Os 'trouxas' voam no Mundo Mágico de Harry Potter, em Orlando
Fiz minha lição de casa antes de ser enviado para checar a nova atração Mundo Mágico de Harry Potter no Universal Orlando Resort. Sabia que beberia um pouco de cerveja amanteigada. Sabia que pinturas falariam comigo e ficaria impressionado com o passeio de alta tecnologia. Mas não sabia que quase seria pisoteado até a morte por uma multidão de depressivos pós-Potter.
Na manhã de sábado do fim de semana do Memorial Day (feriado em homenagem aos mortos em combate), eu estava esperando com minha família dentro da entrada do Mundo Mágico, apreciando a maravilhosamente detalhada Hogsmeade, uma aldeia de lojas peculiares que tem um papel proeminente nos livros da série Harry Potter de J.K. Rowling. Nós éramos os beneficiários de uma visita à imprensa e tínhamos o lugar mais ou menos apenas para nós. Lá estávamos nós ao lado de um carro de bebida em forma de barril, conversando com nossos dois guias.
Foi um momento pacato e adorável – até surgir um grito e um grande número de pessoas virem correndo à toda pela entrada, basicamente passando por cima de nós. Apesar da abertura oficial do Mundo Mágico ser apenas na sexta-feira, dia 18 de junho, o acesso foi concedido por algumas poucas horas, naquele fim de semana em particular, para pessoas que tinham comprado um certo pacote de viagem. Elas eram muitas e tinham mentalidade de boiada.
Elas não pareciam se importar com o violoncelo que estava tocando sozinho na janela da loja de música de Hogsmeade ou com o fato da locomotiva do Expresso Hogwarts estar estacionada bem ali, aguardando para ser fotografada. Elas também não pareciam se importar com o fato de nossos guias serem Mark Woodbury, presidente da Universal Creative, e Alan Gilmore, diretor de arte do parque, o que os torna pessoas muito importantes.
Não, aqueles rufiões estavam apenas interessados em chegar ao outro lado do Mundo Mágico, ao Castelo de Hogwarts, dentro do qual há uma atração chamada Harry Potter e a Jornada Proibida.
Para fãs sérios de Potter, essa atração se transformou em algo parecido ao bruxo maligno Lorde Voldemort: algo cujos rumores dizem ter poderes incríveis. E, ao menos nesses dias pré-abertura, o passeio era tão elusivo quanto o próprio Voldemort: ele ainda está passando por ajustes, de forma que não havia garantia de que estaria funcionando. Daí a correria: aquelas pessoas rudes queriam ser as primeiras na fila, para aumentar suas chances de experimentar o passeio caso os técnicos dessem o sinal verde.
Enquanto me levantava do chão e checava se minha câmera tinha sido danificada, eu percebi que para aquelas pessoas, aparentemente foram três anos muito, muito longos.
Esse foi o tempo que se passou desde que Rowling encerrou a saga de Potter e seus amigos ao publicar o sétimo e último livro da série multizilionária. Desde então, nos sites de fãs, blogs e afins, os seguidores mais ardorosos de Potter têm trocado anotações online sobre o que chamam de depressão pós-Potter: seu crescente desespero diante da conscientização de que não haverá mais histórias sobre Harry ou Hogwarts, sobre bruxaria e a escola de bruxos. Quando você mergulha em um mundo de ficção tão profundamente quanto esses fãs, é apavorante saber que independente de quantas vezes você monte nela, a vassoura de casa não vai voar.
Eu conheço o tipo. Eu sou um mero admirador de Harry e Rowling, não um Pottermaníaco. Mas todo mundo na minha casa mergulhou de cabeça logo no primeiro livro. Nosso quarto de hóspedes tem pôsteres de Harry Potter em todas as paredes disponíveis. Todos de bom gosto. Pôsteres de 2,40 metros; daqueles que você vê na entrada das salas de cinema. Dois metros e meio de um Daniel Radcliffe gigante (o ator que interpreta Harry nos filmes) e Emma Watson (Hermione) olhando para a cama. Nenhum hóspede aceitou nossa oferta de ficar no quarto desde meados de 2002.
Aquele corre-corre matinal poderá se transformar em um ritual diário mesmo após a abertura do Mundo Mágico, porque os fãs ardorosos, que são centenas de milhares, estão desesperados por uma nova experiência Harry Potter e esperam que a atração Jornada Proibida a forneça. O que é um pouco incongruente, já que o Mundo Mágico não é realmente uma atração para você participar, mas sim para ser absorvida.
