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Além da costa da Sardenha, conheça Sant'Antioco, uma ilha com praias pouco frequentadas

JOSHUA HAMMER

New York Times Syndicate

09/05/2010 08h03

Fazia uma hora e meia que o sol havia se posto em Sant’Antioco, uma das partes menos desenvolvidas da Sardenha, e eu estava perdido. Eu tinha saído do porto de pesca liguriano de Calasetta minutos antes, seguindo um caminho de asfalto que subia e descia por um campo cheio de arbustos mediterrâneos. Mas a estrada pavimentada, que seguia para o sul ao longo do litoral, sumiu, e meus dois filhos e eu nos vimos em uma trilha de terra tão estreita que mal cabia nosso carro.

  • Chris Warde-Jones/The New York Times

    Costa perto da cidade de Calasetta, na ilha de Sant'Antioco, na Sardenha


A rochosa costa mediterrânea, nosso único ponto de referência, desapareceu; uma casa de fazenda em ruínas era o único sinal de habitação humana. Eu prossegui pela trilha, arranhando a lateral do GM Aveo alugado contra uma floresta de arbustos espinhosos e os pneus às vezes girando em falso na areia. Eu procurei em vão por uma saída enquanto a última luz desaparecia. “Vai escurecer em uns dez minutos”, me lembrou meu filho de oito anos. “Você tem alguma ideia de onde estamos?”

“Max”, eu disse, tentando esconder meu nervosismo, “não se preocupe. Nós não estamos perdidos”.

Na verdade, é difícil se perder em Sant’Antioco, uma ilha minúscula ligada ao canto sudoeste da Sardenha por uma estrada elevada. Mas o episódio me fez lembrar o motivo para ter escolhido Sant’Antioco: seu isolamento, simplicidade e ambiente natural.

Atualmente, a Sardenha pode ser mais conhecida por causa da Villa Certosa, o palácio à beira-mar de Silvio Berlusconi, completo com um falso vulcão, onde o primeiro-ministro supostamente promove bacanais com jovens mulheres. Sant’Antioco é a antítese desse playground de celebridades: um local tranquilo, esquecido, com dois portos pitorescos, um punhado de ruínas que datam dos tempos pré-românicos, uma ampla savana mediterrânea, as praias mais intocadas da região e pouco além disso.

Sua pouca cobertura de celular e ausência de inglês – até mesmo os funcionários do centro de informações aos turistas no vilarejo principal, também chamado de Sant’Antioco, mal sabem uma palavra – dão uma sensação agradável de desligamento de nosso mundo cada vez mais interconectado, homogêneo e globalizado.

Sant’Antioco pode não ter glamour, mas é rica em história. A ilha é habitada desde os tempos pré-históricos e, no século 8º a.C., teve um papel-chave nas rotas de comércio mediterrâneas desenvolvidas pelos fenícios. Os romanos ocuparam a ilha em 238 a.C. e construíram templos, viadutos e um istmo artificial ligando Sant’Antioco – então chamada de Sulci – à Sardenha. Sant’Antioco chegou ao seu apogeu no início da era cristã, quando se tornou assento episcopal e destino de peregrinação para os devotos de Santo Antíoco, um mártir cristão nascido na Mauritânia que foi condenado no século 2º pelos romanos a trabalhar nas minas de chumbo da ilha, que atualmente leva seu nome, e que foi executado em 127 d.C.

A ilha foi ocupada pelos franceses e depois por piratas do norte da África, que desembarcaram na costa em 1815 e massacraram a maioria dos habitantes de Sant’Antioco. Desabitada, a ilha caiu na obscuridade, desfrutando de uma recuperação modesta, baseada quase que exclusivamente no turismo, nas últimas poucas décadas.

No ano passado nós voamos para Cagliari, no sudeste da Sardenha, a 88 quilômetros ao leste de Sant’Antioco. Ao cruzarmos a estrada elevada até a ilha menor, a movimento relativo da ilha principal – com suas vias expressas de quatro faixas, rotatórias e restaurantes à beira da estrada e megastores – deu lugar quase que imediatamente a estradas tranquilas e vazias colinas arredondadas, cobertas de bosques de murta, oliveiras silvestres, moitas de medronheiros e urzes.

Nossa casa alugada, a Casa Angelo, na costa sudeste e de propriedade de um casal local, ficava no topo de um longo caminho de cascalho margeado por ciprestes e figueiras. O supermercado mais próximo e conexão de internet estavam a 13 quilômetros de distância, nos arredores de Sant’Antioco; meu celular só encontrava sinal em certos cantos da varanda externa e apenas – por algum motivo – ao amanhecer ou depois da meia-noite. Nossa senhoria, Maria, uma mulher de modos efusivos e calorosos, e seu marido, Angelo, careca e taciturno, falavam apenas italiano e o dialeto sardenho local. Eu falo francês, espanhol e alemão, mas quase nenhuma palavra em italiano. Mas eu consegui entender de Maria um relatório geral sobre as peculiaridades da casa, um guia sobre os melhores e piores restaurantes da ilha e uma longa explicação das complexidades do programa de reciclagem de lixo de Sant’Antioco, que exige cinco sacos separados e seis coletas por semana. Maria aparecia ocasionalmente, passando de forma rápida, despejando pilhas de toalhas e roupas de cama nas minhas mãos e dando tapinhas maternais nas cabeças dos meninos.

