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Em Amsterdã, prostitutas guiam passeio pelo Distrito da Luz Vermelha

Marcel Vincenti

Do UOL, em Amsterdã (Holanda)*

01/08/2014 06h00

Mariska Majoor é uma mulher de 45 anos que, durante a adolescência, fugiu de sua casa no interior da Holanda e, ao chegar a Amsterdã sem um florim no bolso, resolveu se prostituir nas ruas da cidade. “Muita gente me olha com pena quando conto minha história, pensando que minha família era pobre ou que eu sofria maus-tratos”, conta ela. “Mas não é nada disso. Meus pais têm boas condições financeiras e sempre foram carinhosos comigo. Escolhi a prostituição porque era um modo de vida que me excitava”.

Aposentada depois de se casar e ter filhos, Mariska é hoje a líder do Centro de Informações sobre a Prostituição de Amsterdã (CIP), uma entidade que busca desmistificar o trabalho das garotas de programa do Distrito da Luz Vermelha, o mais famoso playground sexual da capital holandesa.

Para isso o CIP leva, todas as quartas e sábados, grupos de turistas para um tour pelas ruas do bairro, que explica como é a vida das mulheres que passam o dia (ou a noite) atrás das vitrines. Conduzido por garotas de programa que ainda estão na ativa, o passeio adota a mesma linguagem franca e cheia de autoestima que guia as memórias de Mariska.

“Trata-se de uma iniciativa que tenta fazer o turista respeitar mais as profissionais do sexo”, explica ela. “Elas estão aqui por causa do dinheiro, mas muitas gostam do que fazem, e o fazem com extrema seriedade. É um emprego como qualquer outro, em que você se aluga por um tempo determinado e é pago por isso”.

“Rapidinha” por 50 euros

A excursão do CIP mostra em detalhes como funciona, em Amsterdã, o mercado formal da prostituição, uma profissão tolerada na Holanda desde sempre e totalmente legalizada no ano de 2000. Segundo Mariska, há hoje aproximadamente 700 garotas de programa dividindo, em turnos, 370 vitrines do Distrito da Luz Vermelha.

A ex-garota de programa Mariska Majoor é hoje uma das principais ativistas de Amsterdã - Marcel Vincenti/UOL - Marcel Vincenti/UOL
A ex-garota de programa Mariska Majoor é hoje uma ativista de Amsterdã
Imagem: Marcel Vincenti/UOL

Para se expor nas vitrines, as mulheres pagam um aluguel diário que varia entre 80 e 180 euros, dependendo da localização do “ponto”. Mas o investimento tem potencial para render: um encontro sexual, realizado em quartos atrás dos vidros, custa no mínimo 50 euros – e, com essa quantia, o cliente só tem direito a uma “rapidinha” de 15 minutos.

“Há meninas que conseguem tirar mais de 1.000 euros por dia”, calcula Mariska. “Mas elas têm obrigações: 21% do preço cobrado por cada programa vai para o pagamento de impostos. O governo tenta controlar isso fazendo-as declarar cada encontro em um livro de registros que toda garota de programa deve ter consigo”.

As taxas, por sua vez, proporcionam uma contrapartida: atualmente, o governo holandês oferece diversos serviços sociais e de saúde desenhados especialmente para as profissionais do sexo do país, como centros que realizam gratuitamente exames médicos, promovem atendimento psicológico e ministram cursos de inglês e aulas de autodefesa. Uma ampla rede de fiscais percorre periodicamente as zonas de prostituição para verificar se, nos locais, as condições de trabalho estão de acordo com as leis holandesas.

PODE OU NÃO PODE?

Na Holanda, garotas de programa podem trabalhar nas vitrines, em bordéis coletivos e em agências de acompanhantes (todos os negócios devem ser autorizados pelo governo).
Em Amsterdã, é proibida a prostituição na rua e em negócios de fachada, como casas de massagem.
Garotas de programa podem trabalhar como autônomas ou em casas de prostituição regulamentadas. Neste último caso, porém, apesar de terem um status de "empregadas", elas não podem ser obrigadas a atender clientes contra sua vontade.
A prefeitura de Amsterdã calcula que, hoje, haja na cidade cerca de 25 agências de acompanhantes, 16 casas de prostituição e 7.000 mulheres (e alguns homens) trabalhando como profissionais do sexo.
De acordo com a prefeitura, as prostitutas -- e também os garotos de programa -- devem ter no mínimo 21 anos para trabalhar na cidade.

