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Cinquentenário, Muro de Berlim guia turista pela história recente da Alemanha

CRIS GUTKOSKI

Colaboração para UOL Viagem, em Berlim *

26/09/2011 07h01

Muro, em alemão, é “mauer”. Em Berlim, é das primeiras palavras que se aprende, basta enxergar os painéis, as inscrições no chão ou na altura do olho, as linhas em pedras e metais diferenciados que atravessam avenidas, parques e jardins. “Por aqui passava o Muro, sabia?” E os gestos dos moradores apontam para um paredão agora invisível ou para um percurso também imaginário no solo.

Em 2011, a capital da Alemanha lembra os 50 anos do início da construção do Muro de Berlim, em 13 de agosto de 1961, e por extensão os mais de 28 anos em que a metrópole ficou dividida, até que uma decisão política permitiu que a população colocasse o Muro abaixo, com as próprias mãos, com os pés, a partir da noite de 9 de novembro de 1989. Pedaços desta história trágica do século 20 ainda estão de pé e merecem uma visita.

Em grande parte de sua extensão total, de 155 km, o Muro era duplo: uma parede erguida do lado da antiga Alemanha Oriental, administrada pelos soviéticos após a Segunda Guerra, que inventaram a barreira para impedir a passagem dos berlinenses para o lado capitalista, e outra parede em território da então Alemanha Ocidental. Entre eles, a chamada “terra de ninguém”, amplos trechos urbanos onde atualmente se encontram, por exemplo, o Portão de Brandemburgo, marco histórico bloqueado pelo Muro a partir de 1961, e o Memorial do Holocausto, inaugurado em 2005.

As duas faces do Muro ganham uma exposição didática na plataforma acessível por escadas do Gedenkstätte Berliner Mauer – Memorial do Muro de Berlim, na Bernauer Strasse, alcunhada de “rua das lágrimas”, por concentrar muitas das tentativas de fuga para o lado ocidental.

Uma guarita está no meio dos paredões de 4 m de altura, reconstruídos no local original. No chão, são depositados buquês e coroas de flores, em homenagem à coragem dos moradores que tentaram desafiar a vigilância de soldados e cães. Segundo dados oficiais, as vítimas fatais da repressão, ao longo de 28 anos, foram 134. Vizinho do Mauerpark (Parque do Muro), o Memorial abriga exposições permanentes em terminais de computador, com imagens, áudios e textos, um Centro de Documentação e também a Capela da Reconciliação.

Memória viva

Não se pode acusar os alemães de tentarem esconder as suas cicatrizes recentes. Pelo contrário: a expiação se torna por vezes brutal. O turista passeia por uma das principais rotas do Muro, de Potsdamer Platz ao Checkpoint Charlie, e de repente se depara com o rosto de um menino bonito, reproduzido num painel colorido. Peter Fetcher, lê-se em inglês e alemão, tinha 18 anos quando foi morto a tiros, em 1962, tentando passar de uma Berlim a outra, em Zimmerstrasse. A polícia do lado ocidental era proibida de auxiliar tentativas de fuga, prossegue o painel. Atingido por vários disparos, o jovem sangrou por quase uma hora, até ser socorrido pelos alemães orientais. Tarde demais.

  • Cris Gutkoski/UOL

    Painel homenageia jovem que foi assassinado ao tentar cruzar o Muro de Berlim em 1962

Ele morreu em 17 de agosto de 1962. O que este memorial no meio da rua escancara, num dia de sol de verão de 2011, é uma execução a sangue frio, de uma vítima desarmada, pelo poder de Estado que considerava “inimigos” os que tentavam escapar da repressão comunista. Depois de ver a foto de Peter Fetcher, e imaginá-lo agonizando sozinho, fica até complicado comprar um sorvete nas redondezas, e perde a graça aquela vontade de trazer da Alemanha um gorro do Exército Vermelho de lembrancinha.

Em Checkpoint Charlie, guarita famosa da Berlim Ocidental, no encontro das ruas Schützenstrasse e Friedrichstrasse, está o Museu do Muro de Berlim, criado em 1963 pelo historiador Rainer Hildebrandt. O acervo contém documentários, entrevistas com moradores, com testemunhas das fugas e ainda equipamentos utilizados por fugitivos bem-sucedidos.

O Muro que o jovem Peter Fetcher e outros milhares de alemães do lado oriental tentaram transpor era praticamente intransponível. As torres de vigilância eram cerca de 300, e junto a elas trabalhavam 11.500 soldados, acompanhados de quase 300 cães, 24 horas por dia.

No livro “Die Mauer Spricht” (O Muro Fala), cuja primeira edição foi em 1982, Rainer Hildebrandt apresenta as chamadas quatro gerações da construção do Muro de Berlim, desde os primórdios, das barreiras com arame farpado e blocos pequenos, até a quarta e última, a fortaleza tecnológica, com alarmes, que nem tanques de guerra poderiam derrubar. Da terceira para a quarta geração, com moldes pré-fabricados, a largura da parede foi de 10 cm para 16 cm e a altura, de 3,7 m para 4,1 m.

