango, incluindo a coxa marinada em caldo de beterraba assada no tandoor, o que lhe dá a cor avermelhada tradicional. (Estava tão boa que eu acabei marcando de voltar para aprender uns truques com o chef.) Há também três kebabs de cordeiro, sendo que o meu favorito é o seekh (só a carne temperada no espeto, mais nada). Há uma quarta versão, a kakori, que segundo o que me disseram é preparada com carne moída várias vezes para que aqueles que não têm mais dentes possam também apreciar. Sinceramente? Acho que se aprende a gostar de um treco desses só com o tempo.

Há legumes, dal cremoso e grande variedade de chutneys, raitas e picles. As sobremesas são à la carte; você não vai aguentar, mas o halwa de cenoura é diferente e bem gostoso.

Sitaaray, 167 Drury Lane, Covent Garden; (44-207) 269-6422; sitaaray.com. Uma refeição média para dois sai por 50 libras (pode ser bem menos dependendo se for antes ou depois do teatro). 

  • Andrew Testa/The New York Times

    No restaurante Chor Bizarre, os clientes podem provar dals deliciosos e autênticos

Chor Bizarre
Se você acha que o centro de Mayfair é sofisticado demais para um reles estabelecimento comercial, é melhor repensar seus conceitos: ali fica o Chor Bizarre, tão esquisito quanto o original, que fica em Nova Déli. "Chor bazaar" quer dizer "feira de ladrões", ou o que a gente chamaria de mercado de pulgas. Esse restaurante, cujo nome é uma piada óbvia, parece uma loja de antiguidades de brincadeira, mas tudo pode ser comprado, dependendo da oferta. A maioria dos objetos diverte só de olhar - como é o caso da moldura da cama com dossel que domina o salão e serve de mesa.

O Chor Bizarre não se leva muito a sério, mas a comida - que oferece pratos também paquistaneses - é excelente. O cardápio é longo (e a carta de vinhos não é nada má) e precisaria pelo menos de cinco visitas em quatro pessoas para se poder dar conta de tudo. Estive duas vezes no de Londres e duas no de Déli, onde o cardápio é praticamente o mesmo, e já tenho minha lista de favoritos.

Embora a maioria desses restaurantes - para agradar a clientela, obviamente - dê destaque para as carnes, o dal é um prato de destaque na cozinha indiana e o Chor Bizarre serve as versões mais deliciosas e autênticas que já provei no Ocidente. O dal makhni (lentilhas com tomate e creme) é um sonho; o pindi chhole (grão-de-bico com manga seca) é viciante. Outro destaque vegetariano, o baghare baingan (berinjela com tamarindo e gergelim) dá um novo destaque a um legume que já é gostoso. O zeera aloo, prato de batata apimentada, é muito gostoso.

É claro que há carne e o prato tandoor serve quatro pessoas; o frango com leite de coco de Kerala é cremoso e substancioso e o cordeiro yakhni, a especialidade da Caxemira, é estranhamente azedo e adocicado ao mesmo tempo.

Chor Bizarre, 16 Albemarle St., Mayfair, (44-207) 629-9802; chorbizarre.com. Refeição média para dois sai por 60 libras.