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Entre fiordes e minúsculos vilarejos, conheça o reino que inspirou Frozen

Felipe Floresti

Do UOL, em Bergen (Noruega)*

14/05/2015 20h13

Quem disse que os mundos encantados dos contos de fada não existem? Arandelle, o reino congelado da animação Frozen, da Disney, está perto disso. Não que seja possível simplesmente pegar um avião e desembarcar no vilarejo. Arendelle existe, mas suas casinhas de madeiras, castelos, seres mitológicos e cenários espetaculares estão espalhados por um outro reino. Muito, muito distante… era uma vez o reino da Noruega.

Apesar de Frozen ser baseado no conto "A Rainha de Gelo", do dinamarquês Hans Christian Andersen - o mesmo criador de "A Pequena Sereia", foi na Noruega que os animadores se inspiraram para criar o universo em que vivem as irmãs Elsa e Anna. A jornada para buscar o mundo mágico do filme começa por Bergen, a segunda maior cidade da Noruega, no sudoeste do país.

Antiga capital e maior cidade do país até o início do século 19, Bergen cresceu ao redor de seu cais. No ano de 1360, um grupo de mercadores alemães conhecido como Liga Hanseática fundou um dos seus quatro centros de negócios na cidade, de onde controlaram o comércio de todo o norte europeu até o fim da Idade Média. Hoje, Bryggen, como é chamada a área portuária, é o único ainda preservado.

As coloridas fachadas de madeira das casas e depósitos são um dos principais cartões-postais de Bergen. Considerada um Patrimônio Mundial pela Unesco, foi a área que inspirou os animadores da Disney a criarem, comandados pelo diretor de arte Michael Giaimo, boa parte da arquitetura que aparece nas ruas do vilarejo de Arendelle.

Para encontrar alguns personagens do filme, porém, é preciso subir até o alto da montanha Fløyen, uma das sete que cercam a cidade. É lá que fica a Floresta do Troll. Mas, no folclore norueguês, esses monstros de narizes e orelhas grandes não são tão fofos e prestativos quanto os que ajudam Anna. Eles são agressivos e antissociais, algumas vezes descritos como gigantes que vivem nas florestas e no subterrâneo. Logo na entrada do parque, após a loja de lembranças, está o primeiro. Grande, feio e imóvel, em uma grande estátua dando boas vindas ao local. 

A geleira Briksdal, a 25 km do vilarejo de Olden, é o mais acessível e conhecido braço da geleira Jostedal, a maior da Europa continental, com 487 quilômetros quadrados - Felipe Floresti/UOL - Felipe Floresti/UOL
A geleira Briksdal, a 25 km do vilarejo de Olden
Imagem: Felipe Floresti/UOL

Trilhas levam a outras tantas estátuas de trolls espalhadas pelo bosque. Para quem não vê muita graça em seres mitológicos, o passeio vale pelo belo visual da cidade de Bergen.

Outra parada é a Igreja Fantoft. As igrejas de madeira são tradicionais na Noruega, deixadas de herança pelos Vikings, que eram peritos no trabalho com o material, tanto em barcos quanto em construções. Sua arquitetura influenciou na criação do castelo de Arendelle, com o formato dos telhados e torres.

Mas para se sentir realmente no filme é preciso seguir outro rumo. De Bergen partem diversos tours para os fiordes Hardanger e Sognen. Enquanto o primeiro é famoso por suas fazendas de macieiras e cerejeiras, algo raro em um país com apenas 3% de terras aráveis, o segundo é o mais profundo e longo do país, com 204 km de extensão.

Os fiordes são grandes entradas de mar formadas durante as eras glaciais. Imensas geleiras se moveram rumo ao oceano, como gigantes rios congelados, por milhares de anos, causando uma agressiva erosão que cavou as rochas. O resultado são cenários impressionantes, que combinam mar, altas montanhas com picos nevados e muitas cachoeiras.

E nem precisa de uma Rainha de Gelo para transformar o clima de forma gritante. Enquanto no inverno as cachoeiras estão congeladas e tudo está completamente branco pela neve, no verão o gelo derrete, formando gigantescas quedas d'água pelos paredões rochosos, ao mesmo tempo em que a vegetação volta a crescer e a temperatura é agradável. Os termômetros, nessa época, chegam a marcar 20ºC. 

Vista da cidade de Alesund - Felipe Floresti/UOL - Felipe Floresti/UOL
Vista da cidade de Alesund
Imagem: Felipe Floresti/UOL

Ao longo dos fiordes, diversos vilarejos se instalam nas regiões mais planas, lembrando muito a configuração do vilarejo visto em Frozen (exceto pelo castelo sobre as águas, claro). Uma opção é rodar tudo de carro, já que a região abriga dez das 18 rotas turísticas do país, com diversos mirantes pelo caminho e paisagens de tirar o fôlego. Outra alternativa é pegar um barco que percorre diversos trajetos pelos fiordes.

Uma das paradas dos barcos que saem de Bergen é o vilarejo de Flåm. Ele fica em um dos extremos do fiorde Aurland. Apesar de ter uma população de cerca de 350 pessoas, Flåm é um dos principais centros turísticos da região. De lá partem diversos passeios, como caminhadas para mirantes no topo das montanhas da região, roteiros de barco e de trem.