Na histórica noite da queda, em 1989, os moradores e visitantes de Berlim que galgaram o Muro para começar a despedaçá-lo suaram um bocado sob as roupas de inverno europeu. Aquele concreto todo precisou de força, martelos potentes e furadeiras elétricas para começar a ceder. Quem não levou apetrecho algum usava as unhas mesmo. “A alegria era tanta que chegou ao limite da dor”, escreve Hildebrandt, referindo-se ao encontro repentino de familiares e amigos separados por décadas.

Topografia do terror

Próximo de Checkpoint Charlie, um trecho de 200 m do Muro original mais ou menos despedaçado, com o esqueleto de ferro aparecendo sob o concreto, pode ser visto ao lado da exibição Topografia do Terror, no Martin Gropius Building. Trata-se de um Muro agora intocável, protegido por barreiras do ataque persistente dos caçadores de suvenires, a fim de evitar a destruição total. A Topografia do Terror tematiza ações do período nazista na Alemanha, de 1933 a 1945, e alguns de seus desdobramentos, como o julgamento de Adolf Eichmann.

  • Cris Gutkoski/UOL

    O nazismo é o tema do centro "Topografia do Terror", localizado ao lado do Muro de Berlim

Com ou sem o auxílio de painéis didáticos, a topografia do terror e do horror espalha seus tentáculos por outros pontos de Berlim. Há uma zona de campo de concentração ao norte da cidade, ao qual se chega por metrô de superfície. No Zoo, os bombardeios e incêndios mataram milhares de animais: sobraram vivos menos de 100, dos mais de 4.000 que havia antes de 1939. 

Ainda no tema dos massacres da Segunda Guerra, o CEO de Berlin Tourismus & Kongress GmbH, Burkhard Kieker, lembra que o fuzilamento dos oficiais nazistas acusados de tentar matar Adolf Hitler se deu a apenas 400 m do reluzente Sony Center, em Potsdamer Platz, bairro símbolo da reunificação. A traição no alto comando do nazismo foi tema do filme “Operação Valquíria”, que tem o ator Tom Cruise como protagonista. “Berlim é a metrópole da ressurreição”, diz Kieker.

O trecho mais longo do Muro preservado, no centro da capital, tem 1,3 km e está coberto de pinturas e grafites. A colorida East Side Gallery se deixa até abraçar, o que muitos turistas fazem na hora das fotos, se não por afeição à idéia da triste barreira, pela importância de poder tocar um dos ícones da história do século 20.

Símbolo da Guerra Fria, o “muro da vergonha” dividia não apenas Berlim, mas dois mundos distintos, os das superpotências norte-americana e soviética. O paredão pintado por artistas locais e internacionais em Holzmarktstrasse e Mühlenstrasse, em 1990, foi revitalizado há dois anos.

  • Cris Gutkoski/UOL

    Grafites no Muro de Berlim têm mensagens em várias línguas, entre elas o português

Turismo

De janeiro a maio deste ano, Berlim contabiliza um crescimento expressivo de turistas brasileiros, em relação ao mesmo período do ano passado. O número de “overnights”, ou noites de estadia, cresceu 35,8%, e o número de desembarques de brasileiros subiu 30,4% no período, segundo dados oficiais do Berlin Tourismus & Kongress GmbH. Entre os estrangeiros que chegam em maior número à capital da Alemanha estão os italianos, ingleses, espanhóis e franceses, atraídos por interesses de longa data, como a qualidade de dezenas de museus, e por uma simbiose mais recente de música, moda, gastronomia e vida noturna.

Muitos dos visitantes ouviram e continuarão ouvindo a pergunta: “Sabe o Muro de Berlim? Ele passava aqui, bem aqui, está vendo?” Na falta do concreto para tocar, imagina-se rapidamente uma fortaleza de 4 m de altura. A indagação amável dos que já viveram em Berlim com e sem o Muro não deixa de ser uma manifestação persistente de incredulidade, de não aceitação da violência, que em 2011 completa 50 anos. Como assim, havia um Muro separando uma cidade deste tamanho?

SERVIÇOS

Mauermuseum – Museu do Muro em Checkpoint Charlie
Friedrichstrasse 43-45, Kreuzberg
Tel: 49 (0) 30-253 7250
www.mauermuseum.de

Gedenkstätte Berliner Mauer – Memorial do Muro de Berlim
Bernauer Strasse 111, Mitte
Tel: 49 (0) 30-464 10 30
www.berliner-mauer-dokumentations-zentrum.de

visitBerlin – Serviço de apoio ao turista
Tel: 49 (0) 30-25 00 25
www.visitberlin.de

*A jornalista Cris Gutkoski viajou a convite de visitBerlin e Turismo de Viena