Paranoia vermelha? Bunker para proteger ex-ditador comunista é atração na Albânia
Um labirinto de concreto subterrâneo com 106 quartos, cinco andares e estrutura que, teoricamente, seria capaz de resistir a um ataque com bomba atômica.
É assim o bunker gigantesco que, nos anos 1970, foi construído a mando do ex-ditador albanês Enver Hoxha na capital de seu país, Tirana.
Erguido para proteger membros do governo comunista de uma possível agressão armada contra a Albânia durante a Guerra Fria, este lugar virou, em 2014, um museu de história e um centro de arte política aberto a turistas, batizado de Bunk'Art.
E é um buraco que, ao que tudo indica, estava preparado para o fim do mundo: ao ingressar no bunker, que mal pode ser visto entre as colinas e a mata em um subúrbio de Tirana, o visitante passa por portas feitas com toneladas de cimento e aço.
A "recepção" do local é uma espécie de chuveiro onde, durante um ataque nuclear, pessoas recém-chegadas do mundo exterior poderiam tentar se livrar de contaminações radioativas.
A partir daí, começam quilômetros de escadarias e corredores claustrofóbicos que lembram o subsolo de uma prisão ou de um necrotério.
Uma das primeiras salas é um escritório construído para Hoxha, equipado com telefone, mesa de reuniões, cama, um humilde banheiro e de onde o ditador, teoricamente, poderia continuar comandando seu país em tempos de guerra.
Sucedem-se então salas menores reservadas a altos funcionários do governo e que, hoje, ainda abrigam equipamentos de comunicação, mapas militares e máscaras de gás.
Todo o ambiente é dominado por um som grave, contínuo e assustador, que faz o forasteiro se sentir na barriga de um monstro. A ideia da trilha sonora, que é parte da experiência proposta pelo museu, é recriar o ambiente de paranoia na qual supostamente vivia Hoxha.
Cercado por inimigos?
Sim, o ex-ditador comunista é uma espécie de figura maldita para muitos albaneses nos dias de hoje, incluindo os líderes do governo atual do país, que têm adotado políticas alinhadas com os Estados Unidos e a União Europeia.
"Foi uma era dominada por uma paranoia totalitária, que afastou a Albânia do mundo durante 45 anos", disse, na inauguração do Bunk'Art em 2014, a ministra da Defesa albanesa, Mimi Kodheli. O primeiro-ministro albanês, Edi Rama, completou: "este museu pode mostrar às novas gerações como a Albânia era um lugar ditatorial e isolado durante a Guerra Fria".
Hoxha, que governou a Albânia entre 1944 e os anos 80, afirmava que seu país poderia ser invadido a qualquer momento, tanto pelos Estados Unidos como por exércitos que estavam sob o espectro da União Soviética, entidade com a qual Hoxha rompeu relações nos anos 1960. Isso fez com que ele transformasse sua nação em um dos lugares mais fechados do mundo.
Para se defender de um possível ataque externo (que nunca aconteceu), Hoxha construiu mais de 700 mil bunkers por todo o território albanês. Eles são, em sua grande maioria, minúsculas estruturas de concreto armado que lembram cogumelos, de onde os nativos poderiam combater durante uma agressão.
Estes casulos bélicos ainda podem ser vistos em praias, zonas rurais e no meio de cidades albanesas – e são representados como infindáveis pequenos pontos em uma das salas do Bunk'Art, sobre um mapa que parece que pegou catapora.
Chefe do departamento de jornalismo da PUC-SP, Rachel Balsalobre acha que é exagero tratar Hoxha como paranoico. "Todos os governos envolvidos na Guerra Fria buscaram se proteger de ataques externos e todos eles tentaram criar uma atmosfera de medo em suas populações", diz ela. "Hoxha foi caricaturizado porque era da esfera comunista e queria uma certa independência de Moscou".
Arte e história
O Bunk'Art também abriga instalações artísticas, com obras usando arame farpado, barulhos de bomba e discursos de Hoxha para fazer uma crítica à Albânia daqueles tempos.
Uma extensa linha do tempo, dividida em várias salas, conta, com fotos e textos, a história da Albânia no século 20, ressaltando episódios como a dominação da Itália de Mussolini, a invasão nazista na Segunda Guerra Mundial e a chegada ao poder dos comunistas após 1945.
Frequentemente, homens em uniformes camuflados cruzam os corredores do bunker: não são atores que fazem parte de alguma instalação de arte. O Bunk'Art está dentro de uma área que ainda pertence às Forças Armadas albanesas, e soldados patrulham todo o local.
Vale lembrar, porém, que bunkers gigantes para abrigar políticos não são uma criação albanesa. Estados Unidos e Reino Unido, por exemplo, têm seus respectivos buracos para proteger seus mandatários de ataques nucleares e afins.
Mais informações: www.bunkart.al
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