Passeio na selva de Ruanda leva turistas para ver gorilas de perto
Se existe um safári que me aproxima, a pé, de animais selvagens capazes de me destroçar, não sei se faço muita questão de fazer parte dele.
Em um segundo você está caminhando no meio das touças de bambu do Parque Nacional dos Vulcões, brigando para se equilibrar na encosta de lava, um passo por vez; no outro, vira em uma curva do caminho e se depara com fachos da luz do sol através das copas das árvores, iluminando um amontoado de folhas escuras contra a cortina verde da floresta tropical. Apesar de já saber que veria algo assim, perde o fôlego. Sentada a uns dez metros está uma dos cerca de 900 gorila-das-montanhas restantes no planeta – uma fêmea de peitos caídos que, logo se vê, tem um filhote no colo. Tem um braço à volta do pequeno de seis meses enquanto coça a orelha com o indicador da outra mão.
Ela é a sentinela avançada da família Hirwa, um clã de vinte membros, e comprovando que se importa com a nossa chegada, sua atitude parece dizer: "Por que demoraram tanto?"
Congelamos no lugar para depois nos adiantarmos na ponta dos pés para que os oito integrantes do grupo pudessem admirar a vista. As câmeras foram sacadas com mais rapidez do que pistolas em um duelo armado. Logo em seguida, dois irmãos saíram da mata, desajeitados, interrompendo abruptamente o enlevo maternal. Conforme os pestinhas se atracam e rolam para lá e para cá, a mãe deita de barriga para cima, rendida.
Perdoem o antropomorfismo, mas é impossível não se espantar com a natureza humanoide de nossos vizinhos na cadeia evolutiva. Apesar de observar tantos exemplos da vida selvagem africana – javalis, elefantes, girafas – é de se maravilhar com a forma pré-histórica e questionar a nossa posição na mesma classe biológica. Os gorilas-das-montanhas de Ruanda compartilham 98% do nosso DNA; é como olhar para um espelho e vê-los nos olhar de volta, impassíveis.
Em família
Na época da minha viagem, em meados de agosto, a família Hirwa consistia em um macho dominante – Munyinya, imenso – e um mais novo (adolescente), seis fêmeas, cinco jovens de três, cinco a seis anos de idade e seis crianças, incluindo um bebê de uma semana de idade. É um dos dez núcleos familiares habituados ao contato quase diário com gente no lado ruandês do Maciço Virunga, cordilheira de montanhas vulcânicas pontiagudas ao longo da fronteira compartilhada entre Ruanda, Uganda e a República Democrática do Congo.
Há 35 anos, a população local atingira um número alarmante: 250, devido à caça ilegal, às doenças e à perda do habitat. Aos poucos o empenho conservacionista elevou a contagem para 480, sendo que 300 se encontram nas encostas do Parque Nacional dos Vulcões. Houve 31 nascimentos de junho de 2014 a agosto de 2015 (depois de gestações de nove meses, é claro).
O acesso humano ao parque de 160 km² é extremamente restrito: são apenas 80 visitantes permitidos em uma das trilhas, com guia, por dia. Os grupos de até oito pessoas, monitorados integralmente, podem passar uma hora com uma das dez famílias.
O custo do visto de permissão para estrangeiros subiu dos US$250 de uma década atrás para cerca de US$ 750; apesar disso, o número de visitantes quase triplicou desde 2004, superando os 20 mil em 2014, e se tornaram vitais para as ambições nacionais de criar um setor de turismo de alta classe enquanto ainda se recupera do genocídio inconcebível de 1994.
Os guardas, armados com rádios e fuzis preventivos, vigiam as famílias de gorilas o dia inteiro, o que torna quase impossível para os guias não encontrá-las. Quando isso ocorre – talvez umas dez vezes por ano – os caminhantes têm a chance de vê-las no dia seguinte.
Em mais de 30 anos, nenhum guia teve que atirar em um gorila e nenhum visitante se machucou em um incidente envolvendo os animais, conta Prosper Uwengeli, diretor da guarda. Mas acrescenta: "Quer dizer, tirando os chutes e tapinhas amigáveis."
Trilha
Os caminhantes se reúnem às sete da manhã na sede para serem agrupados de acordo com o grau de dificuldade das expedições. A minha, de uma hora, considerada moderadamente cansativa, nos fez atravessar um campo elevado de batatas, cujos pés estavam em flor, e escalar uma picada íngreme através da floresta. Não havia trilhas. Nas caminhadas mais exigentes são mais de três horas para se chegar aos gorilas.
A uma elevação de 2.600 metros, o ar se torna bem mais rarefeito e este morador de baixios de 55 anos que vos escreve, cuja relação com o exercício físico cresce a cada ano – na teoria – ficou muito agradecido pelas pausas regulares que o guia fazia. Em uma delas, uma companheira de aventura – com a melhor das intenções, aposto – me avisou que tinha um inalador.
Nosso grupo incluía desde uma italiana de 29 anos a um mexicano de 61 e todos se viraram bem, apesar do esforço. Cada um de nós ganhou um bastão de caminhada e alguns aceitaram de bom grado a mão estendida ocasional dos ajudantes de uniforme azul contratados a US$10 para levar câmeras, roupa de chuva e água.
