Conheça Aracataca, cidade que inspirou o mundo fantástico de García Márquez
A magia que habitou a imaginação do escritor Gabriel García Márquez (1927-2014) criou uma cidade fantástica. Macondo nasceu com vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos. Passou por guerras, amores, exploração e violência ao longo de gerações da família Buendía, eixo central do livro vencedor do Nobel de Literatura, "Cem Anos de Solidão". O que nem todos sabem, porém, é que por trás de toda a fantasia do chamado realismo mágico, gênero explorado pelo escritor, existe a cidade de Aracataca, onde o pequeno Gabito nasceu.
Com cerca de 40 mil habitantes, a primeira vista é difícil perceber o motivo de cada vez mais pessoas deixarem as praias paradisíacas do caribe colombiano rumo à cidade. Ruas de asfalto encobertas de terra, motos e bicicletas adaptadas com uma pequena cabine para servirem como táxi são o que mais chamam atenção ao chegar à cidade. Apesar dos dois monumentos mal conservados em homenagem aos livros do escritor próximas à estação de trem da cidade, além de encontrar o nome, imagem e referências à obra de García Márquez distribuídos por todos os cantos, de escolas e bibliotecas a bares, pouco se vê a magia que atrai os turistas.
É chegando a casa museu construído perto da praça central de Aracataca que se começa a descobrir o encanto para os apaixonados por literatura. A grandiosa casa branca foi onde García Márquez nasceu e viveu boa parte de sua infância, sob os cuidados de seus avós, e serviu de inspiração, juntamente com seus moradores, para o livro "Cem Anos de Solidão".
Seu avô, o coronel Nicoláz Márquez Mejia chegou a Aracataca juntamente com a esposa Tranquilina Iguarán Cotes em 1910, 17 anos antes do nascimento de Gabito, e se transformaram em José Arcadio e Ursula Buendía no realismo fantástico do escritor. José Arcádio chegou à Macondo depois de ser perseguido pelo espírito de Prudencio Aguilar, morto por ele com uma lança no pescoço após um duelo de honra. Assim como o coronel Nicoláz Márquez, que em duelo semelhante matou Medardo Pacheco. O peso da morte seguiu o coronel até Aracataca, assim como José Arcádio em Macondo.
Gabriel García Márquez também se inspirou nas histórias contadas por seu avô veterano da Guerra dos Mil Dias, que durou de 1899 a 1902 opondo o partido liberal e o conservador pelo poder na Colômbia, para criar outro personagem: o coronel Aureliano Buendía. Tanto na realidade como na ficção o partido liberal defendido por eles foi derrotado pelo governo conservador. Resignados, terminaram a vida fabricando peixes de ouro na oficina da grande casa branca.
Outros ambientes e acontecimentos da casa também foram reproduzidos no livro, como o corredor das begônias, onde era ambientado o universo feminino da casa, e o quarto dos penicos, que servia como o quarto de Melquíades, em que ficavam guardados seus livros e manuscritos. Foi nele que, apesar de ser proibido de entrar, Gabriel Garcia Márquez encontrou quando jovem o livro "Mil e Uma Noites", aguçando seu gosto pela leitura. O nome “quarto dos penicos” é devido a 70 desses itens que ficavam lá guardados desde a época que as colegas de colégio da mãe de Gabriel, Luisa Santiaga Márquez Iguarán, passaram férias na casa. No livro, o episódio se passa com Renata Remédios, a Meme.
Também chama a atenção a falta de colchões nas camas da casa. Talvez seja herança da vez em que, no livro, Amaranta Ursula e Aureliano Babilonia esvaziaram os colchões para sufocarem-se em tempestades de algodão, em suas sessões de amor tórrido.
Deixando a casa, seguindo as borboletas amarelas que, ao contrário das que sobrevoavam Maurício Babilonia, estão pintadas no asfalto, chega-se ao albergue chamado Gypsy Residence. É lá que a estirpe dos Buendía, condenadas a ter somente uma chance sobre a terra, quebra a profecia de Melquíades. O holandês Tim aan’t Goor foi atraído a Aracataca pela literatura de Gabriel García Márquez e, cansado da dificuldade do povo colombiano em dizer seu nome, adotou o sobrenome da família de "Cem Anos de Solidão".
Um dos maiores incentivadores do turismo na cidade, Tim Buendía é o único guia que faz um tour contando a história e as ligações de Aracataca com a cidade fantástica de García Marquéz. O passeio leva a tumba de Melquíades, o cigano, que foi o primeiro a morrer em Macondo e retornou por não aguentar a solidão, ganhou uma tumba no cemitério local para atrair os turistas, por iniciativa do próprio Tim Buendía.
O tour também leva à Casa do Telegrafista, onde trabalhou o pai de García Márquez e cujas correspondências com sua mãe serviram de inspiração para o livro “Amor nos Tempos do Cólera”; e ao rio que dá nome à cidade, cujas pedras que parecem ovos de dinossauros não estão mais lá. Talvez em decorrência da frustrada tentativa de José Arcádio Segundo tornar o rio navegável.
E chega, por fim, à estação de trem de Aracataca, onde no livro parava "o inocente trem amarelo que tantas incertezas e evidências, e tantos deleites e desventuras, e tantas mudanças, calamidades e saudades haveria de trazer para Macondo". É lá que Tim Buendía se atém a contar uma das mais tristes passagens da história do País: o Massacre das Bananeiras, também representado em "Cem Anos de Solidão".
No início do século 20 a empresa americana United Fruit Company passou a explorar a região para a produção de banana. O negócio promissor atraiu muita gente para a chamada Zona Bananeira, criando um intenso desequilíbrio social. Em dezembro de 1928, uma greve de trabalhadores paralisou a produção e exportação das frutas. Defendendo os interesses da empresa, o exército, comandado pelo general Cortés Vargas abriu fogo contra cerca de 5.000 grevistas, incluindo mulheres e crianças.
Nunca se soube o número exato de mortes. Após muito negar, o governo admitiu apenas nove mortes, enquanto o número estimado varia entre 300 e 3.000. Os corpos foram todos levados de trem e jogados ao mar. O episódio aconteceu no município de Ciénaga, mas Gabriel García Márquez transportou a realidade para Macondo, com José Arcádio Segundo sendo líder dos grevistas.
Apesar dos seus encantos e histórias, somente recentemente parece que o governo começou a perceber o potencial turístico da região, estimulada pela fantasia da obra de Gabriel García Marquéz. Um projeto chamado “Rota Macondo: Realismo Mágico”, do Ministério da Cultura colombiano vai investir 891 bilhões de pesos (cerca de R$ 900 milhões) na região que envolve Aracataca, Pueblo Viejo, Zona Bananera, Sitio Nuevo e Ciénaga. Investimentos esses fundamentais, levando em consideração o abandono que se encontram locais como a Casa do Telegrafista e os monumentos em homenagem à obra de Gabo. Com a morte do escritor, o fluxo de turistas deve aumentar ainda mais nos próximos meses.
Serviço
Para chegar a Aracataca desde Santa Marta, capital do distrito de Magdalena, basta pegar um ônibus por 10 mil pesos colombianos (cerca de R$ 10) no Terminal Rodoviário.
http://viagem.uol.com.br/album/2014/04/21/conheca-aracataca-cidade-que-inspirou-o-mundo-fantastico-de-garcia-marquez.htm
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