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Trilha no Colorado coloca turistas no meio da história norte-americana

Visão de um dos lagos a beira das montanhas, no Colorado - Todd Pitock/The New York Times
Visão de um dos lagos a beira das montanhas, no Colorado Imagem: Todd Pitock/The New York Times

TODD PITOCK

New York Times Syndicate

28/12/2011 07h00

Durante uma recente caminhada por uma trilha em montanha nas Rochosas, na região central do Colorado, eu encontrei sinais daqueles que estiveram lá antes de mim. Não eram de outros caminhantes, mas sim de soldados. Um trecho perto da trilha estava repleto de trincheiras individuais, com um lado elevado como proteção e a coisa toda coberta por relva.

“Eu já encontrei caixas de munição aqui”, disse Scott Messina, um guia de montanha que me acompanhou durante minha caminhada pelo Sistema de Cabanas da 10ª Divisão de Montanha, uma série de abrigos instalados em intervalos ao longo dos 480 quilômetros de trilhas, em um triângulo entre Vail, Aspen e Leadville.

Ao sairmos brevemente da trilha, à procura (sem encontrar) de alguma caixa de munição e espiando dentro daquelas trincheiras, eu percebi que aquele era um lugar raro, que coloca a pessoa não apenas em meio a belas florestas, lagos alpinos e montanhas cobertas de neve, mas também em um episódio fascinante da história americana.

Esta área das Rochosas é cheia de histórias. Por décadas, Leadville parecia contrastar do esplendor ao seu redor. No final dos anos 40, ela ainda lembrava o mundo do século 19 de garimpeiros e prostitutas, saloons e bordéis, o que a tornava um dos lugares mais notórios do Velho Oeste. E a uma altitude de mais de três mil metros, é a cidade mais alta nos Estados Unidos continental e uma das mais frias.

Durante a Segunda Guerra Mundial, o Exército avaliou que as condições punitivas a tornavam o lugar ideal para o estabelecimento do Campo Hale, que ficava sobre uma área pantanosa nos arredores da cidade. Por um período, os soldados eram proibidos de visitar a cidade repleta de pecados de Leadville.

O Exército usava as montanhas ao redor, com alguns picos passando de 4.200 metros, para ensinar os soldados a esquiar, atirar e aprender a lidar com terreno rochoso e gelado, algo que encontrariam na Europa (a divisão foi desativada depois da guerra e retomada em 1985).

Após treinar no Colorado e arredores, os soldados eram enviados para a Itália, onde enfrentaram a brutalidade da guerra e encontraram o tipo de alianças que apenas seus pares podem entender. Uma das coisas que os membros da divisão apreciaram no seu tempo no exterior foi o sistema de cabanas europeu: abrigos confortáveis distribuídos ao longo das rotas nas montanhas, que permitiam aos viajantes levar uma bagagem leve e dormir em recinto fechado.

Em 1980, um veterano da 10ª de Montanha chamado Fritz Benedict, juntamente com um grupo de voluntários que compartilhavam seu sonho de reproduzir o sistema de cabanas, criou uma organização chamada Associação de Cabanas da 10ª Divisão de Montanha (huts.org). Um importante apoiador do projeto foi o ex-secretário de Defesa (e entusiasta de lugares remotos e pouco habitados), Robert S. McNamara, que pagou pela construção das duas primeiras cabanas, que foram abertas em 1982 e batizadas com o nome dele e de sua esposa, Margy. Atualmente são 31 cabanas, 14 delas de propriedade e administradas pela associação e 17 de propriedade privada ou de outras organizações sem fins lucrativos. Os caminhantes têm acesso a todas.

Há outros sistemas de cabanas nos Estados Unidos, como no Oregon, New Hampshire e Minnesota, entre outros. Mas o atrativo do sistema da 10ª Divisão de Montanha é o tamanho da rede, sua disponibilidade o ano todo e a sua história.

Aproximadamente três quartos dos visitantes procuram as cabanas no inverno, atraídos pela perspectiva de andar com raquetes de neve e esquiar na neve virgem de um local remoto. Mas o verão tem seu próprio charme, como descobri durante minha viagem em julho. Àquela altura a flora estava florescendo, alegrando a paisagem. As temperaturas diurnas frescas, 24ºC em média, eram agradáveis e revigorantes.

  • Todd Pitock/The New York Times

    Sistema da Associação de Cabanas da 10ª Divisão de Montanha, no Colorado


Após parar na Cabana da 10ª Divisão de Montanha, nós partimos cedo por uma rota de 13 quilômetros em direção ao nosso próximo destino, a Cabana do Tio Bud. Dada a altitude e nossas mochilas de 16 quilos, nosso ritmo era de cerca de três quilômetros por hora, e por ser a estação das chuvas, com tempestades de raios espetaculares e chuvas torrenciais que tendiam a ocorrer no final da tarde, nós queríamos completar nossa caminhada de quatro a cinco horas antes do almoço. Quando chegamos a um lago alpino, nós paramos, hipnotizados pela moldura oval de água refletindo a floresta escura, o céu azul e as cadeias de picos de montanhas cobertos de neve.

