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Roteiro traça viagem no tempo através de 12 séculos na Cidade Eterna

Daniel Nunes Gonçalves

Da revista "Tam Nas Nuvens"

23/09/2014 15h38

Ainda que o clichê repita, há milênios, que todos os caminhos levam a Roma, não é raro que viajantes que chegam ao museu a céu aberto fiquem sem saber que rumo tomar diante de tantas rotas. A da Roma original, que abriga o Coliseu e os monumentos aos líderes políticos? Ou a via da Roma cristã, do Vaticano e suas igrejas? Talvez a Roma das artes, embelezada por Da Vinci, Michelangelo, Rafael e Bernini?

O Fórum Romano era o grande centro religioso, político e comercial do Império - Claus Lehmann/Tam Nas Nuvens - Claus Lehmann/Tam Nas Nuvens
O Fórum Romano era o grande centro religioso, político e comercial do Império
Imagem: Claus Lehmann/Tam Nas Nuvens

Vá por nós: comece do princípio. Em pleno centro da capital italiana do século 21, resquícios preservados nos subterrâneos ou na superfície remontam à fundação da Roma Antiga, em 753 a.C., e recontam sua história até a queda do Império Romano do Ocidente, em 476 d.C. Em quatro dias, pode-se voltar no tempo e viajar por aqueles 12 séculos, quando Roma comandava o mundo com seus gladiadores ferozes, obras faraônicas, batalhas e megalômanos imperadores.

No berço dos filhos da loba
Nessa viagem ao passado, decolemos primeiro para o Monte Palatino, uma das sete colinas da região e local onde acredita-se que Roma teria sido fundada, em 753 a.C., por um sujeito de nome Rômulo. A lenda contada pelos guias que atuam nas ruínas do Palatino (que fica diante do Coliseu), coração turístico da cidade, diz que Rômulo e seu irmão gêmeo, Remo, teriam sido criados por uma loba. Os guias esclarecem, porém, que esta palavra também era usada para definir prostituta. Seja a mãe animal, seja humana, a história original seria manchada de qualquer forma pelo fato de, antes de fundar a cidade, Rômulo ter matado Remo.

Passaram-se sete séculos entre a liderança de Rômulo, os reinados etruscos e a ascensão de Roma no tempo de Júlio César —ditador que fez a passagem da república para o império e que morreu esfaqueado por senadores em 44 a.C. Dos primórdios da fundação, no século 8 a.C., o Palatino guarda muros originais, a cabana onde Remo e Rômulo cresceram e, no pé do morro, a gruta onde os gêmeos teriam sido aleitados pela misteriosa loba.

Monte Palatino, local onde acredita-se que Roma teria sido fundada, em 753 a.C. - Claus Lehmann/Tam Nas Nuvens - Claus Lehmann/Tam Nas Nuvens
Monte Palatino, local onde acredita-se que Roma teria sido fundada, em 753 a.C.
Imagem: Claus Lehmann/Tam Nas Nuvens

Entre o Palatino e o Monte Aventino está outro resquício pré-imperial: o Circus Maximus. Inaugurado no século 7 a.C., era uma arena onde 250 mil espectadores assistiam a corridas de bigas, uma das muitas influências dos gregos, cuja cultura ditava moda na época.

Além do belo mirante, o Monte Aventino esconde um segredo para ser descoberto à noite: a incrível vista que se tem da cúpula da Basílica de São Pedro, no Vaticano, pelo buraco da fechadura do Priorato dei Cavalieri di Malta.

Onde fervia o umbigo do mundo
Entre o Palatino e o Monte Capitolino, hoje sede dos Museus Capitolinos, alastram-se relíquias arquitetônicas: o Fórum Romano, centro político, religioso e comercial de Roma. Pela Via Sacra desfilaram Júlio César e outros imperadores — a começar por Augusto (66 a.C. – 14 d.C.), herdeiro adotivo de César que ficou 44 anos no trono.

Tanto a casa de Augusto como a de Lívia, sua terceira esposa, podem ser visitadas no Palatino, embora os afrescos da morada de Lívia tenham ido para o museu Palazzo Massimo Alle Terme. Além dessa, outras construções do líder estão espalhadas pela cidade: o Ara Pacis, altar de 9 a.C.; as ruínas do belo Teatro de Marcello, de 11 a.C.; e o Panteão, de 27 a.C.

Foi na gestão de Augusto que nasceu Jesus Cristo, cujos seguidores foram perseguidos pelos imperadores seguintes, como o polêmico Nero (37 d.C. – 68 d.C.). Ainda que seja atribuído a ele o incêndio que destruiu Roma em 64 d.C., estudos recentes questionam o fato. Nero teria, ainda, mandado matar cristãos sob a acusação de terem iniciado o fogo. Enlouquecido, matou a mãe e se suicidou.

Os guardiões dos subterrâneos
Cartão-postal romano por excelência, o Coliseu foi assim batizado em referência ao Colosso di Nerone, estátua de bronze colossal, com mais de 30 metros de altura, que Nero mandou erguer para si. Ela fazia parte da Domus Aurea, sua gigantesca casa dourada (cujo interior está fechado para restauração). Na tentativa de apagar os vestígios da megalomania do predecessor, o imperador Vespasiano (9 d.C. – 79 d.C.) decidiu construir ali um anfiteatro para 50 mil pessoas. Esse cenário de espetáculos, sacrifícios de animais e batalhas de gladiadores só foi inaugurado em 80 d.C. por Tito (39 d.C. – 81 d.C.), seu filho e sucessor (o Arco de Tito, no Fórum Romano, foi feito em sua homenagem). Durante cem dias e cem noites, 5 mil animais foram mortos.