“Harry desejou ter oito olhos. Virava a cabeça para todo o lado enquanto
caminhavam pela rua, tentando ver tudo ao mesmo tempo: as lojas, as coisas as portas, as pessoas fazendo compras.” – “Harry Potter e a Pedra Filosofal”.
Turistas enchem as ruas de Hogsmeade, no Universal Orlando Resort, na Flórida
O Mundo Mágico faz parte das Islands of Adventure (Ilhas da Aventura), um dos dois parques temáticos do Universal resort (diferente de alguns relatos na Internet, ele não exigirá um ingresso separado; os mesmos US$ 79 que permitem a entrada no Jurassic Park River Adventure e no Caro-Seuss-el também dará acesso ao Mundo Mágico). Mas a nova área é decididamente diferente daquelas ao seu redor.
Ele é a antítese da maioria das atrações de parques temáticos, onde a ideia é correr de uma atração para a próxima o mais rápido possível. Há de fato apenas três passeios nos oito hectares do Mundo Mágico, e dois deles – tomando emprestado uma imagem de outra fantasia – são as meio-irmãs feias da Jornada Proibida. Funcionários fantasiados estavam mais ou menos implorando para as pessoas embarcarem em seus passeios no fim de semana que eu estava lá.
Mas é igualmente verdadeiro que só há uma única verdadeira atração no Mundo Mágico, porque os passeios não são realmente o que interessa; é o trabalho de arte. Esta atração foi criada tendo os obsessivos em mente, o tipo de pessoa que mais ou menos decorou os livros de Rowling, e isso transparece em todo tipo de detalhes. O desgaste da pedra para fazê-la parecer indefinivelmente antiga. A forma como a neve se encontra nos telhados, como se estivesse prestes a derreter.
Até mesmo coisas um tanto escatológicas não foram desprezadas. Não apenas há corujas que parecem vivas nas vigas, como também há caca de coruja que parece real na madeira abaixo delas. Murta que Geme, uma fantasma dos livros, pode ser ouvida no banheiro feminino. Pelo menos foi o que me disseram. Ela certamente pode ser ouvida no banheiro masculino. E sim, é assustador.
São tantos os detalhes que rapidamente fica aparente o que está ausente no Mundo Mágico: um posto de primeiros socorros munido de um ortopedista especializado em danos causados por crianças impacientes de cinco anos, puxando os braços dos pais. Com a exceção da loja de doces Dedosdemel e de um quadro interpretado por um ator na Olivaras (uma criança sortuda é escolhida por uma vara, assim como Harry em “A Pedra Filosofal”), este não é o tipo de lugar para uma criança com déficit de atenção.
“Espere um minuto, Joey; mamãe está admirando a forma como as pedras neste castelo lembram os castelos de verdade na Europa.”
“Buááá!”
“Fique quieto e vá encontrar o Caro-Seuss-el. Eu vou buscar você daqui cinco horas.”
“De uma vez por todas, Harry, você me dá sua palavra de que fará tudo que puder para não me deixar parar de beber?” –“Harry Potter e o Enigma do Príncipe”
O Mundo Mágico carrega o peso da responsabilidade sobre seus ombros. Assim como os filmes de Potter deram aos leitores a interpretação oficial de como de fato pareciam as cenas que estavam imaginando, o Mundo Mágico é a interpretação oficial, abençoada por Rowling, de como seria a sensação de estar em uma daquelas cenas. Assim, não há vendedores ambulantes nas ruas que não estariam nas ruas de Hogsmeade; algodão-doce e mãos gigantes de espuma não estão à vista. Mas não se engane: este lugar foi construído para o comércio.
Os cínicos que mergulharam nos livros de Potter podem se perguntar por que os bruxos tão espertos de Hogwarts não possuem eletricidade, mas há uma conveniência moderna que eles possuem, pelo menos aqui: Hogsmeade possui um estande de caixa eletrônico pronto para servir aqueles que ficarem sem dinheiro. O que muitos ficarão, porque a loja de varinhas, a loja de doces e outros estabelecimentos têm muitos produtos para vender. Na Dedosdemel naquele sábado do Memorial Day, a prateleira de sapos de chocolate –US$ 9,95 cada– ficou vazia em uma hora (os sapos de menta eram US$ 3 mais baratos, mas menos populares).