Nós cruzamos as campinas cobertas de relva e flores silvestres - trevos, jacintos e tremoços - que estavam começando a florescer e a salpicar a área em tons diferentes de amarelo, vermelho e púrpura. Uma flor silvestre particularmente chamativa era a “elephant head” (Pedicularis groenlandica) de cor lilás, cujas pétalas grossas de fato lembram a imagem de tromba de elefante.

“Em duas semanas”, Scott disse quando retomamos a caminhada, “o mirtilo e o mirtilo-vermelho começarão a brotar”.

“Dá para comê-los?” eu perguntei.

“Sim!” ele disse. “Eles são minúsculos, com apenas milímetros, mas você reúne um punhado na palma de sua mão e tem cheiro de panqueca de mirtilo.”

Durante nossa viagem, nós cruzamos com apenas cinco outros viajantes. Dois deles estavam percorrendo os quase 800 quilômetros da Trilha do Colorado. Um terceiro estava caminhando do México ao Canadá.

Eu me contentava apenas em chegar à Cabana do Tio Bud e me envolver na história da 10ª Divisão de Montanha.

 

  • Todd Pitock/The New York Times

    Cabana do Tio Bud, no Colorado


O nome da Cabana do Tio Bud vem de Burdell Winter, um soldado de Schenectady, Nova York, conhecido como Bud, que foi morto em ação aos 20 anos e era renomado por sua perícia em montanhismo e por sua personalidade incomum. A cabana, que foi construída em 1989 em grande parte devido aos esforços de seu irmão, Fred, é uma espécie de monumento a ele. Em uma parede está um poema comovente escrito por seu pai, em outra um relato de um sobrinho que trabalhou na cabana quando tinha aproximadamente a mesma idade em que Bud serviu. Um diário inclui a mensagem da Western Union avisando sobre a morte de Bud, juntamente com longas cartas dos homens que serviram com ele, lembrando episódios ocorridos 45 anos antes. Das janelas da cabana é possível ver os dois picos mais altos do Colorado, o Monte Elbert e o Monte Massive, além do perfeitamente chamado Lago Turquesa.

“É tranquilo, remoto e belo”, disse Dave, um visitante frequente que estava passando o fim de semana com seu neto de 19 anos na cabana, com capacidade para 16 pessoas. Eles não tinham nada planejado a não ser caminhar e ler - e compartilhar o espaço com qualquer pessoa que aparecesse.

Toda cabana tem sua própria história, capturada em diários e recortes mantidos em pastas. Os visitantes são encorajados a adicionar registros e as contribuições cobrem décadas.

Apesar dos projetos e confortos variarem, as duas cabanas que visitei por acaso eram quase idênticas. Todas contêm fogareiros a propano para cozinhar, utensílios, camas e um aquecedor a lenha (apenas três cabanas, todas parte de um conjunto maior, tinham água corrente e tomadas elétricas). Elas acomodam de 4 a 26 pessoas cada; o custo da estadia nas cabanas de propriedade da associação (incluindo as duas em que ficamos) é de US$ 30 por pessoa por noite; outras custam um pouco mais e muitas exigem que você reserve toda a cabana, aumentando o custo para grupos pequenos. Apesar de algumas estarem disponíveis o ano todo, outras abrem apenas de julho a setembro, e então do Dia de Ação de Graças (quarta quinta-feira de novembro) até abril. Reservas por telefone (970-925-5775) são essenciais (as cabanas têm fechaduras sem chave; os hóspedes recebem os códigos quando fazem a reserva).

Apesar das trilhas serem bem marcadas, não é incomum se ver fora delas, forçado a improvisar. Para nós, esse momento ocorreu quando, após atravessarmos um charco esponjoso, chegamos a um bosque de salgueiros retorcidos de um metro de altura. A abertura que encontramos levava a um riacho, que estava caudaloso devido ao imenso derretimento da neve pesada durante o inverno e primavera. Scott tirou sua mochila, a jogou do outro lado e saltou o riacho em um único pulo. Ele ofereceu encontrar um ponto mais estreito para que eu pulasse, mas decidi tentar do modo dele, e prontamente joguei minha mochila dentro d’água. E pulei atrás dela.

Eu saí encharcado e recoloquei a mochila molhada nas minhas costas.

Os soldados que percorreram estes terrenos décadas antes de mim certamente não teriam levado minha situação muito a sério. Mas quando chegamos à Cabana do Tio Bud, eu fiquei feliz pelo aquecedor, que esquentou o ar e, em pouco tempo, secou meus pertences.