A 800 metros estrada abaixo ficava Coaquaddus, a melhor praia de Sant’Antioco e nossa favorita, uma faixa curva de areia que recebe regularmente o vento siroco, que transforma o normalmente plácido Mediterrâneo em um mar propício para bodyboarding. Imigrantes africanos perambulavam pela praia, vendendo óculos escuros e guarda-sóis em um italiano com sotaque senegalês ou malinês; um sardenho idoso se posicionava no passeio que levava à praia toda tarde às 15 horas, vendendo coco batido com limão. Seus gritos de “cocco, cocco” se destacavam acima do barulho dos jovens que jogavam futebol na areia.

  • Chris Warde-Jones/The New York Times

    Mausoléu embaixo da basílica de Sant'Antioco, na Sardenha


Alguns dias preferíamos seguir para a costa oeste, à praia de Cala della Signora, não marcada no mapa turístico de Sant’Antioco. Caminhando por uma trilha íngreme por uma ravina, chegamos a um maciço rochoso cinzento margeando uma baía em forma de ferradura, com piscinas naturais e formações vulcânicas submarinas repletas de ouriços-do-mar. Certa tarde um italiano de sunga – o primeiro italiano que encontramos em cinco dias que falava um pouco de inglês – nos alertou para ficarmos distantes de nosso habitual local de mergulho. Ele apontou para a água quase transparente, onde podíamos ver dezenas de águas-vivas, com seus tentáculos sedosos balançando sob suas cabeças bulbosas rosadas. Ele pescou uma com seu equipamento de mergulho snorkel e a colocou sobre uma pedra. “Adorável la medusa”, ele disse em inglês. “Mas ela pode machucar seriamente.”

Sant’Antioco é uma cidade charmosa com aproximadamente cinco mil habitantes, com um calçadão à beira-mar e casas de fachada pastel de frente a ruas de pedra que sobem em direção à basílica. A igreja de pedra no alto da aldeia data do século 5. Certa manhã, nós e uma dúzia de turistas italianos seguimos uma guia que só falava inglês por um corredor escuro abaixo da igreja que leva às catacumbas, originalmente um cemitério fenício do século 6 a.C. Ela nos conduziu por uma rede de câmaras de teto baixo e corredores decorados com fragmentos de murais dos primórdios do cristianismo.

Uma sala continha esqueletos escavados de vários peregrinos antigos (os ossos de Antíoco foram enterrados aqui após sua execução e removidos em 1615), que jazem, amarelados, apodrecidos e iluminados por lâmpadas de poucos watts, em suas tumbas abertas. De volta à luz do sol, nós descemos até a Corso Vittorio Emanuele, a principal rua de comércio de Sant’Antioco, onde paramos para tomar um gelato em um dos vários cafés e tratorias situados sob plátanos e castanheiras.

Foi também em Sant’Antioco que tive minhas primeiras experiências com a burocracia italiana: uma experiência comum, eu soube, para qualquer um que passe mais do que alguns poucos dias na Itália e se afaste das cercanias isoladas dos hotéis para turistas. Uma fatura de 15 euros para o exame médico de meu filho em um pronto-socorro de Sant’Antioco (após cair dos meus ombros contra o pavimento, felizmente sem se machucar) me obrigou a visitar um posto do correio na praça principal, onde os italianos vão para pagar todas as suas contas, em um sistema centralizado que causa raiva e frustração. Lá eu encontrei uma centena de pessoas, incluindo bebês chorando e crianças agitadas, circulando por um salão escuro, algumas delas segurando senhas numéricas.

Duas funcionárias em guichês processavam seus pagamentos. “Onde estão as senhas?” “Terminaram”, respondeu uma senhora idosa vestida de preto. “E de quanto é a espera?” “Uma ou duas horas.” Três visitas depois, eu desisti em desespero. Então voltei para o pronto-socorro, onde ofereci a uma funcionária da administração o pagamento no local. “Não podemos fazer nada”, ela disse. “Nós não estamos autorizados a aceitar dinheiro.”

“Mas eu quero pagar vocês”, eu disse.

“Lamento, signore”, foi sua resposta.

O clima estava quente e seco em Sant’Antioco, ressecada após meses sem chuva. Em nosso penúltimo dia na ilha – logo após incêndios florestais devastadores no norte da Sardenha terem matado duas pessoas e deixado milhares isolados – as colinas cobertas de mato ao redor de Coaquaddus pegaram fogo. Nós ficamos à beira da estrada em meio a espectadores italianos agitados, vários deles donos de casas na região, enquanto uma frota de carros de bombeiro, com sirenes ligadas, passava por nós na direção da praia. “Fuoco!” a palavra italiana para fogo, parecia estar nos lábios de todos.