Os fãs, é claro, não partirão sem experimentar duas bebidas antes de ficção, agora reais, inventadas nos livros e que ganharam vida aqui. Alerta de heresia: a cerveja amanteigada (US$ 8,50 em uma caneca souvenir; US$ 9,50 para a variedade congelada), apesar de melhor do que seria se você despejasse manteiga derretida em uma Budweiser, é indistinguível de um refrigerante de baunilha de qualidade. O suco de abóbora (em uma garrafa bonitinha, com uma abóbora no topo) é bem mais interessante, talvez porque o conteúdo de abóbora de fato pareça mínimo – parece mais uma sidra de maçã misturada com um pouquinho de abóbora. Para os adultos, há uma ótima cerveja de verdade no bar Cabeça de Javali.
Os visitantes alucinados daquela manhã de sábado pelo menos acertaram em uma coisa: é melhor não ter uma mistura volátil de cerveja amanteigada, suco de abóbora e sapos de chocolate em seu estômago ao embarcar nos quatro minutos frenéticos, desorientadores, que culminam a Jornada Proibida.
“É claro que está acontecendo dentro de sua cabeça, Harry, mas por que isso significaria que não é real?” –“Harry Potter e as Relíquias da Morte”
Alguns dos primeiros passageiros do 'Voo do Hipogrifo', no Mundo Mágico de Harry Potter, no Universal Orlando Resort, na Flórida
Os representantes de parques de diversão arrancariam suas línguas antes de reconhecerem que suas melhores atrações têm filas absurdamente longas, mas as pessoas por trás do Mundo Mágico realizaram um esforço orquestrado para transformar o tempo de espera em uma parte integral da experiência. Pergunte quanto tempo dura a atração e eles dirão que uma hora, porque é quanto tempo eles querem que você espere para chegar ao clímax de quatro minutos.
A fila da Jornada Proibida serpenteia por salas e corredores do Castelo de Hogwarts, e para aqueles bem atentos – que podem não ser todos – há uma história transcorrendo. Os visitantes se transformam em parte dela, auxiliados por retratos que falam e personagens dos filmes – projeções, hologramas ou algo assim.
O momento principal: Harry e seus amigos Hermione e Ron – saindo de sob o manto de invisibilidade de Harry – pedem que você mate a aula para voar. Os personagens dos filmes que aparecem – Dumbledore, o diretor, é outro – estão tão “presentes” que os fãs mais ardorosos podem relutar em deixar essas cenas preparatórias para trás, mas o passeio chama. Seus assentos chegam em fileiras de quatro por vez, mas cada assento na fileira é independente, permitindo que fileira incline 360 graus e criando a sensação de que você está no passeio sozinho (já que você não consegue ver a pessoa à direita ou esquerda). Crianças menores não podem ir, há uma restrição de altura de 1m20.
A combinação de imagens projetadas e objetos reais que vêm na sua direção enquanto você sobrevoa Hogwarts é impressionante. Talvez você tenha até mesmo que fechar os olhos em certos momentos, o que, se você for jornalista, impedirá convenientemente que você conte demais o que acontece, porque você de fato não viu. Basta dizer que ao final do passeio, você terá tido encontros com o Quadribol (o esporte favorito em Hogwarts), dementadores (as terríveis criaturas fantasmagóricas), um dragão e uma árvore particularmente rabugenta. Os estímulos físicos e visuais são tão rápidos que é difícil absorver tudo; uma única ida não será suficiente para os Pottermaníacos.
Então, o Mundo Mágico curará toda aquela depressão pós-Potter? É a resposta às orações, encantos ou qualquer outra coisa deles?
Sim, esta atração certamente será um bálsamo para suas almas em privação. Ela os convencerá que, apesar da produção da caneta de Rowling ter parado, Hogwarts continua viva. O problema é que em algum momento você terá que partir. E assim que sair pelos portões, o ordinário poderá parecer mais tedioso do que nunca. Até mesmo para um fã casual como eu.
Nós ficamos hospedados no Hard Rock Hotel do resort. De volta ao quarto, eu me vi aborrecido pelo fato das fotos antigas de Elton John e dos Kinks nas paredes se recusarem a ganhar vida e cantarem. Bater nelas com a varinha de US$ 30 que compramos na Olivaras não ajudou.
O hotel tinha um bar agradável, um bom lugar para ir ao se ver confrontado com a verdade que de que a vida real geralmente não tem nada de mágica. Barman, uma cerveja por favor. Mas sem manteiga.
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