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Caminhando entre as manadas do Vale do Rift, no Quênia

ALEXIS OKEOWO

New York Times Syndicate

24/10/2010 08h00

Eu estava em uma oficina improvisada em Njoro, uma cidade do Grande Vale do Rift, no Quênia, enquanto os moradores montavam arcos e flechas para a batalha. No gramado repleto de feno, no final de uma estrada de terra que passava por plantações de trigo abandonadas e casas sinistramente desertas, um jovem sério chamado Samuel me mostrou como usar a arma: mergulhe a flecha no veneno de sapo, segure-a no arco, mire e então dispare. “Eu preciso proteger minha família”, ele me disse.

  • Reprodução/New York Times

    Lago Naivasha fica no coração do Vale do Rift, no Quênia

Isso foi em 2007, quando eu estava no Quênia para cobrir as conseqüências violentas da eleição presidencial na qual Mwai Kibaki, o atual presidente que pertence ao grupo étnico Kikuyu, foi acusado de derrotar de forma fraudulenta seu adversário, Raila Odinga, da etnia Luo. Os tumultos e confrontos étnicos brutais se inflamaram no Vale do Rift, com algumas pessoas recorrendo ao arco e flecha, matando outras com precisão devastadora.


Três anos depois, eu estava de volta para ver como o vale tinha mudado. Eu fiquei contente ao ver que havia tanto uma volta da calma quanto um aumento de turistas. Mas agora eu estava enfrentando um tipo diferente de perigo potencial: os hipopótamos.


Enquanto caminhávamos na Crescent Island, no Lago Naivasha no Vale do Rift, meu guia turístico, Mumo, começou a me contar sobre os hipopótamos que costumam perambular pela ilha naquela altura do dia, principalmente quando chove. Os hipopótamos avançavam colidindo contra a mata, deixando um rastro de destruição. E não apenas de vegetação: eles matam mais humanos do que qualquer outro animal.


Então começou a chover.


“Não se preocupe, é melhor ser perseguido por um hipopótamo do que por um búfalo – e melhor ser atacado por um búfalo do que por um hipopótamo”, Mumo disse rindo.


Não era exatamente tranquilizador. Eu me lembrei da placa que vi na entrada da ilha: “Ande pela Crescent Island a seu próprio risco”.


A ilha é um pedaço de terra no Lago Naivasha, que é na verdade a borda de uma cratera vulcânica submersa no ponto mais profundo do lago. O imenso lago (seu tamanho varia de acordo com a estação) está no coração do Vale do Rift, onde milhões de anos atrás a crosta terrestre rasgou, criando uma rachadura que se estende por todo o continente. Vulcões ativos em ambos os lados da rachadura entraram em erupção e forçaram o solo a afundar em um vale profundo e curvado. Escarpados vulcânicos irregulares com vistas panorâmicas, desfiladeiros cavernosos e lagos cintilantes permanecem até hoje.


Eu estava em uma viagem para seguir a fauna notavelmente diversa – girafas, impalas e até mesmo hipopótamos – em Crescent Island e no lago em volta. Negligenciado pelos turistas, que preferem o mais popular Parque Nacional do Lago Nakuru, famoso por seus flamingos cor-de-rosa, e por Hell’s Gate, um parque de safári próximo, grande parte do Lago Naivasha ainda está fora do caminho batido, quase deserto e sereno.


Táxis privados e carros para aluguel estão disponíveis para o passeio de uma hora e meia de Nairóbi até Naivasha, mas eu impulsivamente embarquei em uma matatu, uma das infames vans públicas do Quênia que não exatamente chegam aos seus destinos, mas sim se arrastam até eles. Eu comprei minha passagem por 167 xelins quenianos (aproximadamente US$ 2) e um homem com um boné de condutor de trem me conduziu imediatamente à matatu à espera mais próxima. Eu me sentei em um banco traseiro próximo da janela e me preparei para o passeio.


Enquanto subíamos as encostas do vale, no final atingindo uma altitude de aproximadamente 2.440 metros acima do nível do mar, eu senti o ar se tornar mais rarefeito. Em seguida, nós deslizamos para uma ampla planície verde pontilhada por casas baixas e plantações de chá que se espalhavam até onde era possível ver.


Após chegar a Naivasha, eu comprei outra passagem de matatu, desta vez para Fisherman’s Camp, onde eu iria ficar. Fisherman’s é um local popular à beira do lago entre os turistas, com uma variedade de acomodações econômicas, de tendas até as cabanas redondas do leste africano chamadas bandas; acomodações mais caras, algumas bastante luxuosas, margeavam o lago de cada lado do hotel em Fisherman’s Camp. Um clube de campo fica à beira do lago.


Estava anoitecendo quando eu cheguei à ampla propriedade, onde árvores enormes se misturavam por sobre chalés em estilo rústico. Eu segui para o restaurante, onde jantei uma tilápia fresca levemente frita e batatas fritas com molho tártaro caseiro, acompanhada de uma cerveja maltada Tusker, a bebida não oficial do país. A poucos metros de distância, o lago negro brilhava ao luar.