Detalhe do Coliseu, parada obrigatória para turistas em Roma - Claus Lehmann/Tam Nas Nuvens - Claus Lehmann/Tam Nas Nuvens
Detalhe do Coliseu, parada obrigatória em Roma
Imagem: Claus Lehmann/Tam Nas Nuvens

Parada favorita dos turistas, o Coliseu ficou mais emocionante desde que foi aberto para visitas guiadas, em 2010, o Hypogeum, ala subterrânea da arena. Ali, lutadores e bichos esperavam seu sacrifício. Ele se soma a outras experiências fantásticas que os exploradores da Roma Antiga podem ter a 15 metros — ou mais — de profundidade. Perto do Coliseu, dá para descer ao templo pagão no subsolo da Basilica di San Clemente ou andar pelos corredores da Case Romane del Celio, com quartos dos séculos 2 a 4 d.C. sob a Basilica Santi Giovanni e Paolo.

Mas nenhum tour às profundezas da cidade à beira das águas do Rio Tibre surpreende mais que o do Palazzo Valentini. Inaugurado em 2010, o passeio multimídia pré-agendado, com duração de uma hora e meia, acontece sobre um chão de vidro que protege mansões com mosaicos e afrescos milenares.

Relíquias do auge do Império
Comandante do Império Romano em seu apogeu, o imperador Trajano (53 d.C. – 117 d.C.) bateu o recorde de atrações do Coliseu: um de seus eventos durou 117 dias e envolveu 9 mil gladiadores e 10 mil animais. A grandeza de Trajano, porém, ia além. Foi ele quem conquistou o Oriente e expandiu os limites máximos do império, que em sua gestão avançava da atual Inglaterra à Síria, dos Países Baixos ao norte da África. Também contratou o melhor arquiteto da época para modernizar a cidade.

A grande cúpula é o destaque do Panteão, monumento politeísta mais bem preservado da Roma Antiga - Claus Lehmann/Tam Nas Nuvens - Claus Lehmann/Tam Nas Nuvens
A grande cúpula é o destaque do Panteão
Imagem: Claus Lehmann/Tam Nas Nuvens

Três de suas construções resistem: o Fórum de Trajano, inaugurado em 113 d.C.; a Coluna de Trajano, com desenhos esculpidos em mármore que sobem a 30 metros de altura (para onde suas cinzas foram levadas); e o Mercado de Trajano, enorme estrutura semicircular de tijolos que abrigava lojas e tabernas, sede do Museu dos Fóruns Imperiais. Coube a Adriano (76 d.C. – 138 d.C.), seu sobrinho adotado e sucessor, a tarefa de viajar para erguer muralhas isolando o império contra ataques de bárbaros — como eram chamados todos os que viviam fora dos limites de Roma.

Hoje, os vestígios de Adriano na capital são vistos no desenho do Panteão, reconstruído depois de sucumbir a um raio e a um incêndio; no Castelo Santo Ângelo (onde antes ficava seu mausoléu), que oferece uma linda vista do pôr do sol; e na Ponte Santo Ângelo, erguida em 136 d.C. para cruzar o Rio Tibre. Mas é em Tivoli, a 30 quilômetros do Centro, que repousa sua maior obra: a grandiosa mansão de Villa Adriana — que até novembro exibe uma exposição especial sobre o imperador.

Termas, pedaladas e catacumbas
É preciso se afastar do Centro para ver outras maravilhas do período imperial. Perto da estação de trem Roma Termini ficam as reminiscências das Termas de Diocleciano, de 306 d.C. Os maiores banhos públicos da Roma Antiga podiam receber 3 mil pessoas. Hoje transformadas em parte do Museu Nacional Romano, foram batizadas em homenagem ao imperador Diocleciano (244 d.C. – 311 d.C.), que dividiu o Império Romano em ocidental e oriental, em 285 d.C. 

Um dos passeios mais agradáveis em Roma é andar de bicicleta pela charmosa Via Appia Antica - Claus Lehmann/Tam Nas Nuvens - Claus Lehmann/Tam Nas Nuvens
Passeios de bicicleta pela charmosa Via Appia Antica são boa aposta
Imagem: Claus Lehmann/Tam Nas Nuvens

No lado oposto da Roma do século 21 há ruínas de banhos ainda mais preservadas, as Termas do Imperador Caracalla, erguidas em 216 d.C. Elas estão no caminho para a Via Appia Antica, estrada onde ficam as catacumbas de São Calixto e de São Sebastião.

Um dos passeios mais agradáveis na Roma contemporânea é andar de bicicleta pela charmosa Via Appia Antica: chega-se ali em meia hora de pedalada desde o Arco de Constantino, em frente ao Coliseu. O imperador Constantino (272 d.C. – 337 d.C.), por sinal, encerra nossa jornada. Famoso por ter liberado, em 313 d.C., o culto ao cristianismo, ele se instalou na capital do Império Romano do Oriente, Constantinopla, atualmente Istambul. Enquanto o Império do Ocidente, sediado em Roma, sucumbia às invasões bárbaras em 476 d.C., o oriental — ou Bizantino — sobreviveria por mais mil anos, até 1453. Mas esse é um capítulo de outra história.