Nosso guia, Callixte Mugiraneza, explicou rapidamente a dinâmica da família de gorilas. Disse que, com cerca de 200 quilos e mais de 1,5 metro, Munyinya, aos trinta anos, exercia controle total sobre o clã Hirwa, determinando quando e onde buscar alimento.
E também nos explicou o procedimento básico ao longo do caminho: mantenha-se a pelo menos sete metros e fale baixo. Nada de flash na câmera. Evite contato visual e não aponte para os animais. Se o gorila vier na sua direção, saia da frente calmamente. Se um deles atacar, o negócio é seguir as instruções e se jogar no chão, em submissão. Não se assuste se o macho dominante começar a bater no peito: ele está só se exibindo, quiçá se aquecendo.
Mugiraneza então demonstrou algumas das 16 variações orais que os guias aprendem para se comunicar com os símios. "Mmmmmm", rosnou. "Mah-mmmmm" – o que, segundo ele, se traduz como "bom dia".
Proximidade fascinante
Encontramos Munyinya em uma alcova à sombra, não muito longe do primeiro grupo, sentado com as costas retas, pernas cruzadas, as mãos peludas sobre os joelhos. O tamanho e a proporção da cabeçorra o distinguiam dos outros. Observando seus domínios, olhando primeiro para a esquerda e depois à direita, não poderia ter um ar mais imperial. Dois jovens brincavam a seus pés, mas ele afastou um e começou a acariciar o outro com dedos longos e ágeis.
Durante a hora em que ficamos com os macacos, me senti maravilhado o tempo todo pela proximidade. Através das lentes poderosas, entre os galhos, descobrimos uma mãe brincando com o filhinho. Um jovem desceu girando rumo a uma moita de bambus, passando batido perto da minha perna, perto o suficiente para um "high-five". Uma fêmea grandona, encarapitada nos galhos mais baixos da árvore, acima do nosso grupo, desfiava talos de bambu metodicamente como se estivesse descascando espigas de milho.
Outro fator digno de espanto foi a fé cega que depositamos em nossos guias, baseados em pouco mais que um entendimento generalizado de que todo mundo vive para postar selfies com gorilas no Facebook. Se isso simplifica um pouco demais a experiência, que seja. É o que também permite tamanha proximidade em um habitat natural.
A conservação no parque se tornou uma prioridade nacional. Os visitantes têm que adquirir vistos separados para ver os gorilas, explorar os vulcões e visitar as cavernas. Quase toda a renda é dedicada ao combate da caça ilegal. Os guardas encontram cerca de 100 armadilhas por mês, em média, pelo parque. As presas geralmente são antílopes e búfalos, mas os gorilas também acabam capturados pelo menos umas dez vezes por ano, como nos informa Uwengeli.
Contanto que os visitantes continuem chegando – e os ruandeses se atenham aos deveres de gestores locais –, os gorilas devem continuar a prosperar em um raro equilíbrio ecológico que beneficia ambas as comunidades.
Se você for
Comece sua pesquisa no site da Agência de Desenvolvimento de Ruanda (rwandatourism.com/things-to-do/gorilla-tracking) ou esse site independente sobre o Parque Nacional dos Vulcões (volcanoesnationalparkrwanda.com).
Há várias operadoras de turismo. Eu aproveitei dois dias organizados por Kassim Ndayambaje, da Hills in the Mist Tours (hillsinthemisttours.com), cujo pacote de US$1.450 inclui visto de permissão para caminhada, transporte ida e volta de e para a capital, Kigali, e estadia de uma noite na cidadezinha que funciona como portal do parque, Ruhengeri (também chamada Musanze).
Outras operadoras recomendadas pelos funcionários e guias do parque incluem a Volcanoes Safaris (volcanoessafaris.com) e a Primate Safaris (primatesafaris.info).
A diária do meu quarto espartano no Hotel Muhabura (muhaburahotel.com), incluindo mosquiteiros, saiu por US$40. Acrescente aí US$50 se quiser o quarto onde a pesquisadora Dian Fossey ficava quando tinha que ir para a cidade, deixando o acampamento que tinha no parque.
Se preferir algo mais luxuoso, há o Virunga Lodge, administrado pela Volcanoes Safaris; na alta estação, as diárias começam a partir de US$700, mas incluem refeições, bebida à vontade e uma massagem (volcanoessafaris.com/lodges). No Sabinyo Silverback Lodge, a diária dos quartos – que admitem vários hóspedes – varia entre US$450 e US$840 por pessoa, dependendo da temporada (governorscamp.com/property-descriptions/silverback-lodge-parc-national-des-volcans-rwanda).
Nível de isolamento
Da capital de Ruanda, Kigali, serão de duas a três horas de carro, em estradas boas, para chegar ao Parque Nacional dos Vulcões. Muitos aventureiros combinam a viagem com visitas às áreas preservadas no Quênia e/ou na Tanzânia.
Desconforto
A menos que se hospede em um resort de luxo, não espere encontrar restaurantes finos em Ruhengeri (Musanze). Leve um sanduíche. Talvez dois.
Dificuldade física
A caminhada dos gorilas, a grandes altitudes e sem trilhas, pode ser cansativa. Seja sincero com os guardas sobre seu nível de energia para que eles possam colocá-lo em um grupo adequado. Não é recomendado para quem tem problemas cardíacos, respiratórios ou de locomoção. Não se esqueça de colocar na mala um par de botas bem resistentes, um boné, uma camiseta de manga comprida e luvas para se proteger da urtiga.
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