Descendo a estrada, um vento forte alastrava as chamas pela mata, enquanto dezenas de bombeiros tentavam futilmente apagá-las. Retornando à segurança de nosso terraço no segundo andar, a quase um quilômetro de distância do fogo mais próximo, nós tínhamos um assento na arquibancada enquanto o drama passava ao próximo nível: quatro helicópteros sobrevoando baixo o Mediterrâneo, enchendo enormes sacos de lona com água do mar e então a despejando sobre as encostas em chamas.

Foram necessárias cinco horas para as chamas serem controladas, quando então centenas de frequentadores de Coaquaddus puderam partir da praia. Maria e Angelo apareceram poucos minutos após o fim da provação, no fresco entardecer de verão. Eles pareciam agitados. “Nós ficamos presos na praia de Coaquaddus –foi terrível”, disse Maria em um italiano que eu começava a entender, enquanto Angelo, taciturno como sempre, concordava seriamente. Eu disse a ela que estava feliz por ela e Angelo estarem bem. “Que espetáculo para as crianças”, disse Maria.

Na manhã seguinte, nós seguimos a trilha de caminhada na encosta em Coaquaddus, cruzando uma paisagem transformada: mata queimada, ciprestes fumegando, o cheiro forte de cinza e fumaça tomando o ar. Nós consideramos os restos queimados das colinas antes vibrantes – agora desoladas como carvão ao fim de um churrasco – como um lembrete sério da fragilidade de Sant’Antioco. Então descemos lentamente para Coaquaddus para um último mergulho.

 

  • Chris Warde-Jones/The New York Times

    Praça central de Sant'Antioco, na Sardenha, que tem por volta de 5000 habitantes

Se você for


Voos para Cagliari, Sardenha, o aeroporto mais próximo de Sant’Antioco, exigem uma parada, geralmente em Roma. De Cagliari, é uma viagem de carro de aproximadamente 90 minutos até Sant’Antioco. Hertz, Avis, Budget e muitas empresas europeias de aluguel de carros possuem filiais no Aeroporto de Cagliari; o melhor negócio que encontramos foi na Sixt (sixt.com).

O consenso geral é de que o melhor hotel na ilha é o Del Corso (Corso Vittorio Emanuele 32; 39-0781-800265; hoteldelcorso.it), um estabelecimento pequeno e elegante na rua principal de Sant’Antioco, que se transforma em um calçadão para pedestres após o anoitecer. Os quartos, com café da manhã incluso, custam entre 69 e 100 euros, ou US$ 92 a US$ 134, com o euro cotado a US$ 1,34. O Moderno (Via Nazionale 82; 39-0781-83105) é uma alternativa agradável, apesar de ligeiramente mais simples, com quartos, com café da manhã incluso, por 85 euros.

No porto de pesca de Calasetta, no extremo norte da ilha, o melhor lugar para ficar é o Hotel Cala di Seta (Via Regina Margherita 62; 39-0781-88304; hotelcaladiseta.it), uma casa moderna no centro da cidade, com quartos com diárias de 55 a 77 euros.

Outra alternativa, talvez melhor, é alugar uma casa particular. Nós encontramos a nossa por meio de Patrizia Deiana Schoeninger (49-761-4014704; ferienhaus-sardinien-deiana.de, em alemão), uma corretora de imóveis italiana que é especializada em Sant’Antioco e fala um pouco de inglês. Nós alugamos o andar superior de uma casa, a Casa Angelo, perto de Coaquaddus, que consistia de dois quartos e um loft subindo a escada, uma grande sala de estar/jantar e cozinha, um terraço que envolvia a casa e um grande terreno coberto de mata, por 900 euros por semana.

De Calasetta, no verão, a balsa Delcomar (39-0781-857123) parte aproximadamente de hora em hora para o encantador porto de Carloforte on Isla di San Pietro, uma viagem de 45 minutos. Você pode viajar com seu carro na balsa e passar o dia dirigindo pela ilha com terreno acidentado, que possui praias espetaculares e lagoas cercadas por penhascos. Uma passagem de ida e volta custa 20 euros por veículo, mais dez euros por cada passageiro.

A Corso Vittorio Emanuele na cidade de Sant’Antioco é margeada por boas tratorias e pizzarias. Entre as mais populares está a Shardana (Corso Vittorio Emanuele 84). O Cafe Hotel del Corso (Corso Vittorio Emanuele 32) possui excelentes cappuccinos, espressos e gelati.

Nordoueste (Lungomare C. Colombo) é um restaurante de peixes e frutos do mar bom para crianças e frequentemente lotado, no porto de Calasetta. Ele também faz pizzas excelentes. Perto dali fica a Da Pasqualino (Via Regina Margherita 85; 39-0781-88473), uma tratoria popular que serve especialidades locais (“alla Calasettana”) incluindo bottarga di tonno e casca (cuscuz ao estilo da Sardenha).