Considerada uma das dez rotas de trem mais bonitas da Europa pela revista National Geographic, a ferrovia de Flåm sobe 865 metros até a estação de Myrdal em um percurso de menos de uma hora. É uma das ferrovias mais íngremes do mundo, atravessando 20 túneis no caminho. Dependendo da estação do ano, a paisagem muda de campos verdes para casinhas enterradas na neve.

Há também um safári de barco pelos fiordes. Ele adentra o estreito Nærøy, área protegida pela Unesco como parte dos Fiordes Noruegueses do Oeste, para observação da fauna, como pássaros e toninhas - o menor cetáceo (a família das baleias e golfinhos) do mundo. Nos arredores, montanhas que chegam a até 1.400m, com picos sempre nevados.

O passeio segue até o vilarejo de Gudvangen, popular ponto de partida para explorar algumas das montanhas mais isoladas. Outra parada é na charmosa Undredal. Com população de 100 habitantes e 500 cabras, é conhecida pelas variedades de queijo e por abrigar a menor das tracionais igrejas de madeira da Noruega, construída na metade do século 12. 

Carrinhos parecidos com os de golfe levam os turistas até a geleira Briksdal, dentro do Parque Nacional da geleira de Jostedal - Felipe Floresti/UOL - Felipe Floresti/UOL
Carrinhos levam os turistas até a geleira Briksdal
Imagem: Felipe Floresti/UOL

Mais ao norte dali fica a outra parte da área protegida pela Unesco, o fiorde de Geiranger. É uma das principais atrações turísticas da Noruega. O vilarejo de 260 habitantes que leva o nome do fiorde recebe meio milhão de pessoas durante a temporada de verão. Seja de barco pelos fordes ou pelas estradas, a visita vale pelos cenários e mirantes, as curiosas fazendas abandonadas perdidas no meio das montanhas, e suas grandes cachoeiras, com destaque para a Sete irmãs.

Briksdal, a 25 km do vilarejo de Olden, também vale a visita. É o mais acessível e conhecido braço da geleira Jostedal, a maior da Europa continental, com 487km². O visual tão raro para nós brasileiros é incrível, mas nesse caso a história não tem um final feliz. Lá é fácil perceber os efeitos das mudanças climáticas. Seu tamanho está em constante mudança, crescendo no inverno e recuando no verão. O problema é que o recuo neste século já superou o número de todo o século passado, e ela pode desaparecer completamente em menos de cem anos.

Alesund é a escolhida para terminar a visita. Com menos de 50 mil habitantes, é considerada uma das cidades mais bonitas da Noruega. Importante porto de onde é exportado boa parte do bacalhau (tão famoso no Brasil durante a Sexta-feira Santa), o lugar foi destruído por um incêndio, no ano de 1904, que queimou 850 casas e deixou 10 mil pessoas desabrigadas.

O desastre, porém, foi o pontapé inicial para a cidade se reinventar. Em 1905 o país tornou-se independente da Suécia e buscava afirmar sua identidade. Em três anos, 400 novas casas foram desenhadas por 50 arquitetos noruegueses. Inspirados pela Art Nouveau, movimento arquitetônico em destaque na época, deram uma nova cara para a cidade, que se tornou uma das mais modernas da época em toda Europa. 

Durante o verão, quando o degelo da neve nas montanhas é mais intenso, grandes cachoeiras se formam à beira dos fiordes. Essa é uma das mais famosas, chamada de ?Sete Irmãs? pelo número das quedas, no fiorde Geiranger - Getty Images - Getty Images
No verão, grandes cachoeiras se formam à beira dos fiordes. Essa é a "Sete Irmãs"
Imagem: Getty Images

Petróleo e impostos
Para uma história de conto de fadas mais real, é só observar a vida do povo norueguês. Uma das nações mais pobres da Europa durante muitos séculos, viu tudo mudar em 1969, quando foi descoberto petróleo nas profundezas do Mar do Norte. Tornou-se o oitavo maior exportador de petróleo do mundo, representando atualmente 30% do orçamento do governo. Ao contrário dos vizinhos escandinavos, que usam e abusam do livre mercado, a Noruega usou o lucro para fortalecer o Estado e reverter em qualidade de vida da população.

Deve se levar em consideração o fato do país ter cerca de cinco milhões de habitantes, menos da metade da cidade de São Paulo, em uma área de duas vezes e meia o Estado paulista. Aproximadamente 650 mil pessoas vivem na capital Oslo, menos do que abriga Santo André, no ABC paulista. Hoje o país é líder no ranking de Índice de Desenvolvimento Humano, com sistema de saúde e educação gratuita garantida para toda a população, além dos altos salários e baixíssima desigualdade social.

A coisa só perde um pouco o encanto se você é um turista estrangeiro e tem que arcar com os custos de vida local. A grande quantidade de impostos cobrados pelo governo leva às alturas até os preços das coisas mais simples.

Para se ter ideia, de acordo com a cotação da coroa norueguesa do dia 13/05/2015, uma garrafa pequena de água custa R$ 6,45 no supermercado, um quilo de banana, R$ 8,91, uma lata de cerveja de 500 ml, R$ 9,72 e um maço de cigarros, R$ 46,36. Em um bar, um copo de cerveja custa em média R$ 30, uma refeição em um restaurante barato não sai por menos de R$ 60 e um combo no McDonald's fica em torno de R$ 40. Conhecer o mundo mágico de Frozen, afinal, tem seu preço.

*O repórter viajou a convite dos escritórios de turismo da Noruega: Innovation Norway e Visit Norway