A maioria das mulheres do Distrito da Luz Vermelha é autônoma. Para se prostituir legalmente em solo holandês, elas devem ser cidadãs de algum país da União Europeia ou ter uma permissão de trabalho concedida pelo governo local.

Há também muitas mulheres provenientes de colônias e ex-colônias holandesas, como Suriname, Curaçao e Indonésia. O CIP calcula que, no Distrito da Luz Vermelha, apenas 5% das prostitutas nasceram na Holanda. A idade mínima para ser garota de programa é 21 anos e, em Amsterdã, há registros de profissionais do sexo com mais de 60 anos nas costas.

E qual o perfil dos clientes? “Há muitos turistas ingleses aqui, mas a variedade dos homens é enorme”, diz Mariska. “Há jovens, velhos, magros, gordos, pobres e ricos, de todas as partes do mundo. Em comum, só o fato de todos terem um pênis”.

Negócios escusos

O tour do CIP cruza as principais artérias do Distrito da Luz Vermelha, como a via Oudezijds Achterburgwal, que abriga o maior número de vitrines no bairro, e a Trompettersteeg, um beco com um metro de largura também recheado de profissionais do sexo -- e que provocam incessantemente os homens que passam por ali.

Mesmo com a visão tomada por hordas de turistas e pelas diversas mulheres de lingerie atrás dos vidros, nota-se, por todos os lados, um grande número de vitrines vazias e com placas de “aluga-se” nas portas.

Nos últimos anos, Amsterdã tem endurecido as condições para a abertura e a manutenção dos espaços de prostituição na cidade. O objetivo do governo local é acabar com um mercado de exploração sexual e lavagem de dinheiro que existe por trás de alguns negócios. 

Segundo relatórios da prefeitura de Amsterdã, pelo menos 8% das cerca de 7.000 garotas de programa da cidade (existem outros centros de sexo pago fora do Distrito da Luz Vermelha) são obrigadas por terceiros a se prostituir.

A Oudezijds Achterburgwal é a via que abriga o maior número de vitrines do Distrito da Luz Vermelha, o mais famoso playground sexual de Amsterdã - AFP PHOTO / ANP / KOEN VAN WEEL - AFP PHOTO / ANP / KOEN VAN WEEL
A Oudezijds Achterburgwal é a principal via do Distrito da Luz Vermelha
Imagem: AFP PHOTO / ANP / KOEN VAN WEEL

Nesta “caça às bruxas”, a prefeitura levantou um perfil detalhado dos donos dos bordéis e dos imóveis em cujas vitrines as mulheres se exibem para os pedestres. A qualquer suspeita de práticas de crimes, o lugar é interditado e seu proprietário tem grandes chances de ser preso.

O órgão também tem estabelecido outras medidas restritivas: as profissionais não podem mais fazer turnos duplos, a idade mínima para o trabalho subiu de 18 para 21 anos e os espaços de prostituição devem seguir uma série de normas, como possuir um “botão de pânico” e condições de higiene para sua ocupante.

Tudo isso fez com que pelo menos um quarto das vitrines do Distrito da Luz Vermelha tenham sido “fechadas” nos últimos tempos. Hoje, muitos desses lugares estão virando cafés e ateliês. O governo local calcula que, no futuro, o número das vitrines no bairro deve diminuir dos atuais 370 para cerca de 240.

Mariska, por sua vez, concorda com a repressão à exploração sexual das garotas de programa. “Uma das nossas missões é aconselhar as novatas sobre seus direitos como profissionais do sexo na Holanda. Sabemos que há muitas mulheres vulneráveis por aí”, diz ela, dentro sede do Centro de Informações sobre a Prostituição, localizado no coração do Distrito da Luz Vermelha.

Da sua janela, a menos de cinco metros de distância, se vê a magistral construção da Oude Kerk, a mais antiga igreja de Amsterdã. O mercado da prostituição na cidade pode diminuir, mas a tolerância holandesa dificilmente morrerá.

SERVIÇO

As excursões do Centro de Informações sobre a Prostituição são realizados a partir das 18h30 das quartas-feiras e das 17h dos sábados. Custa 15 euros por cabeça para grupos com no mínimo dez pessoas. Tours privativos são mais caros e o preço deve ser negociado. Os passeios duram 1h30 e começam na sede no PIC, no endereço Enge Kerksteeg, 3 - Amsterdã. Lembre-se que é proibido tirar fotos das garotas de programa durante o tour. Mais informações: www.pic-amsterdam.com

*O repórter Marcel Vincenti viajou a Amsterdã a convite do escritório de promoção turística da Holanda.