Na manhã seguinte, após uma noite de chuvas torrenciais sobre meu chalé espaçoso, eu me juntei a um grupo de aposentados de Illinois em uma grande canoa, equipada com um motor, que nos levaria a um passeio pelo lago. Naivasha, o segundo maior lago de água doce do Quênia, é incomum por não possuir escoadouro conhecido. Em vez disso, túneis subterrâneos naturais bombeiam a água para o lago dos rios ao norte.


“Quão grande é este lago?”, uma mulher perguntou para outra. “Grande”, respondeu a outra mulher.

  • Reprodução/New York Times

    Entre os habitantes do lago estão os hipopótamos e mais de 350 espécies de aves

Alguém perguntou sobre hipopótamos assassinos. Willis, o diretor de safári de barco do acampamento, tentou dissipar seus temores. “Essa é a história que corre ao redor do lago”, ele disse. “Mas eu não acho que já tenha acontecido.”


Com esse voto de confiança, nós vestimos os coletes salva-vidas e começamos um passeio surpreendentemente tranquilo sob um sol brilhante, mas suave. Jim, o líder dos aposentados, apontou para mim exóticos guarda-rios-malhados e gansos egípcios ao nos aproximarmos de antílopes cob-untuosos e girafas-masai. Há mais de 350 espécies de aves no lago. “O que é ótimo a respeito do Lago Naivasha é que é muito barato e ninguém sabe a seu respeito”, disse Jim, enquanto nosso barco entrava em uma região pantanosa, rodeada por densos papiros e acácias.


Nós permanecemos com cautela próximos de um grupo de hipopótamos até que, em um momento de drama magnífico, eles abriram suas bocas enormes, bocejando. Pelicanos, águias-pescadoras-africanas e cegonhas voavam acima de nós.


Nós passamos por um último grupo de hipopótamos, mas o safári ainda não havia terminado. Normalmente, o barco prossegue até Crescent Island, mas o grupo estava com fome, então voltamos ao acampamento para o almoço. Após devorar uma tilápia inteira (com a cabeça intacta), temperada com alecrim e gengibre, eu decidi tomar um táxi até a beira da ilha em vez de tomar outro barco.


Crescent Island, agora de propriedade privada de uma família britânico-queniana, foi criada quando o Monte Longonot próximo entrou em erupção, criando a cratera na qual a ilha agora se situa. Ela cresceu em tamanho devido à redução drástica do nível da água do Lago Naivasha, causada tanto pela seca quanto pela drenagem do lago por mais de 100 fazendas de flores. (Apesar do nome, a ilha se transformou em uma península em 2000, quando o nível da água do lago caiu para seu ponto historicamente mais baixo.)


A apenas 20 minutos do acampamento, a estrada que conduz à ilha sai da rodovia principal e se torna mais estreita e pedregosa à medida que você avança. As plantas amarelo-avermelhadas e esverdeadas que a margeiam são grandes e grossas com folhas espinhosas, e como logo vi, servem de alimento para as girafas que passavam pelo nosso carro, parando para nos espiar.


Crescent Island rivaliza com qualquer jardim zoológico em diversidade: zebras, impalas, girafas, gnus, gazelas, diversos tipos de antílopes (cob-untuosos, dik-diks, steenboks), búfalos e vários outros tipos de animais povoam a ilha. E como não existem predadores, cercas ou carros, os visitantes podem caminhar livremente entre os animais.


“O único perigoso é o búfalo”, me disse Josphat, um guarda masai, contradizendo o alerta de meu guia Mumo sobre os hipopótamos. “Se algum vier em sua direção, suba em uma árvore.”


“Então, bem-vindo à ilha", disse Mumo, terminando a introdução de Josphat.


Mumo e eu perambulamos dentro do santuário privado, uma área de quase oito quilômetros quadrados, e logo nos deparamos com uma manada de zebras descansando ao lado de algumas árvores. Eu arrisquei timidamente me aproximar de uma, até que ela olhou nos olhos e fugiu. Nós descemos uma encosta gramada até chegarmos por trás de um grupo de impalas. Caminhando paralelamente a elas, eu estava perto o suficiente para tocar uma.


Enquanto subíamos outra encosta, um macaco colobus passou diante do meu pé, correndo até se pendurar em uma árvore. Quando chegamos à trilha no ponto mais alto da ilha, vários gnus correram diante de nós. Uma gazela saltou de trás de Mumo. Eu estava ao mesmo tempo alegre e um pouco nervoso.


Mumo, que parecia um caubói moderno em sua jaqueta de camuflagem do exército, chapéu de safári e óculos escuros, me disse: “Olhe para eles, eles estão nos observando. Eles estão perguntando: ‘Quem são essas pessoas?’”

 

Nuvens subiam como vapor acima dos vulcões cinzentos e nebulosos ao longe. Eu queria desesperadamente ver uma girafa de perto. Eu cautelosamente me aproximei de um bebê comendo tranquilamente em um arbusto. Ela não se moveu quando chegamos cara a cara, mas olhou para mim e então se afastou, até estar parcialmente escondida atrás de uma árvore florida. Quando dei um passo ao lado, ela despontou brevemente. Quando me aproximei, ele voltou para trás da árvore.


A girafa estava brincando de esconde-esconde.

 

Tradução: George El Khouri Andolfato